Rameh Gonçalves Machado, enquanto viveu (e foram só vinte e três anos) foi uma figura
emblemática em Itaúna. Éramos da mesma idade. Nascidos em 1943, diferença de
poucos dias. Eu de setembro e ele de outubro. Fomos colegas de primeiro ano
primário no Grupo "de cima". Fui transferido para o Grupo " de
baixo" e ele estancou no primeiro ano. Se foi além, desconheço.
Não
que seus pais não quisessem. Fugiu de vários colégios. A sua fuga de Cachoeira
de Campo próximo a Ouro Preto foi uma epopeia. Assunto para outra história. Dos
sete anos de idade até sua morte fomos amigos inseparáveis. Para o bem e para o
mal, com preponderância para a segunda parte.
Quando
terminei o ginasial, fui para Belo Horizonte fazer curso científico. Nos finais
de semana nos quais eu estava em Itaúna, sempre nos reuníamos. Farras a mais
não poder. Começamos a beber cedo. Com catorze, quinze anos já bebíamos bem. No
final de 1959, já de férias, aprontávamos todos os dias. Farras de adolescentes
e inconsequentes. Éramos apontados como "irrecuperáveis". Dor de
cabeça para os pais.
Rameh era o caçula de sua casa. O foi por muito tempo. O quinto de cinco irmãos,
perdeu o posto para um irmão temporão, dez anos mais moço.
As
farras diárias incomodaram seu irmão mais velho, de nome Ubirajara. Nos chamou
no canto e deu-nos um ultimato. Parar com as bebedeiras, passar uns dias na
fazenda da família e fazer algo de útil. Nos disse que lá ainda tinha um
"restolho" de milho na roça.
Tarefa
— tirar o milho, debulhar e ensacar. Ele compraria o milho na nossa mão.
Trabalhávamos e ainda ganhávamos um " troco". Era pegar ou largar.
Fomos
pra a roça. Não tínhamos preguiça. Em pouco tempo demos conta do "riscado”.
Milho ensacado e vendido, dinheiro no bolso e lá fomos nós para os Garcias
tomar umas e outras. Afinal, ninguém é de ferro.
Com
dois ou três dias já estávamos " duros". Fizemos uma conta na venda e
voltamos pra roça, de caso pensado.
No
final do governo JK, o Brasil passava por uma crise no abastecimento de feijão.
Importamos feijão do México. O grão estava caro.
Na
fazenda havíamos visto dois tambores de querosene abarrotados de feijão. Mais
de trezentos quilos. Propriedade do Ubirajara.
Não
deu outra. Negociamos o feijão com o Serafim que tinha uma venda no início da
rua Silva Jardim. Vendeiro bom de prosa em pouco tempo espalhou na cidade que
tinha um bom estoque do cereal. Novo e bom de panela. De quebra contou para
meia Itaúna a origem do feijão. De imediato, chegou no ouvido do verdadeiro
dono. Arribou para o "retiro".
Correu com o Rameh e comigo de pronto. Sob ameaça de um bom relho de rabo de
tatu, arriamos um cavalo do pai do Rameh, o velho Sadi Machado e tocamos para a
cidade sem olhar pra trás.
No
meio da viagem o Rameh fez o convite e aceitei de pronto — Já que estávamos
" enrolados" porque não vender o cavalo arriado. Não pensamos duas vezes.
Nos Garcias negociamos o baio por quinze mil cruzeiros. Um bom dinheiro para
mais uma semana de farras.
O
velho Sadi Machado teve de desembolsar dezoito mil e quinhentos cruzeiros para
ter a montaria de volta!!!!
*Urtigão
(desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog
Itaúna Décadas em 04/05/2017. Acervo: Shorpy