segunda-feira, abril 01, 2019

DEMOLIÇÃO: MATRIZ DE ITAÚNA


Nise Campos
1934

Pobre matriz, velha e abandonada!
Sem santo, sem sino, sem altar ...
Imagem viva das cousas mortas ...
Que vontade tenho de ainda aí rezar ...

A vossas torres, que para o azul subiram,
Parecem dormir e querem sonhar ...
Foram-se os sinos .... As andorinhas foram ...
Mas a saudade ficou. Só saudade! ...

Ruína! Tapera! Aniquilamento!
Velhice santa, que se deve amar!
Espelho da vida! Imagem da minha alma,
Sem santo, sem sino, sem altar ...


Referências:

Organização e Arte: Charles Aquino
Colaboradora: Lindomar Batista Lage
Colaboradora: Cláudia Lage
Texto: Nise Álvares da Silva Campos (In Memoriam)
Acervo: Charles Aquino, Prefeitura Municipal de Itaúna
Fotografia: Benevides Garcia 


ANÁLISE DO POEMA

O poema de Nise Campos, escrito em 1934, reflete um lamento melancólico pela demolição da Igreja Matriz de Itaúna, destacando-se por sua linguagem emotiva e rica em imagens poéticas. Vamos fazer uma análise crítica deste texto, observando seus aspectos temáticos, estilísticos e estruturais.

O poema trata da demolição de um edifício religioso, um evento que é claramente pessoal e emotivo para a autora. A Igreja Matriz não é apenas um prédio, mas um símbolo de fé, história e identidade comunitária. A demolição é vista como uma perda significativa, quase uma morte, que evoca um sentimento profundo de saudade e abandono.

O poema é composto por três estrofes de quatro versos cada uma (quadras), com uma métrica e rima irregulares, que contribuem para o tom melancólico e introspectivo. A estrutura reflete a fragmentação e a desordem que a demolição causa tanto fisicamente quanto emocionalmente.

A igreja é personificada como "velha e abandonada", o que sugere um estado de decadência e desamparo. A ausência de elementos sacros ("santo, sino, altar") enfatiza a desolação. "Imagem viva das cousas mortas" é uma antítese poderosa que ressalta a contradição de algo que, apesar de ainda existir, perdeu sua vitalidade. O desejo de rezar no local sublinha a conexão espiritual e emocional da autora com a igreja.

As torres são descritas com uma qualidade quase onírica, "parecem dormir e querem sonhar", sugerindo que, mesmo em ruínas, há uma aspiração de transcendência. A repetição do "foram-se" para os sinos e as andorinhas simboliza a partida de elementos vitais, mas a "saudade" permanece, encapsulando o sentimento de perda irreparável.

Aqui, o poema atinge seu clímax emocional. As palavras "ruína", "tapera" e "aniquilamento" reforçam a ideia de destruição total. No entanto, a "velhice santa, que se deve amar" sugere um respeito e uma reverência pela história e pela memória do lugar. A identificação da igreja como "espelho da vida" e "imagem da minha alma" indica uma profunda conexão pessoal da autora, culminando na repetição do refrão "Sem santo, sem sino, sem altar", que reforça a sensação de vazio e perda.

Nise Campos utiliza uma linguagem simples, mas carregada de simbolismo. O uso de antíteses e metáforas, como "imagem viva das cousas mortas" e "espelho da vida", confere profundidade ao poema. A repetição de palavras e frases intensifica o sentimento de desolação e saudade.

O poema é uma meditação melancólica sobre perda e memória, usando a demolição da Igreja Matriz de Itaúna como símbolo de um vazio maior, tanto físico quanto espiritual. Através de imagens vívidas e uma linguagem emotiva, Nise Campos capta a essência da saudade e do lamento por um passado que não pode ser recuperado. É um tributo tocante à resiliência da memória e à persistência do sentimento humano diante da devastação.

Charles Aquino