sábado, abril 07, 2018

NOVA MATRIZ: PARTE II

O texto intitulado "Um Apelo por Morfeu" é um pedido formal dirigido a uma comissão responsável pela construção de uma nova matriz na cidade de Itaúna. O autor, que parece ser alguém com forte ligação afetiva e cultural com o local, argumenta em favor de um espaço alternativo para a edificação da igreja: o "Cemitério Velho", em vez da localização inicialmente planejada, a Praça João Pessoa. A análise desse apelo pode ser dividida em três principais aspectos: o contexto histórico e emocional, as justificativas práticas e a retórica utilizada.

Contexto Histórico e Emocional

O texto revela uma forte conexão com a história e a memória da cidade, especialmente no que diz respeito ao "Cemitério Velho", que é descrito como um local de profundo respeito, onde jazem os antepassados de Itaúna. O autor apela ao respeito pelos mortos e à importância de preservar e honrar a memória dos que vieram antes, utilizando o espaço como o local da nova matriz. Essa escolha tem uma dimensão simbólica forte, ao vincular a nova igreja ao local de descanso eterno daqueles que ajudaram a construir a história da cidade. O autor defende que o cemitério é um espaço sagrado e, por isso, seria o lugar ideal para a nova "casa de Deus".

Justificativas Práticas

O apelo vai além das considerações emocionais e históricas, apresentando também argumentos práticos para a escolha do local. O "Cemitério Velho" é descrito como vasto, com uma área ampla e uma posição geograficamente elevada, que oferece uma bela vista panorâmica e um distanciamento do "bulício e da trepidação da cidade". Esses fatores são apresentados como ideais para um local de meditação e recolhimento, características que o autor julga serem essenciais para um templo religioso.

Além disso, o autor argumenta que o espaço atual, se não for utilizado para a construção da nova matriz, pode cair em abandono, tornando-se um lugar desrespeitoso e mal cuidado, o que seria inaceitável para um local de tamanha importância histórica e espiritual. Ele sugere que a construção da nova igreja no "Cemitério Velho" garantiria que o local continuasse a ser tratado com respeito e dignidade.

Retórica

O autor usa uma série de estratégias retóricas para fortalecer seu apelo. Ele começa invocando a consciência, o bom senso e a clareza de espírito das autoridades, destacando que fala em nome da maioria dos cidadãos de Itaúna. Esse tipo de apelo à autoridade e à coletividade confere legitimidade ao pedido e cria um senso de responsabilidade pública para os destinatários do texto.

Outro elemento importante é a repetição da ideia de que o "Cemitério Velho" é um local de profundo respeito e que erigir um templo ali seria a escolha mais apropriada. A ênfase no contraste entre o caráter sagrado do local e o uso inadequado de uma praça pública para fins religiosos também reforça a ideia de que a nova igreja merece um ambiente mais contemplativo.

O autor termina seu apelo com um tom conciliador, afirmando que, ao seguir sua sugestão, a comissão estará construindo um templo que perdurará por gerações. Ele propõe, inclusive, que o alicerce do cemitério seja reutilizado, demonstrando flexibilidade em sua proposta e ressaltando que sua intenção é colaborar para a construção de algo duradouro.

Conclusão

O texto, em sua totalidade, é um apelo bem construído e articulado, que combina argumentos emocionais, históricos e práticos. A escolha do "Cemitério Velho" como local para a nova matriz é apresentada de maneira lógica e respeitosa, apelando tanto para o bom senso quanto para o sentimento de preservação cultural e respeito pelos antepassados. A forma respeitosa com que o autor se dirige à comissão e às autoridades da cidade, utilizando termos como "douta" e "digna", reflete o tom formal e diplomático do texto, típico de um período em que o respeito pelas autoridades era manifestado de maneira explícita em textos públicos.

O título "Um Apelo por Morfeu" também merece uma breve reflexão. Morfeu, na mitologia grega, é o deus dos sonhos e do sono, o que pode indicar que o autor vê o "Cemitério Velho" como um local de descanso eterno e pacífico, ideal para uma casa de oração e meditação, reforçando ainda mais o tom respeitoso e contemplativo do apelo.


 UM APELO POR MORFEU

Agora em que discute o local para o levantamento da Nova Matriz, itaunense, o rabiscador destas linhas, atendendo a um natural impulso de sua consciência, e certo de que traduz o pensamento da maioria dos itaunenses, ousa, data vênia, fazer um apelo, destas colunas, à douta e digna comissão encarregada do seu soerguimento, e especialmente aos srs.

Prefeito Artur Contagem Vilaça, Cel. João de Cerqueira Lima e Dr. Dario Gonçalves de Souza, para que a Nova Matriz seja erigida não no lugar da velha, mas no lugar do “Cemitério Velho” onde estão os alicerces da planejada Catedral e onde jazem os restos mortais dos nossos antepassados itaunenses, a quem devemos o mais profundo respeito e mais sincera veneração.

Há neste apelo, que é sincero, bom senso, critério e uma nobre intenção. O local do “Cemitério Velho” está magnificamente apropriado para a referida construção, não só pela sua área vastíssima e bela, não só pela sua altitude panorâmica, como também pela sua esplendida situação, mais afastada do bulício e da trepidação da cidade, mais propício à meditação e ao recolhimento.

Afora isto, que somente, e sobejamente, recomenda o local, ali foi por longos anos a morada dos mortos, lugar de respeito próprio para um templo, e não para uma praça pública.

Medite um pouco a douta comissão. É preciso que ali se construa a nova casa de Deus, porque de outra forma, isto é, não a construindo no referido lugar, aquele sagrado recanto, que nos merece o máximo de respeito, ficará ali eternamente esquecido, cheio de mato, servindo de despejo do povo e de esconderijo para os mal-intencionados.

De resto, deixando de construir a Nova Matriz na Praça João Pessoa, não prejudica este em nada, antes torna-a mais espaçosa e muitas vezes mais bela e mais atraente. Além disso, que é razão de sobra, evitam-se desgostos e amolações por ocasião dos corsos carnavalescos, nos dias de festa do Rei Momo.

Pode-se aproveitar o mesmo alicerce ou fazer outro em proporções menores, mas a certeza de que está fazendo um templo para muitas gerações. Assim sendo, é que ouso dirigir este apelo ao coração, ao bom senso e ao espírito esclarecido da douta e digna comissão encarregada do levantamento da Nova Matriz.


Referências:
Jornal de Itaúna. Itaúna, 29 de abril 1934, nº 81, p.1. Diretor Redatorial: Viriato Fonseca. Diretor Gerente: João Batista de Almeida
Pesquisa e Organização: Charles Aquino
Acervo: Instituto Cultural Maria de Castro Nogueira - ICMC