quinta-feira, maio 18, 2017

ROUBA POUCO É LADRÃO, ROUBA MUITO É BARÃO

Prof. Luiz MASCARENHAS*

         De tempos em tempos a Humanidade é brindada com mentes brilhantes, sagazes, esclarecidas e que sempre operam na vanguarda de seu tempo. Uma dessas mentes de exponencial grandeza floresceu no Império Português nos albores do séc. XVII.

         Antônio Vieira nasceu em Lisboa em 1608, filho de Cristóvão Vieira Ravasco e Maria de Azevedo. No ano de 1614, devido às possibilidades de trabalho do pai, mudou-se com a família para Salvador na Bahia.

         Foi ordenado padre em 1634 e desde então, cresceu a sua fama de ser um excelente orador sacro.  Após a Restauração da Coroa Portuguesa em 1640, regressou a Lisboa no ano seguinte, iniciando uma carreira diplomática, tendo integrado a missão que foi a Portugal prestar obediência ao novo rei. Conquistou a amizade e a confiança de Dom João IV – que se impressionou com sua inteligência e oratória; chegando a ser nomeado embaixador e posteriormente pregador régio.

         Todavia, as pregações do Pe. Antônio Vieira tratavam de assuntos muito polêmicos para a sua época. Em Portugal, em tempos de perseguição aos judeus pela Inquisição, ele os defendia no púlpito; e o fazia diante do rei e dos poderosos do império.  Quando no Brasil, defendia a liberdade dos povos indígenas, quando muitos os queriam escravizar.

         Questão óbvia que, dada as suas ideias e com tamanho suporte intelectual para muito bem arrazoar-se, terminou nos cárceres da Inquisição; quando lhes faltou o apoio e socorro de reis e papas amigos. Suas proposições eram vistas como heréticas, temerárias, malsoantes e escandalosas. Contudo, acabou por receber o perdão do rei (1699) e refugiando-se em Roma tornou-se o pregador do papa e da rainha Cristina da Suécia. Veio a falecer em Salvador, na Bahia, em 1697.

         Vieira foi um autor barroco e pode-se encontrar em suas obras as características desse movimento, tais como o uso de contínuas antíteses, comparações, hipérboles, etc. Sua obra é monumental, tendo deixado mais de 200 sermões e 700 cartas; alguns muito célebres como o Sermão da Sexagésima, Sermão de Santo Antônio aos Peixes, Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal...

         Seus sermões se destacam vivamente pela atualidade de seus temas, como se verifica no Sermão do Bom Ladrão.

         Pe.  Antônio Vieira escreveu o Sermão do Bom Ladrão em 1655. Ele o proferiu na Igreja da Misericórdia de Lisboa, perante o rei de Portugal, Dom João IV e sua corte. Lá também estavam os maiores dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros.

         Salta aos olhos o frescor de suas palavras:  “Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? ”

         E Vieira conclui dessa história: “O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. ”  Transpondo esta ideia para o nosso tempo, temos que se se rouba pouca coisa...é ladrão; se se roubam milhões, são os “Alexandres” ou os conquistadores…e aqui em terras tupiniquins até o glamour de “Alexandre- o Grande” se acaba …São mesmo os maus exemplos de dirigentes políticos desonestos e sem caráter, aninhados em Brasília e/ou espalhados por todo o território nacional. E retomando as   palavras de Vieira temos: “ O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera”....

         Vão para o inferno e ainda levam os outros a viverem no inferno. Os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera de nosso país, que tiram da Educação, da Saúde Pública, das obras públicas, enfim do Tesouro Nacional todas aquelas verbas que nos chegam diminutas nos municípios e que se perdem nos meandros administrativos e que terminam em paraísos fiscais e que delas ninguém sabe e nem nunca viram...

         “Diógenes (de Sinope- séc IV a.C) que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros da justiça levava a enforcar uns ladrões e começou a bradar: lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos... Quantas vezes se viu em Roma a enforcar o ladrão por ter roubado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo, um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província? “

         Como são atuais estas palavras do Pe. Antônio Vieira – ditas há 361 anos- ante o atual cenário triste e caótico de nosso país: ladrões grandes a punir os pequenos.
         Brasil: corrupção. Até quando teremos de associar o nome sagrado de nossa Pátria com essa vergonhosa, triste, patética, nojenta e tão arraigada prática de tirar dos pequenos e locupletar os grandes?

         A terminar estas linhas, fica a reflexão, tanto do Pe. Vieira- uma voz que ecoa do passado até os dias que correm- como de um dito dos tempos da Corte Portuguesa no Brasil: "Quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão. E quem mais rouba e esconde passa de barão a visconde”.






*Bacharel em Direito / Licenciado em História pela UNIVERSIDADE DE ITAÚNA.  Historiador/ Escritor/ 1º Secretário da Academia Itaunense de Letras/Diretor da E.E. Prof. Gilka Drumond de Faria.
   Acervo: Shorpy