domingo, janeiro 20, 2019

O FARMACÊUTICO


Prof. Luiz MASCARENHAS

As luzes do casarão estavam todas acesas àquela hora. Dr. Hercílio foi acomodado no canapé chaise-longue da sala de estar; colarinho aberto e com o pulso do braço esquerdo entre os dedos firmes de Adalberto Vieira- o farmacêutico da cidade. Este olhava com atenção para o relógio de bolso, pendente de longa corrente que lhe trespassava o ventre, presa ao colete.  Tinha sido presente do avô, Dr.  Epaminondas Vieira, um dos últimos médicos residentes naquela localidade. Assim, aferia a pressão de seus pacientes.

         Com a família em seu derredor, apreensivos, ouviram do conceituado boticário:  “- Nada grave. O Dr. Hercílio precisa apenas de repouso. ” Odete respirou aliviada. Desde a morte da mãe, que o Dr. Hercílio jamais fora o mesmo homem. Sempre muito apreensivo e um tanto irascível com as questiúnculas do dia a dia. Mas naquela noite, mais apreensivo ainda com o bilhete passado pelo garçom do “Príncipe de Astúrias”- fato ignorado por sua família...

         Adalberto Vieira era sempre chamado em quase todas as casas, para atender as emergências de saúde e de todas as classes sociais. Quando recomendava um médico, geralmente se tratava de um caso perdido. Alto, loiro, magro e de gestos afetados- quando exagerava na bebida-  no Bar do Gordo; pois jamais era visto no “Príncipe de Astúrias”.

Ninguém tecia comentários sobre ele, afinal, era de uma das Famílias mais tradicionais e respeitas da cidade e muito bem de vida; além de excelente profissional.

         A “Pharmácia Ideal” era um estabelecimento respeitabilíssimo, de quase um século de tradição; com seus balcões de madeira escura e vidraria exuberante à mostra. Muitas das medicações eram manipulas ali mesmo e havia objetos que chamavam a atenção, como a balança de precisão Record, o fazedor de rolhas em forma de jacaré, o capsulador e os eternos rótulos do Biotônico Fontoura, pomada Minâncora, glostora Brilhantina, sal de Andrews, creme Rugol, cera Dr. Lustosa e etc. A farmácia havia sido herdada por Adalberto há uns quinze anos, desde o falecimento do pai.

          Que Adalberto Vieira tinha suas preferências era mais ou menos notório...Na falta de médicos na região, se via em situação confortável para dar suas “consultas” na própria residência em uma das esquinas da Praça da Matriz. Por vezes, Adalberto quase que se traía. Bastava um rapazola mais robusto, viril, para apresentar um tique nervoso com a cabeça; estremecia a mesma e ficava meio ofegante.

E isto era notado pelos mais vividos e espertos cidadãos. No entanto, era sempre chamado pelo Cônego Teixeira Sena, para atender às alunas do Colégio da Imaculada e os jovens mancebos do Educandário São José – quando fazia “a festa”, por assim dizer.

         Certa feita, o farmacêutico foi pego de surpresa pelo Zé da Capivara, dando suas apalpadelas vorazes no corpo atlético e desnudo de um jovem. Assustou-se e logo buscou se retratar: “é um caso de uma enfermidade masculina, Zé”! O Zé, matuto da roça, logo devolveu: “ É....pelo tamanho desse negóço  aí, num tem muléstia nenhuma não sinhô”!...Se rindo baixinho  porque já percebera de há muito os olhares do boticário para os rapazes e suas escapadas para a cachoeira do riachão das Mulas.  Zé sabia demais e muita gente.

         Adalberto era amigo e confidente de Odete. Sabia como ninguém, aconselhar as moças casadoiras de como agradar seus pretendentes e salvava muitas donzelas das mais difíceis situações; inclusive de prenhes indesejada. Como circulava por quase todas as casas, também sabia muito sobre a vida e os costumes daquela gente. O que lhe garantia sigilos e cumplicidades nos pecados, devassidões e demais percalços da sociedade local.



*Bacharel em Direito / Licenciado em História pela UNIVERSIDADE DE ITAÚNA Historiador/ Escritor/ 1º Secretário da Academia Itaunense de Letras/ Autor de “Crônicas Barranqueiras” e coautor de “Essências” e “Olhares Múltiplos”/ Diretor da E.E. Prof. Gilka Drumond de Faria.




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