*Maria
Lúcia MENDES
Demoliram
o Cine Rex. Seguindo a lei natural de todas as coisas, o nosso mais antigo cinema
chega ao fim. Em seu lugar, o progresso elevou um edifício majestoso,
modificando assim a paisagem da praça da matriz. Instalado no antigo teatro
Mário Matos, cujas temporadas marcaram época e nossa terra, o Cine Rex tem seu
lugar reservado na lembrança de cada um. Ponto de encontro da juventude que ali
se reunia, olhando os cartazes, ou discutindo sobre este ou aquele filme, o velho
cinema foi cúmplice de muitos sonhos e romances.
Filmes
notáveis, tendo como protagonistas artistas consagrados, levaram multidões ao
cinema. E as filas da bilheteria se alongavam, todas na expectativa de
conseguirem um ingresso. À tardinha, logo, que as luzes da praça se acendiam,
podia-se ouvir uma voz familiar através do alto falante: Senhoras e senhores,
boa noite. O Cine Rex anuncia para hoje...
E
vinha a seguir o prefixo musical: “Não levo outra vida, pescando no rio jereré...
Tem peixe bom, tem siri-patola, que dá com o pé... Se compro na feira feijão,
rapadura, pra trabaiá.. eu gosto do rancho e o homem não deve se amofiná...
Quando no terreiro, faz noite de luar...”
Em
pouco tempo a casa estava repleta e um vozerio alegre dominava o recinto. Muitos,
por questão de hábito, assentavam-se sempre nos mesmos lugares, não faltando os
pontos estratégicos preferidos por casais de namorados. Às sete da noite em
ponto, tinha início a primeira sessão.
O
vozeiro cedia lugar ao silêncio entrecortado apenas por um ou outro assobio que
vinha sempre da geral. Nisto, surgia na tela o leão da Metro ou a estátua, símbolo
da Columbia Pictures. Ali, cada um se acomodava melhor, fazendo ranger as poltronas
gastas.
Todas
as atenções se concentravam na tela. E mergulhávamos todos num mundo diferente
de sensações estranhas onde o ódio, o amor, o tédio, a vingança se mesclavam em
realidade e fantasia. Nenhuma outra arte, até hoje, exerceu tanto fascínio
entre as pessoas quanto o cinema.
Como
esquecer o gênio Charles Chaplin no adorável papel de vagabundo? E o mundo
inteiro aplaudiu o indiscutível talento de Carlitos. Os musicais com Fred Astaire,
o fabuloso “Quo Vadis?” e sua longa projeção, a história triste de Sansão e Dalila...
E
o desfile continuava. Na passarela dos sonhos, astros e estrelas, em pleno
apogeu, eram os ídolos de nossa juventude. Fascinava-nos a beleza de Elizabeth Taylor,
a exuberância de Marilyn Monroe, a sensualidade de Brigitte Bardot, o encanto
dos galãs como Jeff Chandler, Tony Curtis e Marlon Brando.
Desejando
proporcionar aos itaunenses maiores atrações, o Cine rex teve suas noites de glória.
Nomes famosos passaram por aquele palco: Vicente Celestino, Ângela Maria,
Nelson Gonçalves e o maior cômico que o cinema brasileiro conheceu – Oscarito.
A
dupla Oscarito-Grande Otelo fazia vibrar o público, tornando as chanchadas da
Atlântida um sucesso à parte. Era a fase de glória do cinema nacional que fez
de seus artistas verdadeiros ídolos populares. Quantos momentos felizes nos
proporcionou aquela casa de espetáculos!
Na
sua simplicidade, sem o conforto dos cinemas das metrópoles, conheceu
espectadores os mais diversos. Os adeptos do Zorro e de Tarzã na matinê das
dez. Os que não perdiam da os faroestes e vibravam com a valentia de John Wayne
e Alan Ladd. Nas cenas de bang-bang, quando o bandido vencia o mocinho, os ocupantes
da geral gritavam e batiam os pés em tremenda algazarra. E para dissipar
tristezas, nada como as divertidas comédias com Os Três Patetas, o Gordo e o
Magro... Demoliram
o Cine Rex. Afinal, tudo passa.
*
Escritora itaunense por herança e registro.
Texto transcrito do livro: MACEDO, Maria Lúcia mendes Vera. Pedra de Cetim, BH, Gráfica e Ed Cultura, 2001, p.45,46.
Acervo: Professor Marco Elísio Chaves Coutinho
Organização: Charles Aquino