terça-feira, maio 16, 2017

ITAÚNA: BARBEIROS DÉCADA 1960

No meu tempo de criança e de adolescente em Itaúna, cabelo curto para os do sexo masculino era uma obrigação. A molecada tinha o cabelo cortado bem curto. O corte tinha o nome de "Príncipe do Nilo". A língua do povo simplificou para “Príncipe Danilo”. E assim ficou.
O outro corte tinha o nome de "buscareh". Nunca soube a razão do nome estranho. Nada além do corte militar que era obrigatório para os rapazes do Tiro de Guerra. Cabelo aparado de quinze em quinze dias. Sem apelação. Alguns pais compravam máquina de cortar cabelo rapavam as cabeças dos filhos. Quando muito, deixavam uma franja e tão somente. Cabelo no modelo usado por Ronaldo Fenômeno na Copa da Ásia. Economia ou pão-durismo puro e simples. É sempre bom lembrar que as famílias eram grandes e cortar cabelo tinha preço.
As máquinas de cortar eram manuais. Tipo um cortador de grama minúsculo. Manejada pelos dedos ágeis dos profissionais do pente, navalha e máquina. As danadas "pinicavam" a cabeça. Repuxavam os fios. Pé de cabelo "modelo para-lama" nas orelhas e na nuca. Feito a navalha, sem direito a espuma e pincel. A seco mesmo.
Os barbeiros eram um capítulo à parte. Lembro-me de quase todos. O mais conceituado tinha o nome de Dionas. Barbearia bem localizada na rua Silva Jardim, bem próxima do Bazar Itaúna. Cortava o cabelo e fazia a barba do mundo importante. Prefeito, vigário, juiz direito, industriais, a nata da cidade.
Dionas era solteirão. A noite gostava de frequentar "a parte alegre da cidade" no Morro do Rosario. Vestido de preto, terno e gravata e um chapelão no estilo do Zorro mexicano. Uma unanimidade na "zona". Bem tratado pelas mulheres de “vida fácil”.
Seu irmão também era barbeiro. Igualmente solteirão, tinha barbearia na Praça Augusto Gonçalves. Ao contrário do irmão mais novo, gostava de ternos brancos, de linho S120. Tirado a dançarino, exibia seus dotes na União Operária e Recreativa. Andar de "dez pras duas", sapato modelo "focinho de tatu", lenço de três bicos no bolso da lapela. Tinha três paixões na vida. O Fluminense Futebol Clube, a cantora Ângela Maria e o Clube União. Eram três irmãos solteiros. O terceiro era alfaiate.
Na praça principal tempos depois apareceu uma terceira barbearia. Lembro-me somente do primeiro nome do novo barbeiro. Era José. Responsável pela introdução da máquina elétrica de corte na cidade. Não durou muito tempo. Era boa pessoa, ilustrado, boa cultura. Fechou a barbearia e abriu uma livraria debaixo do Edifício Itaúna. Sem dúvida a primeira livraria de cidade. Suspeito que tenha sido a primeira e única.
O quarto barbeiro era uma "figuraça". Chamava-se Bismarck. Nome de marechal alemão e também de boas navalhas. Não tão boas quanto as Solingen, mas tinham qualidade. Casado, marido de uma professora simpática, pai de dois filhos. Fartos bigodes. Era um tipo estiloso. Cantava bem e gostava de serenatas. Gostava também de galos de briga (uma instituição na cidade) e de curiós. Ótimo papo. Sabia cativar a clientela. Amigo de meia cidade.
O quinto e último barbeiro era o Alfredo Dornas. Morava num casarão para os lados da Lagoinha. Acho que também era solteiro.
As quatro primeiras barbearias eu frequentei e uma vez por semana, quando criança, levava meu pai para fazer a barba. Ele era cego e sempre fez barba no barbeiro. Com exceção do último, nada tenho a queixar do "fígaros" da cidade. Aliás, dele também não tenho reparos. Nunca pisei na barbearia dele.  Para terminar: as barbearias tinham uma função social relevante. Lugar de boas prosas, de encontro de amigos e do bom hábito de jogar conversa fora.

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 16/05/2017.