sexta-feira, fevereiro 21, 2020

O CARNAVAL ITAUNENSE


As festas e comemorações –sejam cívicas, sociais ou religiosas- fazem parte da existência humana. É necessário celebrar. É preciso comemorar- “co-memore”= com a memória, ou seja, trazer à lembrança ou simplesmente festejar.

 A vida humana é um sopro sobre a Terra e essa sensação de finitude leva-nos à entrega até mesmo irracional aos festins e bacanais. A quebra das rígidas regras e normas sociais se faz necessária para a loucura e o devaneio darem um pouco de sentido a tudo.
         E dentre tantas festas do calendário temos o Carnaval. O Carnaval é uma festa originária do cristianismo ocidental e que acontece antes da Quaresma. Normalmente envolve uma festa pública com desfiles combinando alguns elementos circenses, máscaras e até mesmo personagens do antigo teatro italiano, como pierrô, arlequim e colombina. 

As pessoas se fantasiam durante a festa, permitindo-lhes perder a sua individualidade cotidiana e experimentar um sentido elevado de unidade social.

A origem do Carnaval se perde no tempo. Entre os antigos egípcios havia as festas de Ísis e do boi Ápis; entre os hebreus, a festa das sortes; entre os gregos antigos, as bacanais; na Roma Antiga, as lupercais, as saturnais.  Na Idade Média, o Carnaval não durava apenas alguns dias, mas quase todo o período entre o Natal e o início da Quaresma. 

Nesses dois meses, as populações católicas usavam os muitos feriados dos santos como uma saída para suas frustrações diárias. No entanto, a Igreja Católica já condenava o que chamava de "devastação diabólica" e "rituais pagãos". No ano 325, o primeiro Concílio de Niceia tentou acabar com estas festas pagãs.

         O Carnaval moderno, feito de desfiles e fantasias, é produto da sociedade vitoriana do século XX e a cidade de Paris foi o principal modelo exportador da festa carnavalesca para o mundo.

 O Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa, em fevereiro, geralmente, ou em março, conforme o seu cálculo, próximo da lua nova. E não se trata de festa própria do Brasil: o carnaval acontece em diversos países do mundo, cada um conforme sua própria Cultura; como exemplo, o famoso e clássico Carnaval de Veneza, com máscaras e trajes luxuosos do séc. XVIII, como uma grande celebração barroca.

Na nossa ITAÚNA – outrora Sant’ana do Rio São João Acima de Pitanguy- o carnaval vem de longa data. Começou pela influência portuguesa do Entrudo (Entrudo era uma festa antiga, anterior ao atual Carnaval).

Segundo pesquisas do Historiador Charles Aquino, temos notícia do Entrudo do ano de1880. No dia 3 de fevereiro daquele ano, a comemoração do entrudo no arraial de Santana de São João Acima resultou em uma grande confusão. 

Aconteceu porque pretendendo José Manoel de Oliveira brincar de entrudo com a filha de Paulino Caetano Alves, a seguiu levando um limão de cheiro e jogou na moça.  O pai “indignado agrediu com uma faca e não podendo feri-lo com ela, armou uma espingarda e com esta disparou-lhe um tiro fazendo-lhe com ele ofensas constantes”.

A história transformou-se em um processo com de mais de 80 páginas. No ano de 1885, Paulino Caetano Alves, o pai da moça, respondia pelos atos praticados naquele dia de festa carnavalesca em Santana do São João Acima; tal procedimento resultou para o denunciado um processo que o torna réu. 

No dia 19 de novembro de 1885, depois de ouvirem 5 testemunhas e analisarem o caso, o julgamento foi a Júri Popular, tendo por unanimidade de votos a favor da absolvição do réu, Paulino Caetano Alves.

Bem distante deste imbróglio carnavalesco do Séc. XIX, encontramos nas páginas do Jornal “FOLHA DO OESTE” a reportagem de Cosme Silva, no ano de 1980: “A grata surpresa do carnaval itaunense.

O Bloco veio de Santanense, pela sua primeira vez, deu o seu recado, todo mundo cantou o seu samba, bem organizado na rua e não tenha dúvidas se os líderes de lá quiserem no próximo ano poderá surgir uma Escola de Samba que vai dar trabalho. ”

E no carnaval de Itaúna, aconteceram também os famosos bailes carnavalescos nos diversos clube: Automóvel Clube, União Operária e Flor do Momo...Dividindo assim a Sociedade entre a elite, os trabalhadores e os “homens de cor” – expressão utilizada na época e eivada de racismo para se designar os então afrodescendentes.

E as névoas do Tempo nos fazem rever o desfile subindo a rua Silva Jardim, com os diversos blocos caricatos: o eterno Farrapos da Lagoinha – o mais irreverente bloco de “sujos” da cidade - Bloco da Saudade, Cuecões, Caveira, Bloco do Tutu, Demorô e o Alfaces com seu trio elétrico que causou grande sensação entre os jovens de outrora. A Banda Suja do Adelino e sua alegria contagiante.

E nossas antológicas Escolas de Samba (um capítulo à parte nessa História):  Unidos da Ponte, Império dos Castores, Os Pães e o Clube dos Zulus- exibindo as belas e encantadoras fantasias em negro e dourado e ricas plumagens e sambas enredo que fizeram história (leia-se Raimundo Rabello, o nosso ilustre Confrade Mundico e diversos outros).

E figuras singulares como o Miss Itaúna e o histórico “bloco do Eu Sozinho”, sempre em elaboradas e mágicas fantasias que o Newton Regal preparava com grande esmero e carinho, para o encanto de quem o via na avenida...Eterno o seu “Carlitos”.

Outros tempos, outros costumes. Foram-se as escolas de samba e os altos custos de um carnaval mais para ser admirado e assistido do que realmente aproveitado pelo povo. E a festa de Momo foi tomando outros formatos, conforme as intempéries do Tempo. Pelos bairros da cidade, um pré-carnaval que agitou as noites das barrancas. 

Como o “Babalu” de Santanense, “As Piedosas” no bairro da Piedade, “As Virgens” do Pe. Eustáquio com o Rosse Andrade e o “Pau de Gaiola” do Afonsinho (verdadeira apoteose carnavalesca e familiar que literalmente lota a Praça da Lagoinha e adjacências na quinta-feira que antecede a festança).  

Um “Esplendor e Glória” que vem com seu General da Banda Tadeu Nolasco repaginando nosso carnaval há alguns anos e resgatando a tradição das marchinhas com a Banda “Barril de Chope” (Walter Júnior e companheiros), sempre desfilando na contramão da avenida Jove Soares.

Por trás de cada agremiação, uma história de foliões abnegados que lutam para pôr o bloco na rua. Carnaval de rua, de foliões ou dos que preferem o sossego das cachoeiras, dos sítios e dos muitos retiros espirituais também. Vale tudo! Do axé, passando pelo samba, ao aleluia e as marchinhas (as de outrora; muitas censuras por este tempo de mimimis).

E aqui me despeço com o compositor Antônio dos Santos: “Você pensa que cachaça é água/cachaça não é água não/cachaça vem do alambique/e água vem do ribeirão. ”


Referências:

Texto:  Professor Luiz Mascarenhas

Organização e Arte: Charles Aquino

Acervo: Shorpy

terça-feira, fevereiro 04, 2020

CAPELA SÃO MIGUEL

Rapidinhas da História

No séc. XIX, ao passar estas terras, os frades franciscanos capuchinhos, vindos da Itália, ditos “barbôneos” – chefiados pelo pregador apostólico Frei Eugênio Maria de Gênova - com a missão da Sagrada Propaganda “Fide” de Roma, recomendaram que se construísse no interior do cemitério (hoje EE “José Gonçalves de Melo”) a Capela de São Miguel.


Organização ,Pesquisa e Arte : Charles Aquino

segunda-feira, fevereiro 03, 2020

REFLEXÕES NUMA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA

Ramon MARRA*

Ali estava eu novamente, não sei quantas vezes estive ali em toda minha vida. Aquele lugar era parte da minha história e estar ali era nova oportunidade de ser por inteiro, mesmo que em muitos momentos estivesse em pedaços.

Naquele dia em especial a estação ferroviária estava gelada. Não havia o calor humano, o trem chegara vazio e não havia quem esperasse e nem quem partisse. 

Somente eu ali, sozinho com minhas imaginações, com minhas fantasias, com minhas ilusões.

A estação ferroviária era meu enigma, era meu refúgio, era simbolismo da minha nostalgia, de um tempo em que o coração pulsava a espera dos sonhos que vinham e dos amores que partiam.

Das alegrias das chegadas e das dores das despedidas. 

Dos beijos não dados, dos acenos de adeus que não precisavam ter acontecidos.

Dos sorrisos largos e as vezes tristonhos dados das janelas entreabertas dos vagões em movimento.

Dos acentos que deixavam o coração machucado a espera de um retorno que jamais poderia acontecer

Da poltrona vazia na chegada que remetia o pensamento a ausência de quem tanto esperávamos.

Ali cresci, ali amei, ali vi a história passar. Em muitos momentos tudo sendo dito e em alguns as melhores coisas da gente ficando escondidas e engasgadas em nossos corações, em nossas almas.

A estação hoje está em pedaços, ela foi destruída e com ela se foram as lágrimas não derramadas, foram as flores não compartilhadas, foram as cartas não lidas, foram as poesias não proclamadas.

Mas nos corações dos transeuntes muita coisa ainda escondida, há para se revelar. O coração pode suportar como uma represa a fantasia que está à espera de se transformar em realidade.

Talvez para sempre, muitos as deixarão represadas. Porque deixá-la seguir o fluxo seria um ato de libertação. E toda liberdade tem seu custo.

Assim como o trem que segue o fluxo, mas tem como obstáculos os trilhos, assim também deixar o coração falar a verdade requer construir uma nova estação.

Nela fatalmente aconteceriam novamente muitos encontros e despedidas.

Mas de repente....

Acordei do meu transe vi que já era tarde.

Lá estou eu voltando pra casa, volto-me mais uma vez para a estação e com o coração apertado, dou um breve adeus. Ali tenho que voltar, pois a história precisa continuar.

Alguém precisa canta-la!

Alguém precisa!

Alguém!




*Pós-Graduação em Psicopedagogia
Texto: Ramon Marra / Santanense -  Itaúna/MG
Organização & Fotografia: Charles Aquino