Há
dias eu vi neste espaço uma postagem que traz informações acerca de um moinho
de fubá que existia numa corredeira no rio São João, bem na entrada da cidade,
ao lado do Matadouro Municipal. Do moinho eu não tenho lembrança. Do antigo
matadouro, sim, lembro-me muito bem.
Éramos
bem jovens, pré-adolescentes. Costumávamos ir até lá para ganharmos bexiga de
boi. Bola de futebol era artigo caro e raríssimo. Uma bexiga de boi
proporcionava uma bola razoável. Era forte e aguentava o tranco. Dava uma boa
pelada. O lugar era muito precário. Instalações e higiene eram " manga de
colete". Muita sujeira, sangue, vísceras e partes inaproveitáveis do "
defunto" jogadas na correnteza do rio. Consequência: mau cheiro e muitos
urubus.
A
consciência ecológica que tínhamos era restrita aos abutres. Sabíamos que as
aves eram protegidas por uma lei qualquer. Sempre soubemos que era proibido
caçar os bichos. Proibição de caçar. Nada impedia a sua captura, se vivos.
Bodocada não matava. Se bem aplicada, apenas tonteava a criatura e facilitava a
apreensão.
Naquele
tempo era muito comum as " perebas”. Feridas mal curadas na pele que
desandavam e permaneciam por longo tempo. Talvez por infestação de bactérias e
falta de higiene. Ou até os dois fatores combinados.
De
nossa turma tinha um menino que tinha muitas perebas no braço. Deixo de dizer o
seu nome em solidariedade. Deve estar vivo ainda e faço votos que esteja. Idade
regulando com a minha. Bom amigo. Preservo a sua identidade.
Meu
irmão Antônio de Pádua era um ás do estilingue. Pontaria certeira. Um bom seixo
rolado na ferramenta e eis o urubu tonto da pedrada. Fácil de ser capturado sem
muito esforço. Bicho tonto, bastava amarrar um barbante de " embira"
na sua perna e dar para um da turma tomar conta. Depois de refeito da tonteira,
uma nova diversão. Uma imitação mambembe de um falcão. Coisas de filme dos
Cavaleiros
da Távola Redonda. Pegamos o urubu. Amarramos sua canela e demos ao "
perebento" para tomar conta. Passados uns dez minutos a ave recobrou-se da
zonzeira. De imediato tentou se soltar atacando o braço coberto de sarna e
micoses do moleque. Bico forte acostumado a rasgar carnes. Arrancou um bom
naco. O carcereiro assustado largou a embira. O bicho bateu asas e se mandou.
Nosso
amigo carregou pela vida afora a cicatriz no braço. E o apelido de "
comida de urubu”.
*Urtigão
(desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo
verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 05/06/2017.
Organização e Arte: Charles Aquino