terça-feira, junho 27, 2017

PATACA, CAMELÔ E O OVO



Era conhecido por Pataca. Nunca soube o seu nome verdadeiro e tampouco lembro-me dele depois daqueles tempos. Era meio "apatetado", lerdo e prestava-se a pequenos mandados que não requeressem inteligência e ligeireza. Pressa com ele era mercadoria escassa.
Nos idos da década de cinquenta do século passado, havia em Itaúna um costume singular. Por ocasião dos bailes no Automóvel Clube, não eram aceitas a reserva de mesa com antecedência. Não existia telefone nas casas e tampouco no comércio. Somente o Posto Telefônico para interurbanos, do lado do Armazém do Zé Rosa. Uma ligação para Belo Horizonte demorava um dia inteiro. Isso se o cristão tivesse sorte.
No Clube a sistemática era a seguinte: na véspera do baile, normalmente em uma sexta-feira, a Diretoria abria para os sócios a escolha de mesas. Quem chegasse na frente, escolhia as melhores. As de pista, naturalmente. Uma boa chance de nós, adolescentes e pré-adolescentes ganharmos uns trocados. Dormíamos na fila, pagos pelos interessados nas mesas. Garantíamos o lugar na fila e em troca, éramos pagos.
Pataca era um habitual das filas. A vigília, que costumava acontecer na noite de quinta-feira, para ele começava na quarta. Era sempre o primeiro. Bem mais velho do que a maioria, já quase homem feito, vivia desses expedientes. Moleirão e preguiçoso até no falar. Era uma boa alma.
De vez em quando aparecia um camelô na cidade. Era itinerante e a sua estada era aguardada. A polícia não o perseguia. Fazia parte da rotina, de tempos em tempos.
Tinha uma jiboia acondicionada numa mala. Dona Catarina era o nome do réptil. Segundo ele, cobra de muitos dotes. Pulava, sapateava e fazia piruetas na ponta da cauda. Como companheiro, Dona Catarina tinha um teju. Um lagarto preguiçoso e bem taludo. De nome, atendia por Dom Pascoal de Bragança. Segundo seu dono, atravessara o Canal da Mancha a nado, com quinhentos mil reis de moedas no bolso da cueca. Um fenômeno.
O camelô era especializado em vender óleo de peixe elétrico, remédio milagroso que curava de espinhela caída a quebranto, passando por mau olhado e dores de cotovelo. Inigualável.
Vendia também correntes de pescoço, próprias para medalhas, confeccionadas com um metal de nome " plaquet americano", mais forte do que o aço, da cor do ouro e imune a corrosão. Para provar tal virtude, botava a correntinha numa colher de sopa, derramava algo que dizia ser ácido. A mistura fervia, a colher enegrecia e a corrente, depois de lavada se mostrava impávida. Brilhante como nova.
Fazia mágicas e prestidigitação. Rápido com os dedos, manuseava cartas de um baralho seboso e fazia adivinhações. Um sucesso de público, que comprava sua berberagem e suas correntinhas de alumínio colorido de amarelo.
Certa feita, resolveu inovar. Dizia ele que a renovação era a alma do negócio e a propaganda a alavanca da civilização. Resolvera fazer um truque diferente e para tanto contratara o Pataca para seu "partner".
Fora do ambiente, combinara com o indigitado. Dera a ele um belo ovo de galinha caipira e fizera a seguinte combinação: Pataca deveria ficar no meio da turma que estivesse assistindo o palavreado, com o ovo no bolso.
O aprendiz de Silvio Santos, colocaria outro ovo num saco de flanela, devidamente mostrado e manuseado pela plateia e após muita falação, faria o ovo desaparecer do saco. Mostraria o saco para o povo em volta e diria que o ovo iria aparecer no bolso do Pataca. Tudo bem combinado e apalavrado, seria um sucesso.
E dá-lhe cantilena, cobra tirada da mala e passada nas mãos dos moleques mais corajosos, lagarto com preguiça, pedindo a Deus somente sombra e muitos insetos para comer e a venda de bugigangas a todo vapor.
Chegou a hora do "gran finale". Pataca postado no meio da turba, a assuntar tudo. Ovo no saco, gestos rápidos de dedos e o ovo sumido. Saco revirado ao avesso e nada do ovo. O camelô, em triunfo, grita bem alto: "O ovo sumido vai aparecer no bolso de um de vocês.
Aliás, vai aparecer no bolso do Pataca. Dito isso, pergunta bem alto: Pataca, cadê o ovo?
E o Pataca, lerdo e bonachão:"lá em casa não tinha nada pra armocar, eu armocei ele!!!!!
Se a polícia não interviesse, o camelô seria linchado!!!!

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 27/06/2017

Acervo: Shorpy


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