quarta-feira, abril 03, 2019

SE INVEJA É PECADO...

Nise Campos
1961


Nesses toscos versos essa confissão vos faço
E, nessas pobres rimas, penitenciar-me venho!
Pois, se alma peca em sentir inveja,
Esse pecado, Senhor, esse pecado eu tenho!
Invejo a simplicidade do ranchinho humilde
E a lirial beleza da criança...

Invejo os que trazem a alegria n’alma
E o conforto da fé e da esperança!
Invejo a paz que reina na aldeiazinha pobre,
Onde, cristalina, flui a água das fontes,
Invejo as caravanas que atravessam os areais desertos,
Os que transpõem os mares, os que galgam montes!

Invejo as mãos que espalham benção
Na leveza do carinho e do perdão...
Aos que distribuem a luz da graça,
Na messe do amor, na fartura do pão!

Invejo os velhinhos de cabeças brancas
Que, cansados, percorrem a grande estrada...
A esses que sofreram amargos desenganos
E que chegando vão ao fim da encruzilhada!

Invejo a trêfega andorinha
Que, em graciosos bandos, o espaço cobre...
Invejo a flor, a selva, o mar, o sol, as errantes nuvens!

Invejo tudo o que é simples, tudo o que é belo,
Tudo o que é nobre!

Perdoai-me, Senhor, porque a vós, contrita, brado:
Pois, se a alma peca em sentir inveja,
Eu tenho, meu Deus, esse pecado.


Análise do poema - Se inveja é pecado ...

O poema "Se Inveja é Pecado..." de Nise Campos, escrito em 1961, é uma confissão franca e sincera sobre os sentimentos de inveja que permeiam a alma do eu lírico. A estrutura do poema é simples, composta por estrofes de quatro versos com rimas alternadas, o que contribui para a sensação de fluidez e confissão.

A temática principal do poema é a inveja e o reconhecimento desse sentimento como um pecado. Desde o título, a autora coloca o leitor diante da reflexão sobre a natureza pecaminosa da inveja. Essa emoção é explorada ao longo do poema através de uma série de exemplos de coisas simples, belas e nobres que despertam inveja no eu lírico.

A linguagem utilizada é simples e direta, o que reforça a sinceridade da confissão. Os versos são desprovidos de ornamentos e vão direto ao cerne da questão, expondo a vulnerabilidade do eu lírico e sua luta contra esse sentimento pecaminoso.

Através de imagens evocativas, o poema retrata a inveja como um sentimento que surge diante da contemplação da beleza e da simplicidade do mundo ao redor. Desde a simplicidade de um ranchinho humilde até a graça de uma andorinha em voo, tudo desperta a inveja do eu lírico, que reconhece sua fraqueza diante dessas manifestações de pureza e nobreza.

Ao final, o eu lírico volta-se para Deus em busca de perdão, reconhecendo sua fraqueza e pecaminosidade. Essa busca por redenção encerra o poema de forma poderosa, deixando uma sensação de humildade e arrependimento.

Em suma, "Se Inveja é Pecado..." é um poema que aborda de forma direta e expandida a complexidade da inveja como um sentimento humano universal, enquanto reflete sobre a necessidade de redenção e perdão diante desse pecado moral.




Referências:
Organização, pesquisa e análise: Charles Aquino
Fonte: Itaúna Humana e Pitoresca. Coletânea de
itaunenses natos e adotivos. Org.Luís Gonzaga Fonseca.
“Se Inveja é Pecado”, Nise Campos, 1961, p.93.
Texto: Nise Álvares da Silva Campos (In Memoriam)
Acervo: Shorpy