Junho 1962
A tarde vem descendo sobre a cidade num suave encantamento. Parece nascer de suas serras mistério desta hora. A alma emotiva e vibrante dos sinos derrama uma saudade triste no coração dos morros. As velhinhas do asilo rezam a oração da tarde ...
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Análise "As Velhinhas do Asilo de Pitangui"
O texto "As Velhinhas do
Asilo de Pitangui" de Nise Campos, escrito em 1962, é uma peça literária
que combina elementos poéticos e narrativos para pintar um quadro evocativo das
vidas e emoções de idosas residentes em um asilo. A autora utiliza uma
linguagem rica e metafórica para explorar temas de saudade, memória e
resignação, refletindo sobre a história e a condição humana dessas mulheres.
O principal tema do texto é a
passagem do tempo e a reflexão sobre a vida e a memória. Campos aborda a
nostalgia e a dor silenciosa das velhinhas que, ao rezarem a oração da tarde,
são transportadas de volta a tempos passados, revivendo lembranças de trabalho
duro, maternidade e servidão. A evocação do passado escravocrata do Brasil é um
motivo central, especialmente com a menção ao "EITO... O FEITOR... A
SENZALA... A CASA GRANDE...".
A descrição da tarde descendo
sobre a cidade "num suave encantamento" estabelece um ambiente
melancólico e contemplativo. A "alma emotiva e vibrante dos sinos"
contribui para uma atmosfera carregada de saudade e espiritualidade, conectando
o leitor ao estado emocional das personagens.
As personagens centrais, as
velhinhas do asilo, são descritas com um profundo respeito e empatia. Campos
destaca suas mãos cansadas e trêmulas, suas vozes que outrora acalentaram sonos
e seus olhos velados pela neblina do tempo. Essa descrição cria uma imagem
vívida de mulheres que viveram vidas de sacrifício e trabalho, mas que agora
encontram um momento de paz e reflexão.
A autora utiliza uma série de
símbolos para aprofundar a compreensão do leitor sobre as vidas das velhinhas.
Os rosários de contas grandes simbolizam a devoção religiosa e a perseverança
na fé. As imagens do passado escravocrata ("EITO... O FEITOR... A
SENZALA... A CASA GRANDE...") trazem à tona a dura realidade que essas
mulheres enfrentaram, sugerindo uma vida de sofrimento e resistência.
O texto é estruturado de maneira
fluida, com frases curtas e poéticas que refletem o fluxo dos pensamentos e
memórias das velhinhas. O uso de elipses ("...") contribui para um
ritmo pausado e meditativo, imitando a maneira como as memórias emergem e se
dissipam lentamente. A linguagem é rica em metáforas e personificações, como
"a neblina do tempo" e "a alma emotiva e vibrante dos
sinos", que acrescentam profundidade emocional ao texto.
Nise Campos não apenas conta a
história dessas velhinhas, mas também oferece uma meditação sobre o papel do
tempo e da memória na vida humana. A reverência com que a autora descreve as
velhinhas e suas orações sugere uma admiração pela sua resistência e uma
crítica implícita às injustiças do passado que marcaram suas vidas.
A conclusão do texto, com a
imagem das lágrimas e a saudação "Ave, Maria, cheia de graça",
mistura o sagrado com o profano, reforçando a ideia de que essas mulheres,
através de sua abnegação e amor, alcançaram uma espécie de santidade. Campos presta
homenagem a essas "mães pretas" com um toque de espiritualidade e
gratidão, destacando a dimensão humana e histórica de suas existências.
"As Velhinhas do Asilo de
Pitangui" é uma obra poderosa que combina poesia, memória e história para
oferecer uma visão profundamente emotiva e respeitosa das vidas de mulheres
idosas que carregam em si o peso de um passado difícil. Através de sua
linguagem evocativa e simbologia rica, Nise Campos cria uma narrativa que não
só honra essas mulheres, mas também convida o leitor a refletir sobre temas
universais de tempo, memória e resiliência.