Cavaleiro e Animal Rodaram na Enchente
Nos
idos de 1918/1919 mais ou menos, uma lamentável ocorrência numa enchente do Rio
São João. Certa tarde, um cidadão da zona rural, residente para as bandas do
outro lado do rio, montado no seu cavalo, fora descendo a cava funda abaixo da
estrada de ferro, na travessia do Serafim (Armazém situado à Rua Silva Jardim).
Ao aproximar-se do matadouro municipal, ele detivera o seu alazão e passara a
contemplar o que via pela frente. Era muita água mesmo!
Pouco
além do matadouro, no local da água espalhada que procedia da praia, o terreno
era mais baixo e essa declividade prosseguia praia acima passando por debaixo
do pontilhão da estrada de ferro. A enchente do Rio São João invadia também
aquele boqueirão. Mas apesar disso, o cavaleiro não retrocedeu na sua jornada,
certamente por um dos motivos abaixo relacionados: talvez por necessidade de
chagar a sua casa na tarde daquele dia ou por ser um homem que não temia o
perigo. Resolveu enfrentar as águas revoltas do Rio São João, jogando a sua
animal água adentro. No entanto, instantes depois, o cavalo já não tomava mais
pé e começara a nadar. Ao chegar à bacia da praia, o alazão começou a corcovear
em decorrência da correnteza e, num daqueles solavancos, o cavaleiro foi
atirado dentro d´água, separando-se do animal. A partir daquele instante, cada
qual deveria seguir a lei do “Salve-se quem puder”! O animal aos trancos e
barranco, conseguiu safar-se da enchente, ganhando do outro lado da Rua da Ponte.
O cavaleiro, porém, foi menos feliz, uma vez que foi arrastado pela correnteza
para o leito do rio São João e ia sendo levado rio abaixo, misturando-se com a
espuma e as ondas das águas bravias.
No
entanto, por mercê de Deus, ele conseguiu agarrar-se com as mãos e cruzar
também os pés aos galhos de uma árvore da margem esquerda do rio, precisamente
nos fundos do quintal do velho sobrado da Rua da Ponte. Certamente, em
decorrência dos embates sofreu contra as ondas agitadas do rio, ele começou a
gemer.
Ao
mesmo tempo, alguém que chegou da rua, deu a notícia de que havia defronte ao
sobrado um cavalo com a arreata molhada, como se estivesse saindo da enchente,
o que denunciava que alguém havia rodado correnteza abaixo.
Havia
diversas pessoas no quintal do velho sobrado, observando a fúria da enchente.
Alguém daquele grupo ouviu os gemidos e avistou também o pobre cavaleiro que se
achava agarrado as galhas da árvore e meio oculto pelas suas folhas. Uma das
pessoas que se achavam ali arranjou um laço e jogou o lado da argola para o
homem. Este, agarrando a corda, passou-a por debaixo dos braços, amarrando-a
bem ao seu corpo, apesar do seu estado de apavoramento em que se encontrava. Em
seguida os homens que estavam no quintal ordenaram-lhe que se atirasse dentro
d´água, o que ele fez sem perda de tempo, tamanha era a ânsia que ele sentia de
sair dali. E aqueles que seguravam a ponta do laço, foram puxando-o para fora
do rio. Dentro de instantes ele pisava terreno firme novamente, no quintal do
velho sobrado. Ainda assustado, ele contou para os seus salvadores, como se
sentira apavorado ao ser levado pela correnteza.
Alguém lhe falou que o seu cavalo estava
pastando tranquilamente o capim dos barrancos da Rua da Ponte. Ele, depois de
agradecer humildemente aos seus benfeitores com um Deus lhes pague, foi até a
rua e ali, montando o seu alazão, atravessou em seguida a ponte de madeira
sobre o Rio São João, indo em frente a caminho de sua casa, na zona rural.
Na verdade, pela graça de Deus, cavaleiro e
animal se salvaram das águas furiosas da enchente do rio. Aquele cidadão do
meio rural certamente jamais voltou a enfrentar qualquer enchente e muito menos
a do Rio São João! ...
Texto: Osório Martins Fagundes (In Memoriam). Fragmentos de Um Passado, pag. 621/622, 1977.
Pesquisa: Charles Aquino