segunda-feira, junho 05, 2017

ITAÚNA: OUTRAS PALAVRAS NA INFÂNCIA


Xumbú, Catiterê, Lubaroso, Clif, são algumas palavras típicas inventadas na minha infância. E se eu disser que em tempo de frio o “xumbú” de seu cachorro ficará gelado, você pode acreditar! Xumbú foi uma palavra inventada pelo Dóse, meu irmão. Segundo ele xumbú é focinho de cachorro, ou gato, ou de outro mamífero. Não sei de onde ele tirou isto, mas é; então saiba que seu animalzinho de estimação é também portador de um xumbú.
         “Catiterê” é também uma palavra inventada pelo Dóse, e que às vezes eu ainda uso. Quase todos os gatos e cães têm um catiterê enorme. Adivinhou? Nunca né? Pois bem, catiterê é sobrancelha de cachorro, ou gato. São aqueles pelinhos, tipo sobrancelha, que ficam plantados em cima dos olhos dos bichos.
         O Dóse era criativo, não sei de onde ele tirava estas palavras. Outra que é de autoria dele é “Lubaroso”, quem conhece um? Nesta criação eu tive um pouco de participação, em sua formação e difusão.
         Havia um tio do meu pai, o Enéias, que a gente chamava de Tio Néia, ele era lubarosíssimo. Ele era daqueles lados da serra do minério, e às vezes dormia em nossa casa quando vinha à cidade. Usava sempre, pelo menos dois relógios em cada pulso, um chapelão, e roupas estampadas ou xadrez. Portava crucifixos, pulseiras, colares e um inseparável e sempre alto rádio de pilha, sintonizado nos piores programas sertanejos. Cinco da manhã, a gente era acordado pelo rádio do Tio Néia, com o locutor berrando num sotaque caipira.
         O Lubaroso é aquele sujeito, “Jeca aculturado”, que não se distanciou de suas raízes, mas que teve contato com a vida urbana, incorporando alguns de seus elementos (ufa!). O lubaroso ainda usa palavras do vocabulário Rocês, tais como: em riba, cacunda, antonti, nóis, osêis, isturdia, etc; porém, é metido a ser moderno e bonitão, e o bonzão do pedaço!
         Um bom lugar para encontrar lubarosos é em festa de rodeio. Mas lubaroso que é lubaroso tem que usar chapéu preto, à la Valdique Soriano – o rei dos lubarosos. Já o Falcão (cantor e apresentador), é um “Lugregoso” que é igual a lubaroso + brega; o “brega” todos já conhecem né? Em suma: o lubaroso é um “sub-brega”, o qual ouve somente música caipira ou sertaneja. Ainda hoje esta palavra faz parte do meu dicionário pessoal, porém abreviada para “luba”.
         O “Clif” também foi uma palavra inventada na Godofredo, acho que foi o Marco Túlio (Buzão) quem apareceu com ela. “Fulano é um clifador!!” “Clifaram meu melhor jogador de botão! ” “O juiz clifou o jogo do galo (pra variar) ”.
         A gente, quando criança, clifava muitos selos de chumbo dos relógios da Cemig, eram para fazer peso para nossos goleiros de jogo de botão, feitos de caixas de fósforo. Clif, segundo o dicionário da Godofredo, é o mesmo que roubo, afano; clifar é tomar o que não é seu. Então cuidado, não vá votar num político clifador!
         “Escrululufe”... Esta é muito boa! Esta nasceu não sei de quem, acho que te todos... Antes era “bululufe”, virou outras coisas até chegar em “escrululufe”. Se quisessem falar que você fez sexo com alguém diriam que vc “escrululufou”alguém. “Escrululufe”, é o mesmo que “fazer aquilo”, “Furunfar”, “Rala&rola”, etc.
         Havia, também palavras usadas na rua que eram do vocabulário de gírias faladas nos quatro cantos da cidade. Algumas em extinção hoje, mas com certeza você já ouviu falar, como por exemplo, “leiteiro”. O sujeito “leiteiro” é um puxa-saco de carteirinha. Então, se no meio da turma alguém puxava saco para um, os outros começavam o coro: “ao leite, ao leite, leite, leite”. Pessoalmente, sempre tive e tenho horror à “leiteiros”, principalmente os leiteiros que rodeiam políticos.
         E era assim, aquele pedaço era um caldeirão de criatividade e invenções linguísticas, onde brincar com as palavras e os costumes era normal e prazeroso.
         Enfim, todos inventavam e transformavam palavras que cada vez mais, procuravam traduzir a exatidão de atos e situações. Nesta de inventar, nasceram também muitos apelidos interessantes, mas isto é assunto para um outro capítulo...


Texto: Pepe Chaves — Desenhista, pesquisador, ufólogo, músico, documentarista e jornalista.
Digitação: Ana G. Gontijo e Ícaro N. Chaves
Organização: Charles Aquino
Acervo: Shorpy