quarta-feira, maio 24, 2017

FESTA DE ARROMBA NA CARVOEIRA


Em 1963, o ambiente político era bastante tumultuado. Falava-se incessantemente em uma reforma agrária. Os proprietários de terra se precaviam da forma que podiam. Na maioria das vezes, se tinham glebas grandes e improdutivas, apressavam em dividi-los entre os herdeiros. Em pedaços menores, ficariam fora dos parâmetros do governo para divisão.

Sadi Nogueira Machado naquela época, partilhou suas terras entre os filhos. Eram seis, incluindo Rameh. Terras de Cerrado, à época, sem muita serventia para cultivo. A cultura em tais terrenos só iria aparecer nas últimas décadas do século. Crédito para a Embrapa que com suas pesquisas aprendeu a fazer do Cerrado uma das terras mais produtivas do Brasil.

Rameh, tendo em vista a dificuldade de cultivo, resolveu explorar a sua parte cozinhando carvão. Naqueles tempos, Itaúna era grande produtora de ferro gusa e o carvão vegetal o combustível para tocar os altos-fornos. Montou uma carvoeira. Coisa bem feita, com fornos "iglu". Montou também uma venda em suas terras e contratou pessoal para a sua carvoeira. Negócio de preceito, com disposição para produzir muito carvão e bom faturamento. Sabia viver e sabia gastar. Era forte, divertido e trabalhador. Estava entusiasmado.

Quando tudo já estava em ponto de bala, aproveitou uma estada minha na cidade e levou-me de jipe para ver a sua obra. Tencionava dar a partida nos fornos em grande estilo. Gostei do que vi e mais ainda da venda. Sobre o balcão, um ancorote de madeira para vinte litros de boa pinga. Segundo ele, nos dias de pagamento da peãozada, ao entregar o dinheiro, daria a cada um uma boa talagada de cachaça e brindava com cada um deles.

Na sua teoria de administrar recursos humanos, seria um bom incentivo. O duro seria brindar com quinze, um gole a cada um pagamento. No fechar das contas, teria de beber quinze doses da "branquinha" a cada sábado. Pediu-me auxílio para a inauguração. Ele gostava de farras e eu também.

As bebidas da época eram cuba libre ( run com coca-cola e limão) hi-fi ( vodka com crush) e gin tônica ( gin com água tônica).  Na cidade, compramos as bebidas no depósito dos irmãos Hélio e Jairo Batista e encomendamos no Bar e Restaurante "Automóvel Clube" do Zé da Ramira, as carnes já temperadas para o churrasco.

Dia de sábado pela manhã , rumamos para a carvoeira que ficava na estrada para Divinópolis. Rameh queria festejar a sua conquista com estilo. Na festa, nada de pinga, coisa corriqueira. Bebidas finas e carne de primeira. Só se esqueceu de uma coisa. Gente acostumada com cachaça, na quarta ou quinta dose já não quer mais.

A pinga revira o estômago e faz o bebedor moderar no copo. Bebidas misturadas com refrigerante, acomodam mais fácil no " bucho". Quando o indivíduo se dá conta, já está "ferrado".

Para melhorar a festa, contratou um sanfoneiro. Segundo ele, o instrumentista era " velhaco nos dedos". Festa das melhores. Não deu outra. A "homada " bebeu a mais não poder. Em pouco tempo, gente escornada, e outros atropelos. Três peões obraram e urinaram nas calças. Dois deles deram para valentões e passaram a riscar o chão com as facas. Entrevero dos bravos, difícil de apartar.

Resultado: passamos o resto do dia a "baldear " homens bêbados, apagados e alguns cagados pra casa. Os brigões tiveram de ser levados em viagens separadas. O jipe ficou empesteado com a as calças borradas.  Segunda-feira, dia de começar a produção, ninguém apareceu no serviço. Ressacas das bravas, que só passou na terça.

Rameh ficou desolado. Prometeu nunca mais dar festa para os carvoeiros. Somente uma lambada de pinga no sábado. Bebida fina, nunca mais.

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico com a participação do narrador, enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 22/05/2017.

Acervo: Shorpy

Organização: Charles Aquino

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