terça-feira, abril 02, 2019

A FILHA QUE VOLTA

Em breve, teremos de volta

a filha querida que a Parca implacável

para longe levou...

 

E agora, nos segredos dos mistérios divinos,

em anjo sem asas se transformou.

 

A nossos braços, ansiosos, ela retorna,

sorrindo, feliz.

 

E todos, em torno do berço dourado,

desejamos ouvir o que ela no diz ...

 

Nise Campos, 1980

   

Análise do poema

 O poema aborda a temática do retorno de um ente querido que faleceu, utilizando a figura da Parca, que na mitologia grega representa o destino inevitável e a morte. A ideia de retorno depois do perecimento sugere uma crença na vida após a morte ou na reencarnação, onde a filha retorna transformada em um "anjo sem asas".

O poema é curto e apresenta uma estrutura simples, sem uma métrica rígida ou rimas predominantes, o que é comum na poesia moderna. A estrutura é dividida em duas estrofes principais, com uma quebra sutil no meio, indicando uma mudança de cenário do plano divino para o plano humano.

Primeira Estrofe: "Em breve, teremos de volta a filha querida que a Parca implacável para longe levou..." — Aqui, a poeta estabelece a premissa do retorno. A "Parca implacável" é uma personificação da morte, que é apresentada como algo inevitável. A menção de "em breve" sugere uma esperança ou uma certeza na iminência desse retorno.  "E agora, nos segredos dos mistérios divinos, em anjo sem asas se transformou." — Nesta linha, há uma transição do plano físico para o espiritual. A transformação em "anjo sem asas" indica uma mudança para um estado celestial ou espiritual, mas a ausência das asas pode simbolizar uma ligação ainda presente com o mundo humano, ou uma transformação incompleta.

Segunda Estrofe: "A nossos braços, ansiosos, ela retorna, sorrindo, feliz."  — Esta parte reforça a ideia de esperança e felicidade no retorno. Os "braços ansiosos" mostram o desejo e a expectativa dos que ficaram. O sorriso e a felicidade da filha indicam uma paz ou uma aceitação do seu estado atual. "E todos, em torno do berço dourado, desejamos ouvir o que ela nos diz ..." — O "berço dourado" pode simbolizar um novo começo, um renascimento, ou um lugar de honra e valor. O desejo de ouvir a filha sugere uma necessidade de comunicação, de receber mensagens ou ensinamentos do além, reforçando a conexão emocional e espiritual entre os vivos e os mortos.

A linguagem do poema é poética e evocativa, utilizando termos e imagens que evocam o místico e o espiritual. A escolha de palavras como "implacável", "mistérios divinos", e "berço dourado" contribui para criar um tom reverente e esperançoso. O poema pode ser interpretado como uma reflexão sobre a perda e a esperança no reencontro com os entes queridos após a morte. Ele lida com a dor da separação, mas também com a esperança e a crença em um retorno, seja através da reencarnação ou de uma presença espiritual contínua. A imagem final de todos em torno do berço ouvindo a filha sugere uma comunhão entre os mundos, onde o amor e a conexão superam até mesmo a barreira da morte.

"A Filha que Volta" de Nise Campos é um poema que aborda temas profundos de perda, esperança e transformação. Através de uma linguagem poética e de imagens simbólicas, a autora consegue transmitir uma mensagem de consolo e de continuidade da vida após a morte, oferecendo uma perspectiva reconfortante sobre a separação e o reencontro.

 

Referências:

Organização e análise do texto: Charles Aquino

Acervo: Cláudia Lage e Lindomar Batista Lage

Texto: Nise Álvares da Silva Campos (In Memoriam)

Fonte: Folha do Oeste, Itaúna 23/02/1980

Imagem:  A young mother Gerrit (Gerard) Dow Painting, 1658.



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