quinta-feira, março 27, 2025

PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE VI)

 

Temos diante de nós uma chance especial de preservar um marco da nossa história: o Antigo Hospital, a Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira, também conhecida como Santa Casa de Itaúna, em Minas Gerais.

Este prédio, que por tantos anos foi sinônimo de cuidado e acolhimento para nossa comunidade, hoje necessita de nossa atenção/participação para ser restaurado e continuar vivo, contando as histórias de gerações passadas e inspirando as futuras.

A restauração do Antigo Hospital vai além de uma simples obra. É um resgate do nosso patrimônio material e imaterial, uma forma de manter viva a memória de quem somos como povo. 

Imagine caminhar pelas ruas de Itaúna, passar em frente a esse edifício restaurado e sentir o orgulho de saber que você fez parte dessa transformação. Cada pessoa que contribui, independentemente do valor, torna-se peça essencial nessa missão histórica.

A obra de restauração do Antigo Hospital está sendo realizada com verba específica do Patrimônio Histórico Tombado, direcionada pelo Ministério Público, por parlamentares e empresários comprometidos com a preservação desse importante patrimônio. No entanto, para que possamos concluir esse grande feito, garantindo um legado para a saúde de Itaúna e região, toda ajuda é bem-vinda!

Qualquer quantia importa! Seja um real ou mais, cada doação é um passo adiante na reconstrução deste símbolo da nossa cidade. Não é o tamanho do gesto que conta, mas o coração colocado nele. Juntos, com a soma de pequenas e grandes contribuições, podemos devolver ao Antigo Hospital sua dignidade e garantir que ele continue sendo um orgulho para todos nós.

Para facilitar sua participação, aqui estão os dados para doação:

Banco Sicoob: 4101 -  Conta: 5588001-0

Chave PIX: CNPJ Hospital Manoel Gonçalves 2125450570001-97

Doe hoje e seja parte deste resgate histórico. Vamos unir forças para transformar o Antigo Hospital em um legado renovado, um testemunho do amor e da união da nossa comunidade.

 Com gratidão,

Charles Aquino  — Historiador - Registro Nº 343/MG

PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE I)

domingo, março 23, 2025

ITAÚNA PANORÂMICA XX

A fotografia panorâmica de Itaúna/MG, datada da primeira década do século XX, é mais que uma simples imagem; é um testemunho silencioso da cidade que florescia, imortalizada no instante em que a modernidade começava a desenhar novas linhas na história. 

O cenário retratado revela uma Itaúna jovem, mas já marcada por traços profundos de sua identidade, preservados até os dias de hoje. Essa imagem carrega a memória de seus cidadãos e das gerações que ajudaram a construir o município.

Ao fundo, destaca-se a imponente antiga Igreja Matriz de Santana, com seu Cruzeiro erguido no alto. Suas paredes centenárias, testemunhas de inúmeras celebrações, mesmo após a demolição, permanecem vivas na memória da cidade. 

No mesmo local, ergue-se hoje a nova igreja, que continua sendo um ponto de encontro da fé e da esperança em Itaúna.

O Cruzeiro, fincado ali, permaneceu firme por muito tempo como símbolo de resistência e devoção — assim como a própria cidade, que, apesar das transformações, preserva em seu coração os valores e crenças que moldaram sua gente.

O imponente Casarão dos Lima, situado na Rua Silva Jardim, reflete a força econômica e a influência de famílias proeminentes. Suas portas e janelas antigas, que já viram tantos passantes, mantêm viva a conexão com o passado. Cada detalhe daquela construção conta histórias de conquistas e desafios de um município que, por meio da força de seus habitantes, foi ganhando relevância no cenário regional.

A Estação Ferroviária se impõe como símbolo de uma época em que o trem era o motor da modernidade. O som do apito da locomotiva, que no passado cortava o ar da cidade, ainda ecoa na memória de quem viveu aquele período de crescimento e integração.

No centro da imagem, o Grupo Escolar, hoje Escola Municipal Augusto Gonçalves, representa um marco na história educacional de Itaúna. Desde sua construção, tem sido peça fundamental na formação de gerações de cidadãos que contribuíram para o progresso local. Seus tijolos, como os das demais edificações da época, carregam o peso de um passado que, por mais distante que pareça, segue intimamente ligado à identidade dos itaunenses.

Mais ao longe, a Capela de São Miguel, localizada no centro do Cemitério Velho, ergue-se como guardiã da memória dos que partiram, mas deixaram um legado eterno. Singela e serena, reflete a espiritualidade de um povo que, mesmo nos momentos mais difíceis, sempre encontrou consolo e esperança.

Por fim, a Companhia Industrial Itaunense surge como um dos grandes símbolos do progresso e da revolução industrial que marcou o início do século XX. Suas fábricas, movimentadas pelas mãos de inúmeros trabalhadores, não apenas impulsionaram a economia local, mas transformaram Itaúna em um polo de produção e inovação.

Essa fotografia panorâmica não é apenas um registro do espaço, mas uma verdadeira cápsula do tempo. Ao ser observada nos dias atuais, transporta-nos a um passado de suor, fé, luta e esperança. É o retrato de uma Itaúna do início do século XX que, com coragem e determinação, pavimentou o caminho para o futuro. Suas construções permanecem como símbolos vivos de uma história que não será esquecida, mas sempre lembrada por todos aqueles que amam esta cidade.

Com um olhar mais atento, certamente ainda há muitos outros registros a serem descobertos, cada um dialogando com nossa história.


Pesquisa, arte e elaboração: Charles Aquino

Acervo: Guaracy de Castro Nogueira (In Memoriam)

quinta-feira, março 20, 2025

MISSA TRADICIONAL

A Igreja Matriz de Sant’Ana, localizada no coração de Itaúna/MG, é um marco da história e do desenvolvimento do município. Símbolo de fé e tradição, a Matriz tem sido, ao longo dos anos, o cenário de importantes celebrações religiosas que reúnem a comunidade itaunense. 

A missa, como expressão de devoção e encontro, sempre teve papel central na vida dos fiéis.

Em anexo, apresentamos uma fotografia que registra um momento especial da celebração da tradicional missa na década de 1960, preservando a memória litúrgica e cultural da cidade.

Esse registro histórico permite vislumbrar a vivência religiosa da época e a importância da Igreja Matriz de Sant’Ana como ponto de referência para gerações de itaunenses.

Antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), a Missa Católica era tradicionalmente celebrada em latim, com  o sacerdote voltado de costas para os fiéis, seguindo a orientação ad orientem (voltado para o Oriente). Esse posicionamento não significava um afastamento do povo, mas sim uma forma simbólica de todos – padre e fiéis – estarem juntos em oração na mesma direção, voltados para Deus (GUÉRANGER, 2005).

A tradição de celebrar voltado para o Oriente remonta aos primeiros séculos do Cristianismo. Para os cristãos antigos, o Oriente tinha um profundo significado espiritual, pois era associado à luz, à ressurreição e à Segunda Vinda de Cristo, que, segundo algumas interpretações bíblicas, viria do Leste (RATZINGER, 2004). Essa prática foi mantida e oficializada na Missa Tridentina, instituída pelo Concílio de Trento (1545-1563) e codificada pelo Papa São Pio V em 1570.

Além disso, na teologia litúrgica tradicional, o altar era visto como o ponto central da celebração, onde se realizava o Sacrifício Eucarístico. O padre, agindo in persona Christi (na pessoa de Cristo), oferecia o sacrifício a Deus Pai, e a posição ad orientem reforçava essa ideia de direção para o divino, em vez de uma relação meramente horizontal entre o padre e a assembleia (BOUYER, 2017).

Com as reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II, buscou-se uma maior participação dos fiéis na celebração. Assim, a Missa passou a ser rezada na língua local, e o altar foi reorganizado para permitir que o sacerdote ficasse voltado para a assembleia (versus populum). Essa mudança visava tornar a liturgia mais acessível e envolvente, destacando a Eucaristia como um banquete comunitário, além de um sacrifício (GAMBER, 1993).

O Papa Bento XVI, por meio do motu próprio Summorum Pontificum (2007), ampliou a permissão para a celebração da Missa na forma tradicional. No entanto, em 2021, o Papa Francisco revogou essa medida com o documento Traditionis Custodes, restringindo o uso do rito tridentino. Desde então, a celebração da Missa Tridentina só é permitida com a autorização do bispo diocesano, que, por sua vez, deve obter permissão direta de Roma para concedê-la (FRANCISCO, 2021).

Assim, a mudança na posição do sacerdote e as recentes decisões papais refletem não apenas uma adaptação litúrgica, mas também diferentes ênfases teológicas sobre a forma como os fiéis se relacionam com a celebração eucarística ao longo da história da Igreja.


 Referências

Organização, arte e pesquisa: Charles Aquino

BOUYER, Louis. A Eucaristia: Teologia e Espiritualidade da Oração Eucarística. South Bend: University of Notre Dame Press, 2017.

FRANCISCO. Carta Apostólica Traditionis Custodes (Guardiões da Tradição). Vaticano, 2021. Disponível em: https://www.vatican.va. Acesso em: 4 mar. 2025.

GAMBER, Klaus.  A Reforma da Liturgia Romana: Seus Problemas e Contexto.San Juan Capistrano: Una Voce Press, 1993.

GUÉRANGER, Prosper. A Santa Missa. Loreto Publications, 2005.

RATZINGER, Joseph. O Espírito da Liturgia. San Francisco: Ignatius Press, 2004. 

sexta-feira, março 14, 2025

MAIS OU MENOS DIAS?

"Hoje seria mais um, ou menos um dia em nossas vidas?"—tal indagação, revestida de aparente simplicidade, encerra uma profunda inquietude acerca da própria existência. 

Ao questionar se cada dia transcorrido representa uma soma ou uma subtração em nossa trajetória, a frase lança-nos em um labirinto de reflexões sobre a temporalidade, a finitude e o valor que atribuímos ao decurso das horas. 

A resposta, contudo, não se encontra na matemática impassível dos calendários, mas na maneira como optamos por habitar o presente.

Sob a ótica da vida como acréscimo, cada dia se revela como uma oportunidade singular: um novo ensejo para aprender, amar, criar ou transformar. 

Nesta perspectiva, o tempo desponta como um aliado generoso, um solo fértil onde semeamos memórias e colhemos experiências. A cada alvorecer, somos presenteados com a consciência de estarmos vivos, celebrando a existência como uma jornada de expansão, em que cada instante se converte em semente do porvir.

Em contrapartida, se concebermos a vida como uma subtração, cada dia constitui um degrau a menos na ascensão rumo ao inexorável final. Nesse cenário, a morte transforma o tempo em uma ampulheta implacável, e cada grão de areia que se esvai reitera a efemeridade de todas as coisas. 

Ainda que essa visão se apresente carregada de uma melancolia sombria, ela não precisa semear o desespero; pelo contrário, pode instigar-nos a viver com um propósito, recordando as palavras de Sêneca: "Não é que temos pouco tempo, mas que desperdiçamos muito." Aqui, o "menos um" emerge não como derrota, mas como um alerta para que não deixemos os dias escaparem desprovidos de significado.

A dualidade entre "mais um" e "menos um" evidencia, pois, que o tempo transcende sua mera quantificação objetiva, constituindo uma experiência eminentemente subjetiva. Para Henri Bergson, o tempo cronológico—rigorosamente medido pelos relógios—distingue-se radicalmente do tempo vivido, a chamada duração, que se modula conforme a intensidade e o peso emocional de cada momento. 

Assim, um único dia pode revelar-se uma eternidade quando permeado pela paixão, pela dor ou pela descoberta, ou dissipar-se como um breve sopro se atravessado pela indiferença. Dessa forma, a indagação inicial desdobra-se: o que importa não é a contagem dos dias, mas a forma como os tornamos dignos de serem lembrados.

No âmago desta reflexão está o "hoje", termo que ancorou a pergunta e sublinha a urgência do presente. O pretérito já se converteu em história, o futuro se apresenta como uma promessa incerta, mas o presente é o único território onde a vida se desvela em sua plenitude. 

É nele que decidimos se este dia se transmutará em "mais um" na rotina da repetição, em "menos um" na contagem regressiva da ansiedade, ou se, quiçá, transcenderá a lógica numérica, assumindo a singularidade de um instante inefável. Conforme preconizava o existencialismo, o sentido não está predeterminado: somos nós os artífices do significado por meio das escolhas que fazemos no agora.

Em última análise, a pergunta não demanda uma resposta definitiva, mas um posicionamento existencial. Ela convoca-nos a renunciar à ilusão de domínio sobre o tempo e a abraçar a ambiguidade inerente à existência. 

Se um dia é ganho ou perdido, tal veredicto depende menos do destino e mais da profundidade com que o vivenciamos. Como asseverou Fernando Pessoa, "tudo vale a pena se a alma não é pequena." Assim, a verdadeira medida de um dia talvez não resida na aritmética das adições e subtrações, mas na audácia de transmutá-lo em algo que desafie qualquer quantificação—um instante, por ter sido vivido em sua totalidade, que se eterniza no tempo."

"Escritoras Contemporâneas" ✅

Lótus Negra

Arte e design: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.  

 

REMIÇÃO PELA LEITURA

APAC ITAÚNA/MG

O Projeto "Remição pela Leitura" consiste em proporcionar ao recuperando quitar parte de sua pena através da leitura mensal de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras.

A Constituição Federal enfatiza a responsabilidade social, destacando a Dignidade da Pessoa Humana e Cidadania como fundamentos do Estado Democrático de Direito, e que estes direitos devem ser estendidos àqueles em situação de privação de liberdade, sempre partindo da premissa que seus direitos fundamentais não foram suspensos e devem ser resguardados.

Dessa forma, o TJMG instituiu o Projeto "Remição pela Leitura" nas unidades prisionais do estado de MG, como meio de viabilização da remição de pena por estudo, prevista na Lei Federal n° 7.210, de 11 de julho de 1984 (A remição de pena por leitura de livros permitirá a redução de até 48 dias de pena a cada 12 meses). 

Como exemplo, o projeto/parceria foi adotado pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados- APAC de Itaúna/MG (Masculino e Feminino), reforçando seu compromisso com a ressocialização e a reintegração dos recuperandos.

O Projeto "Remição pela Leitura" consiste em proporcionar ao recuperando quitar parte de sua pena através da leitura mensal de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras. A remição da pena é o abatimento dos dias e horas de trabalho ou de estudo do tempo total de condenação do preso.

Resolução Conjunta SEDS/TJMG nº 204/2016 regulamentou o funcionamento desse projeto.

QUEM PODE PARTICIPAR?

Os recuperandos do Sistema Prisional do Estado de Minas Gerais, inclusive nos casos de prisão cautelar, poderão participar das ações do Projeto "Remição pela Leitura", sendo preferencial o atendimento àqueles que ainda não têm acesso ou não estão matriculados no Ensino Formal, Educação Profissional e Trabalho, ofertados e disponibilizados nas Unidades Prisionais do Estado de Minas Gerais.

COMO PARTICIPAR?

A participação do recuperando no Projeto "Remição pela Leitura" será voluntária, mediante inscrição no Núcleo de Ensino e Profissionalização - NEP nas respectivas Unidades Prisionais.

O recuperando que participar das ações no Projeto "Remição pela Leitura" deverá:

I - Realizar a leitura de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras; e II - elaborar uma resenha que será corrigida e avaliada pela Comissão Organizadora.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu que o prazo de leitura de cada obra deve ser de 21 a 30 dias. Cada resenha aprovada pode remir até quatro dias de pena.

Após a aprovação, a resenha será encaminhada ao Juiz responsável pela execução da pena, para análise sobre a concessão da remição ao recuperando.

COMISSÃO ORGANIZADORA DA "REMIÇÃO PELA LEITURA":

As obras serão previamente selecionadas pela Comissão Organizadora - Remição pela Leitura, a ser instituída nas Unidades Prisionais do Estado de Minas Gerais.

A Comissão Organizadora - Remição pela Leitura será composta por, no mínimo, 3 integrantes:

I - Um profissional com nível de escolaridade superior, preferencialmente graduado em Letras; II - um profissional com qualquer graduação superior; III - um profissional do NEP.

A Comissão será presidida preferencialmente pelo profissional graduado em Letras e, na ausência deste, será presidida por profissional com qualquer graduação superior.

Os integrantes assinarão um termo de ciência advertindo da possibilidade de caracterização de crime, na hipótese de se atestar com falsidade um pedido de remição de pena.

COMPETÊNCIAS:

I - relacionar as obras literárias, clássicas, científicas, filosóficas, dentre outras, que compõem o acervo do Projeto "Remição pela Leitura"; II - diversificar, anualmente, os títulos das obras do acervo do Projeto "Remição pela Leitura"; III - orientar os recuperandos do Projeto "Remição pela Leitura" sobre como escrever, reescrever textos e síntese do conteúdo para a elaboração da resenha; IV - corrigir a versão final das resenhas; V - emitir declaração quando solicitada, relativa à leitura das obras literárias, clássicas, científicas, filosóficas, dentre outras, contendo: nome das obras literárias lidas, nota obtida na resenha e quantidade de dias a serem remidos. Esta declaração atestará a participação do recuperando no projeto "Remição pela Leitura". 

Referência:

Pesquisa, arte e elaboração: Charles Aquino

TJMG - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - Projeto Remição pela Leitura

SENADO FEDERAL - NOTÍCIAS

VEJA MAIS:

AESP - Academia Estadual de Segurança PúblicaIntrodução às Normas e aos Procedimentos para Docentes atuantes no Sistema Prisional de Minas Gerais.

APAC / ITAÚNA: UTILIDADE PÚBLICA

sábado, março 08, 2025

MULHERES NOTÁVEIS

Mulheres notáveis em Itaúna

Prestamos homenagem às mulheres notáveis em Itaúna, Minas Gerais, que, com coragem, dedicação e resiliência, moldaram a história da cidade em áreas como educação, saúde, filantropia, resistência, cultura e tradição. Este texto celebra a diversidade e contribuições e reforça a importância de seu legado para as gerações atuais e futuras.

 Mulheres de Fé e Serviço

Irmã Benigna Victima de Jesus: Madre superiora da Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira por 12 anos, liderou as Irmãs Auxiliares da Piedade desde sua chegada a Itaúna em 1945. 

Sob sua gestão, o hospital ofereceu serviços médicos internos, administração exemplar e atendimentos gratuitos na policlínica, trazendo esperança aos necessitados. Sua missão em Itaúna terminou em 1948, mas seu impacto na saúde e espiritualidade da comunidade permanece vivo.

 Educadoras que Transformaram Gerações

A educação em Itaúna foi profundamente marcada por mulheres que dedicaram suas vidas ao ensino, enfrentando desafios e deixando legados duradouros:

Professora Elsa Nogueira Gomide: Normalista e funcionária pública, superou preconceitos para se tornar influente na educação. Atuou no Ministério da Educação e assegurou verbas federais para a Universidade de Itaúna, um marco educacional.

Professora Thereza Juliano Boza Campos: Nascida em 1934, lecionou por mais de 20 anos em cidades como Santos Dumont e Itaúna, incluindo a Universidade de Itaúna, com paixão e compromisso.

Professora Gilka Drumond de Faria: Iniciou sua carreira aos 16 anos na zona rural e dedicou 49 anos à educação. Como professora e diretora, inspirou suas filhas a seguirem o magistério, sendo homenageada com a Escola Estadual Professora Gilka Drumond de Faria.

Professora Celuta das Neves: Nascida em 1885, formou-se em Mariana e lecionou até 1942, oferecendo aulas particulares até sua morte em 1968. Afrodescendente, foi um farol de sabedoria, recebendo o título de Cidadã Honorária em 1965 e a homenagem da Escola Municipal Professora Celuta das Neves em 1974.

Professora Yedda de Paula Machado Borges: Nascida em 1925, foi essencial na criação da Universidade de Itaúna, lecionando matemática e participando de cursos em Israel. Recebeu a Medalha de Ouro na primeira turma de Filosofia da universidade e foi uma das “Melhores do Ano” em 1981.

Professora e Escritora Nise Campos: Nascida em 1907 em Itapecerica, formou-se na Escola Normal de Itaúna em 1925. Lecionou até a aposentadoria e escreveu poesias de humanismo e melancolia, como a “Ode ao Tempo”. Faleceu em 1987.

Professora Graciana Coura de Miranda: Nascida em 1914, dedicou quase 50 anos à educação. Implantou o Jardim de Infância Ana Cintra em Itaúna e lecionou por 30 anos na cidade, sendo um ícone até sua morte em 1997.

Professora Jesuína Americana Brasileira e Silva: Nascida em 1866, foi uma educadora pioneira que atuou por mais de 40 anos em Minas Gerais. Casada com Francisco de Paula Machado em 1884, teve 10 filhos e começou sua carreira docente antes de 1885, inicialmente como professora interina em Itatiaiuçu. Tornou-se efetiva em São João del Rei em 1888 após vencer um concurso e lecionou em áreas rurais e industriais, como a Fábrica da Cachoeira (Companhia de Tecidos Santanense), onde recebeu um aumento salarial de 5% em 1898 por seu desempenho excepcional. Atuou em Mateus Leme, Itatiaiuçu e São Sebastião do Gil, enfrentando recursos limitados e mudanças frequentes. Faleceu em 1960 em Belo Horizonte, deixando um legado transformador que inspirou gerações de educadores e contribuiu para o avanço das comunidades.

Professora Nair Chaves Coutinho: Descendente de famílias tradicionais de Itaúna, como os Gonçalves Chaves, foi educadora e diretora da Escola Normal "Manoel Gonçalves de Souza". Eleita Rainha de Itaúna em sua juventude, antes dos concursos de Miss, destacou-se por sua beleza estonteante e formação primorosa em Oliveira. Casou-se em 1924 com o médico e ex-prefeito Dr. Antônio Augusto de Lima Coutinho, com quem teve nove filhos. Sua vida foi marcada pela harmonia entre beleza, fé cristã, cultura didática e dedicação à família e à comunidade. Após sua morte, foi homenageada com a Praça Nair Chaves Coutinho (Lei Municipal 2987/95), reconhecida como exemplo de dignidade e virtude. 

Professora Dolores Nogueira Penido: Atuou na Escola Rural do Povoado de Pedra, alfabetizando gerações em uma região remota. Sua contribuição foi eternizada com a Escola Municipal Dolores Nogueira Penido.

Filantropia e Compromisso Social

Maria Gonçalves de Souza Moreira (Dona Cota): Nascida em 1875, fundou o Orfanato São Vicente de Paulo em 1949, doando sua fortuna para proteger crianças desamparadas. Seu trabalho, apoiado por figuras como Dona Tereza Gonçalves, é um exemplo de solidariedade.

Trabalhadoras e Resilientes

Associação de Santa Zita: Formada na década de 1950 por mulheres afrodescendentes como Dona Edite Marques de Oliveira Melo e Dona Geni Ferreira Pinto, apoiava empregadas domésticas. Celebraram a Lei 5.859/1972, que garantiu direitos à categoria.

Anna Egipcíaca (1807-1852): Mulher escravizada que resistiu com fé, unindo misticismo cristão e tradições afro-brasileiras.

Maria Adriana da Silva ("Bisa"): Afrodescendente nascida por volta de 1879, aprendeu a ler e escrever antes da abolição de 1888. Viveu até os 91 anos, inspirando sua descendência.

Dona Sinhá e Maria da Piedade: Representam a força das trabalhadoras rurais.

Maria Tião: Conhecida por seus biscoitos fritos de polvilho, trouxe alegria à vida cotidiana.

 Parteiras e Cuidadoras

Balbina Fortunata da Silva: Nascida em 1902 em Itatiaiuçu, foi parteira em Itaúna, ajudando centenas de nascimentos. Acolheu os pobres e foi ativa na política até sua morte em 1975.

Maria Viana Mendes: Parteira gratuita na região das ruas Agripino Lima e Getúlio Vargas, também costureira de vestidos de noiva. Faleceu em 1965.

 Guardiãs da Memória

Maria Augusta de Faria: Nascida em 1887, criou 13 filhos e foi homenageada em 1972 com uma escola em seu nome.

Maria Joaquina Parda: Faleceu em 1852 aos 95 anos, deixando uma grande descendência em Itaúna.

 Guardiãs da Cultura e Tradição

Eponina Maria do Carmo Nogueira Gomide Soares: Idealizadora da Bandeira de Itaúna, contribuiu para a identidade cultural da cidade.

Maria da Conceição Basílio de Jesus (Dona Sãozinha): Nascida em 10 de novembro de 1925 em Divinópolis, foi coroada Rainha da Irmandade de Santa Ifigênia aos 13 anos e liderou o Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Itaúna por 85 anos. Sua casa no bairro Santo Antônio tornou-se o "quartel-general" das celebrações de 1º a 15 de agosto, atraindo milhares de participantes, incluindo políticos, artistas e congadeiros. Casada com João Ferreira em 1947, levantava a Bandeira de Santa Ifigênia todo 1º de agosto, marcando o início das festividades com danças, música e símbolos culturais. Faleceu em 26 de dezembro de 2023, aos 98 anos, e seu velório incluiu o ritual de "descoroação". Seu legado cultural afro-brasileiro será perpetuado por suas filhas e netas.

 

Essas mulheres — religiosas, educadoras, filantropas, trabalhadoras, parteiras, figuras culturais e guardiãs da tradição — construíram Itaúna com suas mãos e corações. Seus legados estão nas escolas, hospitais, ruas e celebrações da cidade, inspirando-nos a lutar por igualdade e valorizar as mulheres de hoje. Que possamos honrar suas histórias e trabalhar por um futuro onde todas as vozes sejam ouvidas, perpetuando os valores de coragem, compaixão, determinação e preservação cultural que elas exemplificaram. 

Organização, arte e elaboração: Charles Aquino

 

sexta-feira, março 07, 2025

PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE V)

Entre Ruínas e Memórias

No coração do jovem município de Itaúna, Minas Gerais, erguia-se um edifício que transcendia sua mera estrutura de tijolos e argamassa. 

A Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira ou Santa Casa, edificada nas primeiras décadas do século XX (Pedra Fundamental: 1916  Inauguração: 1919) , representava muito mais do que uma imponente construção de um hospital; era o guardião das memórias de uma cidade e um símbolo perene de sua história.

Por décadas, suas paredes testemunharam o pulsar da vida — os gritos de nascimentos, os suspiros de despedidas, as mãos incansáveis de médicos e enfermeiras que fizeram dele um refúgio de esperança para a comunidade. Mas o tempo, esse artesão cruel, trouxe o abandono, e o que antes era um farol de vida tornou-se uma sombra silenciosa, esquecida pelas ruas que um dia protegeu.

Em 2013, o destino do hospital parecia selado. Uma faixa foi pendurada em sua sacada, carregada de um aviso sombrio: "NÃO ESTACIONE NESTA ÁREA. RUÍNAS COM RISCO IMINENTE DE DESABAMENTO." 

Era mais do que um alerta prático; era um lamento, um grito rouco de um edifício que, outrora majestoso, agora se curvava ao peso do descaso. Essas palavras ecoavam o desespero de um passado à beira do esquecimento, onde o abandono parecia selar o destino de um símbolo que representava a saúde e a esperança da comunidade.

Suas janelas quebradas fitavam o vazio, seus corredores ecoavam apenas o vento, e a ameaça de demolição pairava como uma sentença final. Naquele momento, não havia planos, não havia esperanças — apenas o espectro de um colapso iminente, pronto a engolir séculos de história que ajudaram a moldar Itaúna.

Mas, como em toda história de superação, o fim de um capítulo nunca é a sentença definitiva — Porque o coração de uma comunidade não se rende tão facilmente. O silêncio ensurdecedor das paredes desgastadas deu lugar a um clamor coletivo.  Entre as ruínas e o silêncio, uma faísca de resistência começou a arder.

O povo de Itaúna, unido por um amor profundo por seu passado, recusou-se a deixar que aquele símbolo fosse reduzido a pó. Homens e mulheres, movidos pelo amor à sua história e à convicção de que preservar o passado é cuidar do futuro, se uniram para desafiar a deterioração. Cada esforço, cada gesto de coragem, transformou a incerteza em determinação.

Anos de luta, debates e sonhos culminaram em um marco triunfal. Em 2025, uma nova faixa surgiu na mesma sacada, carregando uma mensagem de redenção e promessa: "ANO NOVO, NOVA DIREÇÃO, FELIZ 2025. ESTAMOS RECUPERANDO NOSSA HISTÓRIA. RECONSTRUINDO O ANTIGO HOSPITAL. VENHA NOS AJUDAR." Era o anúncio de um renascimento, um testemunho da força da preservação sobre a destruição.

Essa transformação não foi um milagre súbito. Foi uma jornada de superação, tecida com o esforço de cidadãos, historiadores e sonhadores que acreditavam em uma verdade essencial: preservar a história é cuidar da saúde de uma sociedade. O hospital, como uma árvore centenária, havia enfrentado tempestades e pragas, mas suas raízes — fincadas nas memórias de gerações — provaram-se mais fortes que o abandono. Cada obstáculo, desde o risco de desabamento até as vozes que clamavam por demolição, foi superado pelo sentimento coletivo de que o passado merece um lugar no futuro.

A restauração do antigo hospital é a prova viva de que, mesmo diante dos desafios, a vontade de preservar a história transforma ruínas em pilares de um futuro mais sólido e humano. Cada tijolo assentado, cada gesto de apoio, ou simplesmente um simples pensamento positivo, resgata a essência de um tempo em que a saúde era sinônimo de cuidado e solidariedade.

A faixa de 2025 não é apenas um comunicado — é um convite, um chamado à ação para que todos se juntem a essa causa. A história e memória da do hospital jamais pertenceu a um único indivíduo; trata-se de um legado coletivo, um tesouro compartilhado que molda nossa identidade e define quem somos.

Faça parte deste renascimento. Restauremos e, se necessário, "reconstruamos" juntos não apenas um edifício, mas a alma de Itaúna. Que as gerações futuras possam caminhar por esses corredores restaurados e sentir o eco do passado, inspirando-se para construir um futuro ainda mais forte. Porque preservar nossa história não é apenas um ato de memória — é um gesto de vida.

Convidamos você a fazer parte dessa jornada de resiliência e amor, onde cada ação reafirma que preservar o passado é, na verdade, cuidar do presente e construir um amanhã mais justo e promissor. Junte-se a nós e seja parte dessa transformação que reafirma: a história de Itaúna, assim como seus moradores, é eterna.

Charles Aquino

Historiador - Registro Nº 343/MG 

  PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE VI) ✅

segunda-feira, março 03, 2025

LINCOLN NOGUEIRA MACHADO

Dr. Lincoln Nogueira Machado foi um dos mais ilustres médicos de sua época, destacando-se não apenas na Medicina, mas também como benemérito e figura de grande expressão humana. Pioneiro em causas relevantes, exerceu forte influência nos meios científicos e sociais de sua terra natal e região.

Homem público de elevado valor, sempre leal aos seus princípios, defendeu incansavelmente os interesses populares e deixou um legado significativo para seu município.

Inteligente e culto, possuía inclinação literária marcante, sendo um estilista refinado e profundo conhecedor da língua portuguesa. 

Sua erudição contribuiu imensamente para o desenvolvimento intelectual e médico de sua época. 

Além disso, era poeta de sensibilidade ímpar, compondo versos fluidos e bem estruturados, onde a retórica jamais comprometia a qualidade técnica.

Nascido em 15 de junho de 1893, em Sant'anna do Rio São João Acima, hoje Itaúna, Minas Gerais, era filho de Josias Nogueira Machado e Thereza Gonçalves Nogueira. Seus irmãos eram Augusta Nogueira Soares, Azarias Nogueira Machado, Rachel Nogueira, Ovídio Nogueira Machado, Olandim Nogueira Machado, Josias Nogueira Filho, Aristides Nogueira Machado, Alice Gonçalves Nogueira, Sady Nogueira Machado, Geny Nogueira Machado (Lima) e Mozart Nogueira Machado.

Seus estudos primários foram realizados em Itaúna, entre 1903 e 1906, sob a orientação do professor José de Melo. Em seguida, frequentou o Ginásio Santo Antônio, em São João del-Rei, onde concluiu o curso ginasial após cinco anos. Posteriormente, ingressou na Escola de Medicina de Belo Horizonte, formando-se em dezembro de 1917, embora tenha recebido seu diploma apenas em 1918, após a oficialização da instituição pelo governo. Integrante da primeira turma de médicos da escola, teve como diretor o renomado Dr. Eduardo Borges da Costa, que lhe dispensava grande amizade e consideração.

Na Medicina, desempenhou papel fundamental na saúde pública. Em 1927, tornou-se Chefe do Posto de Profilaxia de Itaúna e prestou inestimáveis serviços à Casa de Caridade Manoel Gonçalves (hoje Hospital Manoel Gonçalves), onde atuou desde a fundação, em 1919, até seu falecimento. Além de Itaúna, também exerceu a profissão em Conquista (atual Itaguara), Carmo do Cajurú e cidades vizinhas. Seu compromisso com o juramento médico e sua vocação humanitária foram traços marcantes de sua carreira.

Dr. Lincoln também teve forte atuação na educação. Durante muitos anos, lecionou língua portuguesa na Escola Normal Manoel Gonçalves, desde sua fundação até sua oficialização. Em 1947, publicou um livro de grande valor histórico e literário: "Médicos de 1917", em que celebrou os 30 anos de sua formatura, traçando perfis de seus colegas por meio de versos repletos de humor, filosofia e sensibilidade. Além disso, colaborava regularmente com artigos para o jornal local "Folha do Oeste".

Após a colação de grau, retornou a Itaúna, onde estabeleceu consultório e rapidamente conquistou o respeito e a admiração de seus conterrâneos. Além da atuação médica, teve uma notável trajetória na política local. Foi nomeado Prefeito Municipal de Itaúna (1936-1947) pelo governador Benedito Valadares, exercendo o cargo por 11 anos. Posteriormente, foi eleito pelo povo e permaneceu na administração municipal como filiado ao extinto PSD, sendo vereador e Presidente da Câmara Municipal de Itaúna (1951-1953).

Na vida pessoal, casou-se primeiramente com Anita Soares Nogueira, filha de Jove Soares e Augusta Nogueira Soares, união da qual não houve descendência. Após enviuvar, contraiu segundas núpcias com Laudelina de Carvalho Machado, filha de Oscar de Carvalho e Amélia Gonçalves de Carvalho, com quem teve quatro filhos:

Maria Teresa Machado Alves, professora aposentada, casada com Elídio Alves Fonseca, pais de Gislene e Cláudia.

Thaís Machado de Souza, normalista, casada com o advogado Dr. Hélio Gonçalves de Souza, pais de Lucas e Lincoln.

Otto Nogueira Machado, engenheiro civil e metalúrgico, casado com Eni Carvalho Machado, pais de Dênio e Cristine.

Izis Nogueira Lima, normalista, casada com o contabilista Olce Lima, pais de Greisson e Ricardo.

Ao completar 40 anos de casamento, dedicou à esposa um poema intitulado "Salve 18 de junho de 1966", como expressão de amor e gratidão.

Dr. Lincoln Nogueira Machado faleceu em 6 de abril de 1968, na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Seu nome foi eternizado em avenidas de Itaúna, Carmo do Cajurú e Itaguara, bem como no Grupo Escolar de Itaúna. Embora algumas dessas homenagens tenham sido substituídas por novos nomes ao longo dos anos, sua memória permanece viva entre familiares, amigos e conterrâneos.

Sua trajetória exemplar, marcada pela dedicação à Medicina, à educação e à administração pública, consolidou um legado de inestimável valor. Como um bom semeador, deixou flores e frutos ao longo de sua caminhada, garantindo que seu nome jamais se apague da história de Itaúna e da Medicina mineira.


Referências:

Pesquisa, elaboração e arte: Charles Aquino

SOUZA, Miguel Augusto Gonçalves de. História de Itaúna, BH, Ed. Littera Maciel Ltda, 1986, p. 267-268.

NOGUEIRA, Guaracy de Castro Nogueira. Biografia Dr. Lincoln Nogueira Machado.


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sábado, março 01, 2025

TEMPOS DE GUERRA

"OUVI..." 

Em tempos de guerra e conflitos incessantes, a história nos ensina que o conhecimento e a fraternidade são os verdadeiros pilares de uma sociedade justa e equilibrada.

No poema "OUVI...", escrito em 1922, o itaunense João Dornas Filho nos convida a enxergar além do campo de batalha, a questionar a validade do sangue derramado em nome de ambições fugazes e a reconhecer o poder transformador da educação. 

Com versos marcantes e uma crítica contundente ao militarismo, o poeta propõe um novo ideal de luta: não com armas, mas com palavras, não com destruição, mas com aprendizado.

Se cada estudante é um herói, como nos diz Dornas Filho, cada livro aberto é um escudo contra a ignorância e cada sala de aula, uma fortaleza para o futuro. 

A leitura deste poema não é apenas um exercício literário, mas um chamado à consciência, uma oportunidade de repensarmos os valores que realmente constroem o mundo.

O poema "OUVI...", de João Dornas Filho, é uma peça lírica profundamente imbuída do espírito modernista e pacifista do início do século XX. Escrito em 1922, o poema dialoga com o contexto histórico da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), cujas cicatrizes ainda marcavam a humanidade, e ecoa uma das grandes preocupações do modernismo brasileiro: a necessidade de transformar valores e redefinir heroísmos.

Com forte carga crítica, a obra contrapõe o militarismo e a glória passageira da guerra à educação e à fraternidade, elevando o conhecimento e a união como ideais superiores à violência.

Desde os primeiros versos, Dornas Filho convoca os guerreiros a repensarem suas trajetórias:

"Pugillo heroico de guerreiros fortes!
Vós que lutaes pela sangrenta gloria,
Mudae vossos destinos, vossos nortes;
De outro modo encarae vossa victoria!"

A escolha da palavra "pugilo" (do latim pugillus, que significa "punhado") já sugere a diminuição da grandiosidade atribuída aos guerreiros. O poeta reconhece a força e a coragem dos soldados, mas ironiza sua busca por uma "sangrenta glória". O uso do termo "sangrenta" é crucial para evidenciar a crítica: a glória, assim conquistada, vem sempre ao custo de sofrimento e destruição.

No segundo quarteto, a inutilidade da guerra fica ainda mais evidente:

"Que vale o sangue vosso derramado,
Em pró da primazia transitória;
Se o vencedor se assenta fatigado
E sobre as ruinas de sua própria gloria?"

Aqui, Dornas Filho recorre a uma argumentação lógica: mesmo aquele que vence a guerra sofre as consequências. O vencedor, longe de alcançar um triunfo absoluto, encontra-se "fatigado", rodeado de ruínas. O termo "primazia transitória" reforça a efemeridade do poder bélico, sugerindo que a dominação obtida pela força é passageira e, muitas vezes, ilusória. Essa percepção já se fazia presente em diversas reflexões da época, como nos escritos de Erich Maria Remarque (Nada de Novo no Front, 1929) e nos discursos pacifistas de Mahatma Gandhi.

O questionamento continua no terceiro quarteto:

"Que vale a vossa indômita coragem,
A batalhar pela ambição funesta,
Se esta, em verdade, é pútrida voragem,
Que cem mil guerras num momento apresta?"

Dornas Filho descontrói o conceito de bravura associado à guerra. A "indômita coragem" dos guerreiros não é negada, mas sim ressignificada: ao ser direcionada para uma "ambição funesta", torna-se um mecanismo de destruição em massa. A metáfora de hostilidades como uma "pútrida voragem" (isto é, um abismo podre e devorador) remete à ideia de um ciclo vicioso, onde cada desinteligência gera inúmeros outros, um prenúncio da lógica destrutiva que culminaria em uma Guerra Mundial.

No quarto quarteto, há uma transição na argumentação: o poeta propõe uma alternativa à guerra:

"Lutae, lutae pela fraternidade!
Pugnae pelo alphabeto, que constróe!
Se é fortaleza uma universidade,
Cada estudante é um desestimido herói!"

A escolha da palavra "lutae" (imperativo do verbo lutar) sugere que a batalha não precisa cessar, mas deve ser redirecionada para uma causa mais nobre: a fraternidade e o conhecimento. O poeta defende a alfabetização e o aprendizado como meios de construção ("alphabeto, que constróe"), contrastando diretamente com o caráter destrutivo da guerra.

A metáfora da "universidade como fortaleza" redefine os espaços de combate: em vez dos campos de batalha, o verdadeiro cenário de transformação está na sala de aula. A escolha do termo "desestimido herói" para os estudantes reforça que o heroísmo não reside apenas na força bruta, mas sim na dedicação ao saber.

A expressão “desestimido herói”", presente no poema de João Dornas Filho, não é um termo comum na língua portuguesa atual. O termo parece derivar de “desestimar”, que significa não dar valor, desprezar ou considerar de pouca importância. “Desestimido” poderia ser, então, alguém que não é devidamente valorizado ou reconhecido.

Dessa forma, a expressão “desestimido herói” pode ser interpretada como uma homenagem ao estudante, que, embora não seja celebrado como um guerreiro, desempenha um papel fundamental na construção de um mundo melhor. Em um Brasil ainda marcado pelo analfabetismo e por políticas excludentes de acesso à educação no início do século XX, essa defesa do ensino como um valor supremo ganha contornos progressistas.

O poema culmina em um chamado simbólico para a transmutação da violência em amizade:

"Abatei o fuzil, destruí a lança!
Fazei de ambos o escudo da amizade!
Pois se a paz é irmã gêmea da Esperança,
Irmã gêmea de Deus é a Humanidade!"

Aqui, Dornas Filho emprega um tom quase messiânico, evocando imagens bíblicas de redenção e reconciliação. O uso de verbos imperativos ("abatei", "destruí") sugere uma ação concreta e imediata: as armas devem ser convertidas em instrumentos de proteção e amizade.

A relação metafórica entre a Paz e a Esperança e, posteriormente, entre a Humanidade e Deus, atribui um caráter divino ao ideal pacifista. Essa perspectiva se alinha a discursos humanistas e cristãos, aproximando-se de conceitos presentes no Sermão da Montanha, onde os pacificadores são chamados de "filhos de Deus".

O poema "OUVI..." de João Dornas Filho é um forte manifesto contra a guerra e um apelo à transformação social através da educação e da fraternidade. Sua estrutura, baseada em quadras de versos decassílabos, confere musicalidade e força ao discurso, enquanto seu tom imperativo incita uma mudança de mentalidade.

Ao destacar a efemeridade da glória militar, Dornas Filho se alinha a um pensamento progressista que valoriza a cultura e o conhecimento como verdadeiros pilares da civilização. Sua mensagem ressoa com as ideias de pacifistas e educadores como Paulo Freire, que, décadas depois, reforçaria a educação como um meio de libertação.

Embora escrito há mais de um século, o poema mantém uma atualidade impressionante. Em tempos de conflitos geopolíticos persistentes e desafios globais, sua mensagem nos recorda que o verdadeiro heroísmo não está no campo de batalha, mas sim nas páginas dos livros e no compromisso com a paz.

Aceite esse convite. Leia "OUVI..." e descubra como a palavra pode ser a maior arma da humanidade.

OUVI...

Pugillo heroico de guerreiros fortes!
Vós que lutaes pela sangrenta gloria,
Mudae vossos destinos, vossos nortes;
De outro modo encarae vossa victoria!

Que vale o sangue vosso derramado,
Em pró da primazia transitória;
Se o vencedor se assenta fatigado
E sobre as ruinas de sua propria gloria?

Que vale a vossa indomita coragem,
A batalhar pela ambição funesta,
Se esta, em verdade, é putrida voragem,
Que cem mil guerras num momento apresta?

Lutae, lutae pela fraternidade!
Pugnae pelo alphabeto, que constróe!
Se é fortaleza uma universidade,
Cada estudante é um desestimido herói!

Abatei o fuzil, destruí a lança!
Fazei de ambos o escudo da amizade!
Pois se a paz é irmã gêmea da Esperança,
Irmã gêmea de Deus é a Humanidade!


JOÃO DORNAS FILHO (1922)

  

Referências:

Poema: FILHO, João Dornas. Poema Ouvi, Revista o Malho, 1922, s/n.

Elaboração e arte: Charles Aquino