segunda-feira, maio 14, 2018

PARÓQUIA SANTANENSE

Surgira festivo e encantador o dia 18 de janeiro de 1953. A própria natureza parecia ter um que de extraordinário. O sol banhava com seus raios límpidos e fulgentes a pequena localidade de Santanense. As casas dos laboriosos operários pareciam mais claras. A fábrica que há mais de cinquenta anos, ao bate-bate de seus teares, trouxe com seu ruído característico a pequena povoação de um canto constante, tronou-se silenciosa, homenageando assim a grande data da fundação solene da paróquia.
Um belíssimo altar foi erguido em frente a velha capela, hoje matriz. As solenidades foram marcadas para as 10 horas. Pouco antes desta hora deram entrada nesta localidade diversos automóveis trazendo as autoridades municipais, diretoria da Companhia Tecidos Santanense e diversas pessoas.
Junto ao altar já aguardava o início das solenidades a Banda de música local, regida pelo maestro José Amâncio de Oliveira e uma grande multidão de pessoas.
As 10 horas, esperando por todos, dava entrada o automóvel que conduziu o vigário de Itaúna e também o vigário encarregado da nova paróquia. Achavam-se presentes o Revmo. Padre Sílvio Rodrigues Silva, ex- cooperador de Itaúna e vigário encomendado para Maravilhas de Pitangui e Jesus Mendonça, vigário de Esmeralda.
Diante de todo o povo, revestido dos paramentos litúrgicos, o vigário encarregado leu o Decreto 78 — Criação da Paróquia do Coração de Jesus de Santanense.
Em seguida foi lida pelo Revmo. Padre Sílvio Rodrigues Silva a provisão do primeiro vigário encarregado da nova Paróquia, Revmo. Pe. José Ferreira Netto. O vigário encarregado dirigiu a sua palavra aos seus paroquianos, manifestando a sua alegria com a criação da paróquia de Santanense, criação esta que foi tantas e tantas vezes solicitada por ele.
Pe. José fez um apelo para que o mais breve possível ficasse pronta a casa paroquial para o futuro vigário. Em nome da Companhia Tecidos Santanense usou da palavra um de seus diretores, Dr. Alcides Gonçalves de Souza. Manifestou ele o júbilo da Companhia de Tecidos Santanense pela criação da paróquia e em nome da Companhia, disse ele que, a mesma estaria à disposição para cooperar na medida do possível com as obras paroquiais e com o vigário.
Em nome dos operários da Santanense falou o Dr. Jose Luiz de Oliveira, mostrando a alegria dos bons operários em ver a benevolência do Sr. Arcebispo em criar a paróquia do Sagrado Coração de Jesus de Santanense.
Seguiu-se o santo sacrifício da missa. Terminada a santa missa, foi servida aos presentes uma santa mesa de salgados, bebidas, etc. Terminado o lanche, seguiram todos para o local escolhido para a Casa Paroquial. Todos munidos de velas, o Revmo. Pe. José Netto lançou sua benção sobre a pedra fundamental da residência paroquial.
Vivas e mais vivas! No cofre da pedra foi colocada a ata jornais e moedas da época. Iniciou-se assim uma nova fase para Santanense.
13º PÁROCO - ANTÔNIO CARLOS SOUZA BARBOSA - 2014 ATÉ HOJE

Referências:
Diocese de Divinópolis. Disponível em: https://www.diocesedivinopolis.org.br
Fotografias: Charles Aquino e Alexandre Campos
Texto transcrito do Livro do Tombo da Paróquia do Coração de Jesus de Santanense: Instalação Solene da Paróquia, p. 31.
Pesquisa: Charles Aquino e Alexandre Campos
Organização: Charles Aquino

terça-feira, maio 01, 2018

MANOEL JOSÉ DE SOUZA MOREIRA


Desejo divulgar o trabalho que se segue, de autoria de Maria Lima, neta do principal fundador da Cia. De Tecidos Santanense, seu primeiro Diretor Presidente — Cel. Manoel José de Souza Moreira, conforme consta das “Disposições Transitórias” dos Estatutos de 26 de setembro de 1891.

A fábrica da Santanense foi inaugurada dia 7 de setembro de 1895, quando era gerente o pai da autora do artigo, o Cel. João de Cerqueira Lima.

É importante registrar, antes, o testemunho que a autora Maria Lima juntou ao texto quando, por carta, em 1951, o remeteu do Rio de Janeiro:
“Procurei fazer este pequeno trabalho sobre a vida de meu avô, com a maior sinceridade possível. Uma biografia deve ser fiel como uma radiografia. E o biógrafo, desapaixonado com o radiologista.

Se tiver alcançado meu objetivo terei de agradecer as informações de minha mãe, Donana, filha de Manoel José de Souza Moreira, testemunha de grande parte dos fatos relacionados com o pai e uma grande apaixonada pela verdade — “Eu falo é a verdade”, diz minha mãe a todo instante.
É agradável saber que tão ilustre e notável pioneiro é avô de meu sogro, bisavô de meus filhos e tetravô de meus netos! ”

Guaracy de Castro Nogueira


Quando se pergunta a Manoel José de Souza Moreira quantos anos tinha, ou quando fazia anos, respondia sistematicamente: “ Eu regulo com Dom Pedro II”.

Não era para parecer mais moço que respondia assim. Porque D. Pedro II nasceu a 2 de dezembro de 1825 e Manoel José de Souza Moreira nasceu em 5 de fevereiro de 1829. Era três anos, dois meses e três dias mais moço que o Imperador.

Será que esta resposta saía de uma admiração por Pedro II, ou vinha de um meio de extravasar seu desejo de ter nascido nobre? Admitindo-se exclusivamente a segunda hipótese, pode-se afirmar que Manoel José de Souza Moreira soube tirar dessa pequena fraqueza elementos para fazer de si mesmo um homem nobre, na verdadeira acepção da palavra.

Nasceu em Bonfim, Estado Minas Gerais. Era filho do fazendeiro, Guarda – Mor Antônio de Souza e de Maria Sabina do Nascimento. Passou a residir em Sant’Ana do Rio São João Acima em 1841, por aí assim.

Viera praticar no comércio com o parente Manoel Gonçalves Cançado, para cuja casa seus pais o haviam mandado. Existia outro motivo — pretendiam casá-lo com a Aninha (Ana Joaquina de Jesus), segunda filha de Manoel Gonçalves Cançado e Tereza Maria da Conceição.

A mais velha (Maria Felizarda) tinha casado com o Francisco, irmão mais velho de Manoel José de Souza Moreira e que também tinha ido praticar no comércio com o pai da moça.

Mais uma vez, como posteriormente em mais três vezes consecutivas (vieram ainda o Vicente, o José e o Joaquim, que se casaram com Joaquin, Delfina, Domitila respectivamente), a pretensão dos pais, tanto de um lado como de outro, se transformava em realidade.

Manoel e Aninha casaram-se. Ele com vinte anos. Ela quatorze. Deram-se sempre muito bem, parecendo ter nascido um para o outro. Tratavam-se por primos.
— Primo Manoel, dizia ela. Com essa dispepsia não vou muito longe.
— Qual o que, prima Aninha! Eu vou durar menos que você. Mulher doente mulher pra sempre!

Viveram casados quarenta e nove anos. Ele tinha razão. Não foi ela quem se foi mais cedo. Foi ele aos 69 anos de idade. Ela faleceu com setenta e quatro.
Tiveram doze filhos: Manoel (Manoelzinho), Virgílio, Maria (Cota), Tereza, Augusto, Josias (falecido em criança), Orozimbo, Migdônio, Castorina, Maria (Neca), Jovino e Ana (Donana).

Manoel José de Souza Moreira era um crente. Trabalhou gratuitamente, como servente de pedreiro na construção da velha Matriz. Não deixava de ir à missa aos domingos. Nem de confessar-se e comungar pelas Missões. Era esse o costume naquele tempo.

O sino tocava para a missa. Se estava atendendo um freguês (era negociante) dizia-lhe no seu jeito de falar, baixo e enrolado: “Vamos à missa, depois voltamos para acabar com isto. Fechava as portas e saía para a igreja junto com o freguês. Não faltaram na sua vida episódios interessantes para demonstrar a qualidade magnífica de seu caráter e de sua inteligência.

Um deles foi no Rio. Passava pela rua do Ouvidor. Deu com os olhos numa taboleta com a seguinte inscrição: “Dá-se o prêmio de 50$ooo a quem ganhar uma partida de Dama”.

Atravessou a rua. Atrás de um guichê, um homem de que se viam apenas as mãos, movimentava as pedras. Em pé na calçada, um concorrente jogava.
Esperou acabar a partida, ganha pelo homem escondido atrás do guichê. Ofereceu para jogar. Jogou e ganhou.

O adversário propôs nova partida. Aceitou ganhando novamente. O homem de trás do guichê mandou chama-lo lá dentro. Queria uma explicação sobre o jogo.

O comerciante de Sant’Ana do Rio São João Acima explicou-lhe os lances matemáticos que costumava fazer. E ao lhe ser entregue a importância a que tinha direito, recusou-se a recebe-la. Desculpou-se. Jogava para distrair-se. Não podia, portanto, ser remunerado.

Outra vez, foi em sua casa comercial. Um desconhecido chegou para fazer compras. Primeiro pediu sete metros de chita. O negociante tirou da prateleira a peça apontada, colocou-a sobre o balcão. O desconhecido examinou a fazenda entre os dedos, perguntou quanto era. — Tanto. Respondeu o negociante.

O homem achou caro e pediu diferença. O negociante percebeu que o sujeito não entendia do artigo. E percebeu também que se não concordasse com a diferença solicitada, perderia a oportunidade de adquirir um freguês.

Concedeu a diferença. E, supondo que a exigência viesse a ser repetida, foi aumentando um pouco o preço das outras mercadorias pedidas, para lhe ser possível satisfazer o comprador, sem se prejudicar.

Aconteceu que o freguês não discutiu mais os preços, aceitando-os sem condições. No fim, o negociante sem o desconto concedido na chita, outra, com a diferença e os aumentos feitos propositalmente. O freguês aceitou a primeira. E tornou-se comprador assíduo na Casa do sr. Manoel, como era conhecida.

Lia sobre a medicina. Como não havia médico nas redondezas, atendia os doentes que o procuravam, tratando por homeopatia. Diagnosticava, receitava, fornecia os remédios. Tudo de graça. Lia sobre direito. Se havia questão entre os fazendeiros, ele era consultado, E sua decisão, acatada. Se havia engano nas medições de terras, ele as conferia. Era o agrimensor.

Era de estatura mediana, claro, corado, cheio de corpo, rosto largo, testa estreita, olhos miúdos e claros, cabelos lisos e escuros, barba bastante farta e longa. Alegre, jovial, gostava de conversar.

Conversava com todo mundo que passasse a porta de sua casa.Inteligente, compreendia o valor da instrução. Queria que todos os filhos estudassem. Todos estudaram um pouco. Só o Augusto pode forma-se. Formou-se em medicina.

Deve ter sido uma alegria imensa para o pai ter um filho médico! Neca e Castorina estudaram em Mariana. Donana, muito franzina, talvez não pudesse suportar o rigor de um colégio de freiras daquela época. Estudou num colégio de leigas existente em Pitangui.

De severidade serena, impunha-se ao respeito dos filhos, dos irmãos, dos sobrinhos, de todos. Gostava de música. Tocava viola. Depois aos quarenta e tantos anos, adquirindo no Rio um piano para sua filha Castorina, começou a fazer umas escalas e alguns exercícios fáceis. Apesar dos dedos já estarem perros, conseguiu tocara algumas valsas e polkas.  

Aos sessenta anos, resolveu fechar a casa comercial. Era tempo de descansar. O homem não deve trabalhar depois dos sessenta. Deve aposentar-se, pensava. Proferia provérbios e se deixava influenciar por eles. “Quem aos vinte não tem barba, aos trinta não casa, aos quarenta não terá nem barba, nem casa”. Tinha sessenta anos. Se não tivesse feito alguma coisa até alí, não o faria mais. Dava conselhos: “Meu filho, se tiver dinheiro par emprestar, empreste. Abonar, não abone, nunca! ”

Mas o seu temperamento não pôde suportar a inação. E começou-se a fase mais agitada da sua vida. Começou de um sonho. Sabendo da fundação da Companhia de Tecidos Cedro e Cachoeira pela família Mascarenhas, na fazenda de São Sebastião em Curvelo, desejou fundar uma congênere em Sant’Ana, reuniu os filhos, os parentes, os amigos, comunicou-lhes o plano.

Em 1891, houve a Assembleia Consultiva de acionistas, instalando-se a Companhia de Tecidos Santanense, com o capital de Cr$600.000,00. E com a seguinte diretoria: Manoel José de Souza Moreira, diretor-presidente; seu genro, Antônio Pereira de Mattos, diretor-gerente; seu filho, Manoel Gonçalves de Souza Moreira, diretor-tesoureiro.




Antônio Pereira de Mattos, apesar de ter prestado serviços incalculáveis à Companhia no período de sua fundação, não exerceu praticamente as funções de gerente, devido à sua profissão de viajante.

Exerceram-na, nesse período, Manoel Gonçalves de Souza Moreira, homem de fortuna feita e bastante experimentado em negócios; depois, o próprio Manoel José de Souza Moreira e finalmente João de Cerqueira Lima.

A obra era arrojada demais para a época. Havia falta de organização no trabalho remunerado, em consequência de ainda recente abolição dos escravos; havia falta absoluta de técnicos; falta de meios de transportes: eram os carros de bois que chiavam lentos nos caminhos estreitos; falta de segurança na vida política do país, então nos primeiros anos da República. Tudo isto vinha prejudicar o nascimento da empresa.

A certo ponto, Manoel Gonçalves de Souza Moreira (Manoelzinho) perdeu o ânimo para prosseguir. E sugeriu que se paralisassem as obras. Com certeza, pensava em evitar consequências piores. Seu pai não concordou com isto. Manoelzinho deixou então a gerência.

Manoel José de Souza Moreira tomou a si mesmo o encargo de tudo. Viveu dias atribuladíssimos. Atormentava-o principalmente a responsabilidade assumida perante amigos que, confiando nele, haviam adquirido ações da Companhia e empatado nela suas reservas.

Paralisar as obras, como seu filho pretendia, seria uma fuga à hora do combate. Não havia outro jeito senão continuar o trabalho começado. Velho, já muito doente, ia curvado sobre o cavalo, todos os dias, a Santanense, para inspecionar tudo.

Em 1895, João de Cerqueira Lima, recém-casado com Donana, sua filha caçula, assumiu a gerência da Companhia.
O velho batalhador se sentia cada vez mais combalido. Seu coração se sentia vez mais fraco. A respiração, cada vez mais difícil. O aneurisma avançava para a fase final.

Em setembro de 1895, a fábrica começou a funcionar. Seu grande fundador chegou a escutar, encantado, o barulho dos teares e a ver rodopiarem os fusos nos filatórios. Dois anos depois, a doença o impedia de sair de casa. Era informado de todos os negócios. E verificava, satisfeito, que a Companhia estava indo bem.

Em outubro de 1898, seu estado de saúde piorou muito. Os pés, muito inchados. A dispneia, horrível! Finda a primeira semana de dezembro, caiu numa inconsciência completa. Parecia não ver, nem escutar. Mas, num domingo, não se sabe se foram os sinos da igreja que o despertaram desse torpor, ou se foi o aviso da morte: recuperou a lucidez.

Mandou chamar o padre Antônio, confessou-se, comungou e passou o resto do dia falando e fazendo recomendações: “Quero que perdoem as dívidas do Orozimbo e do Migdônio. Do contrário, não vão receber nada no inventário ... Deem ao Augusto um conto de réis. Ele teve muito trabalho em tratar de mim...”

À tardinha, prima Aninha estava perto dele, arrumando a lamparina de azeite. Primo Manoel disse então, olhando-a pela derradeira vez neste mundo: “Você, prima Aninha, vai viver ainda mais uns dez a onze anos”. Disse isto, fechou os olhos e caiu de novo em estado de inconsciência. Alguns dias depois, suspirou e se foi para sempre, na tarde de 22 de dezembro de 1898.

Passados dez anos, onde meses e três dias, a prima Aninha partia deste mundo para lhe fazer companhia no outro.

Manoel José de Souza Moreira passou pela terra, na venturosa Sant'Ana do São João Acima, como servente de pedreiro, comerciante, médico, jurisconsulto, agrimensor, artista e industrial. E, também como um profeta.   





REFERÊNCIAS:
NOGUEIRA, Guaracy de Castro. Texto editado no jornal “O Itaunense” em agosto de 1988, p.6-7.
Instituto Cultural Maria Castro Nogueira. Texto original datilografado por Marina Lima e enviado aos cuidados do dr. Guaracy de Castro Nogueira.   
Acervo: Instituto Cultural Maria Castro Nogueira
Fotografia: Charles Aquino
LIMA, Maria: Texto biográfico escrito em 1951 para o Cinquentenário de Itaúna.
Pesquisa e organização: Charles Aquino