quarta-feira, abril 03, 2019

AS VELHINHAS DO ASILO DE PITANGUI

Nise Campos
Junho 1962



A tarde vem descendo sobre a cidade num suave encantamento. Parece nascer de suas serras mistério desta hora. A alma emotiva e vibrante dos sinos derrama uma saudade triste no coração dos morros. As velhinhas do asilo rezam a oração da tarde ...

As suas mãos cansadas e trêmulas, aquelas mãos afeitas ao trabalho rude, mal seguram os rosários de contas grandes. Aquelas vozes, que já acalentaram tantos sonos, nas cantigas tristes de motivos afro-brasileiros, parecem vir de longe, das brumas do passado...

Nos seus olhos, que a neblina do tempo vela, dançam sobras de dor e saudade... Descansam aqueles braços na recordação dos berços que embalaram ...

Rezem as velhinhas do Asilo a sua oração da tarde. Rezem e sonham ... Só agora podem sentir a emoção dos dias que viveram ... Aqueles longos dias que eram seus ...

Sentem livres o pensamento e o coração, agora que lhes faltam asas para a liberdade. Quanta doçura naqueles olhos que voltam longe no tempo e no espaço, onde só antigas visões podem vislumbrar!
...

E as paredes brancas da capela amiga vão se afastando e desaparecem ... Abre-se, lentamente, o largo cenário.

O EITO... O FEITOR... A SENZALA... A CASA GRANDE... Ave, Maria, cheia de graça...

Surgem, vagarosamente muito brancas, as paredes da capela. É o presente que volta. Caem lágrimas daqueles olhos tristes. Saudades? ... Bela e santa abnegação.

Beijo vos, em espirito, as mãos, doces velhinhas ... dedicadas mães pretas de meus pais e avôs.

Na missão que cumpriste, fizestes mais do que manda a divina lei: Amastes o próximo mais do que a vós mesmas! ...  




Referências:
Organização e pesquisa: Charles Aquino
Texto: Nise Álvares da Silva Campos (In Memoriam)
Fonte: Jornal Diário do Oeste, Divinópolis, nº 824, 1 de junho de 1962, p.13  


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