sábado, abril 07, 2018

NOVA MATRIZ: PARTE I

MORFEU

  Pouco a pouco, em cada dia que passa, em cada mês e em cada ano, Itaúna vai demolindo e destruindo as sagradas relíquias de Santana do Rio São João Acima, para nos seus lugares levantarem-se obras novas, obrigando assim dessa maneira, os seus representantes ainda vivos a cantarem saudosos:

“Santana – A terra amada!
Que Itaúna nos roubou.
Tua lembrança abençoada
“Neste peito aqui ficou...”

É que estão demolindo a velha Matriz do Pe. Antônio, o tempo histórico dos Santanenses, que há meses vinha ameaçando ruir. É que estão tirando aquelas pedras e aquele barro que a cento e poucos anos atrás os nossos bisavôs Santanenses carregaram na cabeça, com um invejável espírito evangélico.

Ao contemplar a velha Matriz e ao ver a picareta, o martelo e a alavanca desmancharem as suas paredes, numa visão retrospectiva relembro-me, saudoso, das suas festas pomposas, vejo o Pe. João com toda a sua neurastenia, assisto à todas as missões do bondoso Pe. Geraldo presencio casamentos imponentes e sirvo de padreco nos meses de Maria. 

Os velhos, estes, quando passam pelo largo, param em frente dela e ficam considerando embevecido as suas formas, durante muito tempo, dando a impressão de que querem gravar na lembrança, com caracteres indeléveis, as suas menores coisas.

Estão demolindo, é verdade, a tradicional Matriz do Pe. Antônio para no seu lugar construir-se uma nova, confortável e moderna.  A comissão encarregada do seu a levantamento, tendo pela frente as figuras respeitáveis do Cel. João de Cerqueira Lima e do Dr. Daria Gonçalves de Souza reuniu-se aparatosamente domingo passado.

Nessa reunião, segundo se apurou, ficou deliberado em definitivo, mas em linhas gerais o plano do soerguimento do novo tempo de Cristo.


De fato, se não há engano, a comissão resolveu:

Construir o novo tempo de Deus no mesmo lugar da velha Matriz; Esta será posta toda abaixo; O estilo do novo templo será simples, sem arquitetura cara e dispendiosa, porém moderno; Será do mesmo tamanho do da velha Matriz; A despesas na sua construção irão no máximo a duzentos contos de réis.

É para estar pronto dentro de um ano, quando muito. Com esta iniciativa, inesperada por todos os itaunenses, e que causou em todos os espíritos católico geral contentamento, a obra idealizada pelo esforçado Pe. Inácio Campos, isto é, a construção da suntuosa Catedral do Cemitério Velho morrerá certamente, e infelizmente, no nascedouro. Assim, perderam-se esforços e sessenta contos de réis, gastos nos seus alicerces, agora em completo abandono.

Foi pena, digo. Mas foi também um castigo, retrucam-me os espíritos supersticiosos e respeitadores dos manes dos que se foram para o além. É verdade, aqueles alicerces que lá estão foram feitos todos eles com o maior desrespeito aos mortos que ali jaziam ou jazem.

Arrancavam-se caixões estouvadamente, entre chacotas e gracejos, quebravam-se esqueletos entre risos, surrupiavam-se obturações com todo o cinismo. Aquilo foi castigo, um rebate dos mortos, afirmam. E não foi má vontade do povo, nem falta de dinheiro! Suponhamos que assim fora. 

E se assim foi, na verdade, é um bom aviso para que os demolidores da velha Matriz tenham o máximo de respeito com os nomes do venerado Pe. Antônio, que ali ainda tem os restos mortais, para que não aconteça o mesmo com o templo ora começado com tamanho afã.



Referências:
Jornal de Itaúna. Itaúna, 22 de abril 1934, nº 80, p.1. Diretor Redatorial: Viriato Fonseca. Diretor Gerente: João Batista de Almeida
Pesquisa e Organização: Charles Aquino
Acervo: Instituto Cultural Maria de Castro Nogueira - ICMC