Tornei-me
eleitor tão logo completei dezoito anos. Precisava do título eleitoral para
prestar exame vestibular. Isso se deu em 1961. Em sessenta e dois, votei a
primeira vez em um plebiscito que devolveu o Brasil ao regime presidencialista.
Desde a primeira vez que votei, fui convocado para ser mesário. Por azar,
escalado para trabalhar em uma secção eleitoral na cidade. Cheia de eleitores
jovens, com um presidente de mesa muito "caxias". Um sacrifício num
dia de feriado.
Pior
ainda: dia de eleição, todo mundo que estudava ou morava fora de Itaúna, dava
as caras na cidade. Ótima ocasião para rever amigos e festejar. Já era proibida
a venda de bebidas alcóolicas, mas, sempre se dava um jeito de tomar umas e
outras por baixo do pano. Menos para quem trabalhasse na eleição. De sete da
manhã as cinco da tarde, firme no "dever patriótico". Um enfado!!!
Bom
mesmo era ser designado para uma secção eleitoral na Zona Rural. Certeza de boa
comida, frango e pernil e até um golinho despistado. Afinal, ninguém era de
ferro.
Não
sei precisar em que lugar se deu o fato que passo a narrar. Suponhamos que foi
na Fazendinha, ou nos Garcias, no Retiro dos Faria ou qualquer outro local das
redondezas de Itaúna. Deixo a critério dos leitores eleger onde foi. Afinal, em
democracia, nada melhor do que deixar na mão do povo.
O
título de eleitor era diferente. Tinha retrato do portador, dados do mesmo,
zona, secção, etc. No verso, vários quadrados nos quais os mesários anotavam a
data da eleição e a rubrica. Simples assim. Cabia ao segundo auxiliar,
organizar a fila e recolher os títulos. Passava ao primeiro auxiliar que os
entregava ao segundo mesário, que conferia os nomes na folha de votação. Se
estivesse tudo de acordo, entregava a cédula devidamente rubricada ao eleitor.
Na cabine, normalmente atrás de um tabique à guisa de biombo, o cidadão
sufragava ou "naufragava" seu candidato. Tudo na caneta. Não tinha urna
eletrônica. Não enguiçava e funcionava. Se havia fraudes, as desconheço. Em
tempo: o segundo mesário recebia os documentos e ia convocando os eleitores.
Debaixo de sua autoridade, caprichava na voz e na entonação.
Pois
foi numa dessas eleições que aconteceu o incidente. O segundo mesário leu o
nome do dono do título em silêncio. Ajeitou os óculos, para ver se não havia
engano. Fixou bem a vista e bem empertigado, caprichou na pronúncia: " senhor quinhento reis de bosta".
Um
murmúrio e espanto geral. Todo mundo de olho no portador de nome tão estranho e
escatológico. Da ponta da fila se apresenta o dito cujo. Um senhor já grisalho,
recém-chegado no lugar. Viera de outras bandas e comprara uma propriedade
rural.
O
murmúrio e o espanto se transformaram em risadinhas abafadas e o forasteiro
continuou impávido. O segundo mesário arregalou os olhos e encarou o simpático
cidadão. Indagou com voz tremida: " é o senhor mesmo?
O
eleitor, com gentileza e educação, respondeu afirmativamente e disse-lhe: "
com muito orgulho, há cinquenta e seis anos fui registrado com este nome. Sou o senhor Quintino Reis de Bastos!!!!!
Em
tempo: o padrão monetário brasileiro, há muito tempo era o cruzeiro. Persistia,
entretanto, chamar as moedas de dez centavos de tostões, vinte centavos de
duzentos reis e cinquenta, de quinhentos reis. Apesar de tirar o título
eleitoral em 1961, só fui votar para presidente da república em 1989. Olhando
para o passado: perda de tempo!!!
*Urtigão
(desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo enviado especialmente para o blog Itaúna
Décadas em 02/06/2017.