FARTURA NOS BONS TEMPOS ITAUNENSE
Ao
contrário dos árabes e seus vizinhos judeus, os povos de origem romana sempre
consumiram muita carne de porco. O mesmo se dá com os eslavos, anglo-saxões,
gauleses, italianos, espanhóis e portugueses.
O leitão assado, frequente nas mesas de festas mineiras é comum em Portugal e na Itália, onde se come inigualáveis " porchettas".
O leitão assado, frequente nas mesas de festas mineiras é comum em Portugal e na Itália, onde se come inigualáveis " porchettas".
Nos
meus tempos de criança e de adolescente em Itaúna, comia-se muita carne suína.
A cidade tinha três fábricas de banha, das quais lembro o nome de todas: banhas Grécia, Branca de Neve e Tavares.
Produção quase toda ela exportada. Naqueles tempos os porcos eram engordados para fornecer gordura. Carne, costeleta, torresmo e outras partes eram vendidas na cidade a preço módico. Frango era comida de domingo.
Caro para a maioria dos bolsos. Carne bovina era pouco consumida. Matavam animais velhos, de carne ruim.
Produção quase toda ela exportada. Naqueles tempos os porcos eram engordados para fornecer gordura. Carne, costeleta, torresmo e outras partes eram vendidas na cidade a preço módico. Frango era comida de domingo.
Caro para a maioria dos bolsos. Carne bovina era pouco consumida. Matavam animais velhos, de carne ruim.
Voltemos
aos porcos. Era comum, mesmo dentro dos limites urbanos, a engorda de suínos
para consumo próprio. Raças bem caipiras, sobretudo Piaus, de muito toucinho e
pouca carne.
Cevados com "lavagem". Sobra de comida doméstica, engrossada com mandioca, abóbora cozida, sobras de horta, frutas da época. Banana caturra, manga, mamão de corda e outras sobras enriqueciam a ração. Milho e fubá, vez ou outra. Encarecia o trato.
Cevados com "lavagem". Sobra de comida doméstica, engrossada com mandioca, abóbora cozida, sobras de horta, frutas da época. Banana caturra, manga, mamão de corda e outras sobras enriqueciam a ração. Milho e fubá, vez ou outra. Encarecia o trato.
Lembro-me
bem de uma senhora que lavava as roupas de minha casa. Moravam na cidade, na
rua João Dornas. O marido cumpria tarefas na roça. D. Sebastiana, esse era o
nome dela, lavava roupas com sabão preto, feito por ela mesmo e ainda fazia
pastéis para abastecer alguns botecos.
Diariamente levávamos até a casa dela a "lavagem". O mesmo se dava com outras freguesas de lavação de roupa. Recebia sobras de comida de várias casas e garantia o sustento dos leitões.
Diariamente levávamos até a casa dela a "lavagem". O mesmo se dava com outras freguesas de lavação de roupa. Recebia sobras de comida de várias casas e garantia o sustento dos leitões.
Nos
idos de cinquenta do século passado, as preocupações com vigilância sanitária
eram ínfimas. Engordava-se os suínos e o abate era feito em casa. Dia de matar
um porco era dia de muito trabalho.
O marido se encarregava de sangrar o bicho. Não sem antes de ter ajuntado muita palha de milho, de banana e de capim seco. Combustível orgânico para sapecar o defunto.
O marido se encarregava de sangrar o bicho. Não sem antes de ter ajuntado muita palha de milho, de banana e de capim seco. Combustível orgânico para sapecar o defunto.
Apesar
do berreiro (porco é muito escandaloso), o sofrimento era pouco. Uma estocada
debaixo da pata dianteira, com faca comprida e afiada, ia direto no coração. Daí
o termo "sangrar".
O sangue, todo ele era aparado em vasilha limpa. Matéria prima para chouriços, feitos de puro sangue, temperos e um pouco de toucinho. Um prato inigualável. No Brasil, em Portugal, na Espanha e até na Inglaterra.
O sangue, todo ele era aparado em vasilha limpa. Matéria prima para chouriços, feitos de puro sangue, temperos e um pouco de toucinho. Um prato inigualável. No Brasil, em Portugal, na Espanha e até na Inglaterra.
Depois
de ter sido devidamente "sapecado" na palha de bananeira, de milho e
restos de capim seco, chegava a hora de retalhar o animal. Coisa de quem sabia
e separava carnes, banha em rama e toucinho, aproveitando tudo.
Serviço
não faltava. Separadas as partes, a dona da casa e mais ajudantes da vizinhança
tocavam a fritar toda a banha e o toucinho. As carnes eram fritas na gordura do
bicho e estocadas em latas de vinte quilos, mergulhadas na gordura.
Os
torresmos, guardados para enriquecer o feijão e a farofa. As aparas de carne,
rapidamente eram bem temperadas com alho, sal, salsa, cebolinha e pimenta
"comari". Nesse meio tempo, as tripas do animal já estavam
devidamente lavadas e limpas com limão capeta.
Cheias de carne e toucinho, iam para o varal de bambu esticado em cima do fogão de lenha. Ali ficavam, num defumador natural, escorrendo o excesso de água e apurando o gosto.
Cheias de carne e toucinho, iam para o varal de bambu esticado em cima do fogão de lenha. Ali ficavam, num defumador natural, escorrendo o excesso de água e apurando o gosto.
Os
miúdos do porco (rins, fígado e pulmão) eram ferventados para tirar o amargo.
Depois, devidamente cortados e temperados eram consumidos.
O mesmo se dava com o miolo. Devidamente ferventado, era passado no ovo batido e bem frito em banha quente. Uma delícia.
O mesmo se dava com o miolo. Devidamente ferventado, era passado no ovo batido e bem frito em banha quente. Uma delícia.
Um
dia inteiro de labuta e muita fartura. A ração diária de proteína animal estava
garantida por uns dois meses. E ainda sobrava para presentear as freguesas da
lavação de roupa, aquinhoadas com um bom pedaço de linguiça.
Em tempo: a pele do porco também ia para o varal, fazer companhia as linguiças. Depois de bem escorridas eram fritas na gordura quente. Ótimas pururucas.
Em tempo: a pele do porco também ia para o varal, fazer companhia as linguiças. Depois de bem escorridas eram fritas na gordura quente. Ótimas pururucas.
NOTAS
Atribuem
a um enfarte sofrido pelo Gal. Eisenhower, em 1955, quando era presidente dos
USA, a cruzada dos americanos contra a gordura suína. Foi demonizada e substituída
por óleos e gorduras vegetais.
Deixaram de cozinhar com banha, mas não deixaram de lado o bacon, o presunto e outros derivados. Com o tempo e a campanha contra, desapareceram as fábricas de banha, inclusive no Brasil.
Deixaram de cozinhar com banha, mas não deixaram de lado o bacon, o presunto e outros derivados. Com o tempo e a campanha contra, desapareceram as fábricas de banha, inclusive no Brasil.
Da
mesma, demonizaram a carne do porco. Com o tempo ela foi sendo reabilitada.
Novas raças de suíno foram introduzidas. Porco para carne. Fim da era do "porco
toucinho".
No final dos anos setenta, inventaram no Brasil uma tal "peste suína". A onda levou de roldão os porcos criados na cidade. Foram exterminados.
No final dos anos setenta, inventaram no Brasil uma tal "peste suína". A onda levou de roldão os porcos criados na cidade. Foram exterminados.
De
uns anos pra cá, a onda gastronômica, principalmente em Minas está reabilitando
o lugar da carne suína nas mesas elegantes. A carne conservada na banha, a moda
antiga, já é encontradiço em muitos lugares.
Tenho pra mim que não tem o mesmo sabor de antigamente. Afinal, os porcos são de outra raça e comem ração. O trato à antiga fazia a diferença.
Tenho pra mim que não tem o mesmo sabor de antigamente. Afinal, os porcos são de outra raça e comem ração. O trato à antiga fazia a diferença.
*Urtigão
(desde 1943): pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog
Itaúna Décadas em 11/05/2017.
Acervo:
CORREIA, Conceição. Lavagem do porco: início dos anos 60 do séc. xx. Disponível
em: http://santacruzmadeira.blogspot.com.br/2011/10/morte-do-porco.html
Organização: Charles Aquino
Organização: Charles Aquino