Nise Campos
Junho 1962
Junho 1962
A tarde vem descendo sobre a cidade num suave encantamento. Parece nascer de suas serras mistério desta hora. A alma emotiva e vibrante dos sinos derrama uma saudade triste no coração dos morros. As velhinhas do asilo rezam a oração da tarde ...
As suas
mãos cansadas e trêmulas, aquelas mãos afeitas ao trabalho rude, mal seguram os
rosários de contas grandes. Aquelas vozes, que já acalentaram tantos sonos, nas
cantigas tristes de motivos afro-brasileiros, parecem vir de longe, das brumas
do passado...
Nos seus
olhos, que a neblina do tempo vela, dançam sobras de dor e saudade... Descansam
aqueles braços na recordação dos berços que embalaram ...
Rezem as
velhinhas do Asilo a sua oração da tarde. Rezem e sonham ... Só agora
podem sentir a emoção dos dias que viveram ... Aqueles
longos dias que eram seus ...
Sentem
livres o pensamento e o coração, agora que lhes faltam asas para a liberdade. Quanta
doçura naqueles olhos que voltam longe no tempo e no espaço, onde só antigas visões
podem vislumbrar!
...
...
E as
paredes brancas da capela amiga vão se afastando e desaparecem ... Abre-se,
lentamente, o largo cenário.
O EITO... O
FEITOR... A SENZALA... A CASA GRANDE... Ave, Maria, cheia de graça...
Surgem,
vagarosamente muito brancas, as paredes da capela. É o presente que volta. Caem
lágrimas daqueles olhos tristes. Saudades? ... Bela e santa abnegação.
Beijo vos,
em espirito, as mãos, doces velhinhas ... dedicadas mães pretas de meus pais e
avôs.
Na missão
que cumpriste, fizestes mais do que manda a divina lei: Amastes o próximo mais
do que a vós mesmas! ...
Referências:
Organização e pesquisa: Charles
Aquino
Texto: Nise Álvares da Silva Campos (In
Memoriam)
Fonte: Jornal Diário do Oeste,
Divinópolis, nº 824, 1 de junho de 1962, p.13
Fotografia:https://i.pinimg.com
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