Era
conhecido por Pataca. Nunca soube o seu nome verdadeiro e tampouco lembro-me
dele depois daqueles tempos. Era meio "apatetado", lerdo e
prestava-se a pequenos mandados que não requeressem inteligência e ligeireza.
Pressa com ele era mercadoria escassa.
Nos
idos da década de cinquenta do século passado, havia em Itaúna um costume
singular. Por ocasião dos bailes no Automóvel Clube, não eram aceitas a reserva
de mesa com antecedência. Não existia telefone nas casas e tampouco no
comércio. Somente o Posto Telefônico para interurbanos, do lado do Armazém do
Zé Rosa. Uma ligação para Belo Horizonte demorava um dia inteiro. Isso se o
cristão tivesse sorte.
No
Clube a sistemática era a seguinte: na véspera do baile, normalmente em uma
sexta-feira, a Diretoria abria para os sócios a escolha de mesas. Quem chegasse
na frente, escolhia as melhores. As de pista, naturalmente. Uma boa chance de
nós, adolescentes e pré-adolescentes ganharmos uns trocados. Dormíamos na fila,
pagos pelos interessados nas mesas. Garantíamos o lugar na fila e em troca,
éramos pagos.
Pataca
era um habitual das filas. A vigília, que costumava acontecer na noite de
quinta-feira, para ele começava na quarta. Era sempre o primeiro. Bem mais
velho do que a maioria, já quase homem feito, vivia desses expedientes.
Moleirão e preguiçoso até no falar. Era uma boa alma.
De
vez em quando aparecia um camelô na cidade. Era itinerante e a sua estada era
aguardada. A polícia não o perseguia. Fazia parte da rotina, de tempos em
tempos.
Tinha
uma jiboia acondicionada numa mala. Dona Catarina era o nome do réptil. Segundo
ele, cobra de muitos dotes. Pulava, sapateava e fazia piruetas na ponta da
cauda. Como companheiro, Dona Catarina tinha um teju. Um lagarto preguiçoso e
bem taludo. De nome, atendia por Dom Pascoal de Bragança. Segundo seu dono,
atravessara o Canal da Mancha a nado, com quinhentos mil reis de moedas no
bolso da cueca. Um fenômeno.
O
camelô era especializado em vender óleo de peixe elétrico, remédio milagroso
que curava de espinhela caída a quebranto, passando por mau olhado e dores de
cotovelo. Inigualável.
Vendia
também correntes de pescoço, próprias para medalhas, confeccionadas com um
metal de nome " plaquet americano",
mais forte do que o aço, da cor do ouro e imune a corrosão. Para provar tal
virtude, botava a correntinha numa colher de sopa, derramava algo que dizia ser
ácido. A mistura fervia, a colher enegrecia e a corrente, depois de lavada se
mostrava impávida. Brilhante como nova.
Fazia
mágicas e prestidigitação. Rápido com os dedos, manuseava cartas de um baralho
seboso e fazia adivinhações. Um sucesso de público, que comprava sua berberagem
e suas correntinhas de alumínio colorido de amarelo.
Certa
feita, resolveu inovar. Dizia ele que a renovação era a alma do negócio e a
propaganda a alavanca da civilização. Resolvera fazer um truque diferente e
para tanto contratara o Pataca para seu "partner".
Fora
do ambiente, combinara com o indigitado. Dera a ele um belo ovo de galinha
caipira e fizera a seguinte combinação: Pataca deveria ficar no meio da turma
que estivesse assistindo o palavreado, com o ovo no bolso.
O
aprendiz de Silvio Santos, colocaria outro ovo num saco de flanela, devidamente
mostrado e manuseado pela plateia e após muita falação, faria o ovo desaparecer
do saco. Mostraria o saco para o povo em volta e diria que o ovo iria aparecer
no bolso do Pataca. Tudo bem combinado e apalavrado, seria um sucesso.
E
dá-lhe cantilena, cobra tirada da mala e passada nas mãos dos moleques mais
corajosos, lagarto com preguiça, pedindo a Deus somente sombra e muitos insetos
para comer e a venda de bugigangas a todo vapor.
Chegou
a hora do "gran finale".
Pataca postado no meio da turba, a assuntar tudo. Ovo no saco, gestos rápidos
de dedos e o ovo sumido. Saco revirado ao avesso e nada do ovo. O camelô, em
triunfo, grita bem alto: "O ovo sumido vai aparecer no bolso de um de
vocês.
Aliás,
vai aparecer no bolso do Pataca. Dito isso, pergunta bem alto: Pataca, cadê o ovo?
E
o Pataca, lerdo e bonachão:"lá em casa não tinha nada pra armocar, eu
armocei ele!!!!!
Se
a polícia não interviesse, o camelô seria linchado!!!!
*Urtigão
(desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog
Itaúna Décadas em 27/06/2017
Acervo: Shorpy