Conheci
o Antônio Silvino só de vista. Eu era criança e cruzava com ele na rua Arthur
Bernardes, no açougue do Juca. Cabia a mim, buscar a carne nossa de cada dia.
Antônio Silvino comprava sempre músculos. Naqueles idos de 1950 e poucos, tal
corte bovino era desprezado. Era uma carne barata e livre de gorduras.
Sempre
soube que ele era pasteleiro. Morava bem ao lado do Grupo Escolar "Augusto
Gonçalves”, em um sobrado revestido de pó de pedra", em frente a agência
dos Correios e Telégrafos (naquele tempo havia telégrafo). Criou, salvo melhor
juízo, dois filhos adotivos. Uma garota que pouco conheci e um garoto de nome
José Luiz. Antônio Silvino era músico. Tocava banjo e bandolim.
Muitos
anos depois, fiquei amigo do Zé Luiz. Coube a ele herdar o ofício paterno.
Herdou também a receita. Sobretudo da massa. Era imbatível. Podia-se guardar os
pasteis na vitrine do botequim, dois a três dias e ele não endurecia a capa.
Sempre macia, com "pururuca" e crocante. Segredo de estado.
Itaunenses
de dinheiro, em uma ocasião, levaram Zé Luiz para Brasília. Sócio de uma
pastelaria modelar, na rodoviária do Plano Piloto, com caldo de cana e
movimento seguro. Durou pouco. Brasília, na minha opinião de quem já morou por
lá nos anos setenta era e continua sendo um lugar detestável. Basta dizer que é
uma cidade sem esquinas, sem espaço para " prosear".
Zé Luiz também não se adaptou. Em pouco tempo estava de volta a Itaúna. Nunca passou, que eu saiba, a receita da massa para outros.
Zé Luiz também não se adaptou. Em pouco tempo estava de volta a Itaúna. Nunca passou, que eu saiba, a receita da massa para outros.
No
tocante ao recheio, sempre de carne, a nossa amizade deu-me a chance de
aprende-la e passo a relata-la abaixo:
Receita
de carne para pastel do Antônio Silvino
(Quantidade a
gosto e de acordo com a necessidade)
“Limpe o músculo bovino
de todas as pelancas e tendões e corte em pedaços de 100 gramas; fervente em
água, somente com sal sem cozinhar; deixe esfriar e depois de frio, retire
todas as cartilagens com uma boa faca ; depois de bem limpo, moer toda a carne
em um moedor, com lamina para carne (naquela época, eram manuais, fabricados em
Itaúna); esquente bem a panela de alumínio, coloque o óleo ( uma colher de sopa
) para um quilo de carne; faça um bom tempero com sal, alho, pimenta comari e
uma pitada de cominho; coloque o tempero no óleo quente, sem deixar queimar e
frite bem a carne até ficar bem sequinha. Pouco óleo é essencial para não encharcar.
Acerte o sal na panela. Está pronta a carne para o recheio”.
Zé
Luiz fazia toda a massa em segredo. Sua cozinha era no quintal de casa e muitas
vezes estive lá. Vi a massa sendo aberta em cilindro manual, muitas vezes.
Colocava de "olho " a quantidade igual sobre a massa aberta, em
montinhos. Depois cortava os pastéis, também no "olho ", com uma
carretilha manual. Fechava os pastéis e decorava as bordas com uma ponta de
garfo. Tudo bem artesanal.
Por
último: fritava os pastéis em óleo bem quente em fogareiros feitos de latas de
óleo de vinte litros. O combustível era serragem de pau, refugo de serrarias e
marcenarias. Preço da serragem: 0800. Só dava o trabalho de buscar na fonte.
A
nossa amizade era tão sincera que ele me deu de presente um banjo que foi de
seu Pai. Estava estragado. Mandei para conserto na Oficina dos Marcato, na
Lagoinha/BH. Ficou lindo. Emprestei para uma namorada, minha colega de
Faculdade. Por culpa minha, fiquei sem o instrumento. Porém, essa é outra
história.
*Urtigão
(desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico com a participação do narrador,
enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 22/05/2017. Urtigão também
é culinária.
Organização: Charles Aquino
Organização: Charles Aquino