Prof. Luiz MASCARENHAS
As luzes do casarão
estavam todas acesas àquela hora. Dr. Hercílio foi acomodado no canapé
chaise-longue da sala de estar; colarinho aberto e com o pulso do braço
esquerdo entre os dedos firmes de Adalberto Vieira- o farmacêutico da cidade.
Este olhava com atenção para o relógio de bolso, pendente de longa corrente que
lhe trespassava o ventre, presa ao colete. Tinha sido presente do avô, Dr. Epaminondas Vieira, um dos últimos médicos
residentes naquela localidade. Assim, aferia a pressão de seus pacientes.
Com
a família em seu derredor, apreensivos, ouviram do conceituado boticário: “- Nada grave. O Dr. Hercílio precisa apenas
de repouso. ” Odete respirou aliviada. Desde a morte da mãe, que o Dr. Hercílio
jamais fora o mesmo homem. Sempre muito apreensivo e um tanto irascível com as
questiúnculas do dia a dia. Mas naquela noite, mais apreensivo ainda com o
bilhete passado pelo garçom do “Príncipe de Astúrias”- fato ignorado por sua
família...
Adalberto
Vieira era sempre chamado em quase todas as casas, para atender as emergências
de saúde e de todas as classes sociais. Quando recomendava um médico,
geralmente se tratava de um caso perdido. Alto, loiro, magro e de gestos afetados-
quando exagerava na bebida- no Bar do
Gordo; pois jamais era visto no “Príncipe de Astúrias”.
Ninguém tecia comentários sobre ele,
afinal, era de uma das Famílias mais tradicionais e respeitas da cidade e muito
bem de vida; além de excelente profissional.
A
“Pharmácia Ideal” era um
estabelecimento respeitabilíssimo, de quase um século de tradição; com seus
balcões de madeira escura e vidraria exuberante à mostra. Muitas das medicações
eram manipulas ali mesmo e havia objetos que chamavam a atenção, como a balança
de precisão Record, o fazedor de rolhas em forma de jacaré, o capsulador e os
eternos rótulos do Biotônico Fontoura, pomada Minâncora, glostora Brilhantina,
sal de Andrews, creme Rugol, cera Dr. Lustosa e etc. A farmácia havia sido
herdada por Adalberto há uns quinze anos, desde o falecimento do pai.
Que Adalberto Vieira tinha suas preferências
era mais ou menos notório...Na falta de médicos na região, se via em situação
confortável para dar suas “consultas” na própria residência em uma das esquinas
da Praça da Matriz. Por vezes, Adalberto quase que se traía. Bastava um
rapazola mais robusto, viril, para apresentar um tique nervoso com a cabeça;
estremecia a mesma e ficava meio ofegante.
E isto era notado pelos mais vividos e
espertos cidadãos. No entanto, era sempre chamado pelo Cônego Teixeira Sena,
para atender às alunas do Colégio da Imaculada e os jovens mancebos do
Educandário São José – quando fazia “a festa”, por assim dizer.
Certa
feita, o farmacêutico foi pego de surpresa pelo Zé da Capivara, dando suas
apalpadelas vorazes no corpo atlético e desnudo de um jovem. Assustou-se e logo
buscou se retratar: “é um caso de uma enfermidade masculina, Zé”! O Zé, matuto
da roça, logo devolveu: “ É....pelo
tamanho desse negóço aí, num tem
muléstia nenhuma não sinhô”!...Se rindo baixinho porque já percebera de há muito os olhares do
boticário para os rapazes e suas escapadas para a cachoeira do riachão das
Mulas. Zé sabia demais e muita gente.
Adalberto
era amigo e confidente de Odete. Sabia como ninguém, aconselhar as moças
casadoiras de como agradar seus pretendentes e salvava muitas donzelas das mais
difíceis situações; inclusive de prenhes indesejada. Como circulava por quase
todas as casas, também sabia muito sobre a vida e os costumes daquela gente. O
que lhe garantia sigilos e cumplicidades nos pecados, devassidões e demais
percalços da sociedade local.
*Bacharel em Direito / Licenciado em
História pela UNIVERSIDADE DE ITAÚNA Historiador/ Escritor/ 1º Secretário da
Academia Itaunense de Letras/ Autor de “Crônicas Barranqueiras” e coautor de
“Essências” e “Olhares Múltiplos”/ Diretor da E.E. Prof. Gilka Drumond de
Faria.
Acervo: Shorpy
Organização Charles Aquino