Sou
de um tempo no qual os professores e professoras eram cultuados. Mereciam dos
alunos todo o respeito e admiração e nunca eram contestados. Uma reprimenda, um
castigo e uma nota ruim doíam mais do que qualquer mal físico. Principalmente
para mim e meus irmãos, filhos de professora.
Tínhamos
fama de pequenos gênios. Conversa fiada. Talvez tivéssemos mais informação do
que os colegas, em decorrência do hábito da leitura. Ao lado do incentivo à
leitura e à cata de informação, em virtude da cegueira prematura de meu pai,
fomos habituados a ler o jornal diariamente para ele. Desde que soubéssemos
ler, obrigação diária. Se claudicássemos nas palavras, Seu Zeca nos fazia
consultar o " Pai dos Burros". Desde cedo aprendemos a consultar o
velho "Caldas Aulette", manusear o Atlas Geográfico e localizar os
países. Quando aprendi a ler, em 1951, a Guerra da Coréia corria solta.
Localizar os países e cidades nos mapas era essencial.
No
mais, meu irmão mais velho, que tinha nome de general francês, herdado de meu
avô paterno, era realmente meio gênio. Se ele podia, os outros também podiam.
Com pouco ou mais sacrifício. Tomar bomba era proibido na minha casa. Daí a
fama de inteligentes que sempre nos perseguiu. Nada demais. Somente um pouco
mais de informação e o salutar hábito de boa leitura, mantido até hoje.
Feita
a digressão, vamos a narrativa. Um curto perfil de alguns professores de meu
tempo de ginásio em Itaúna: Prof. Oswaldo Chaves — Um padre inacabado. Diziam que por estudar
demais e por excesso de religião, viu-se obrigado a deixar o seminário em
Mariana. Pouco tempo antes de fazer os votos. Aliás, não era inacabado. Era um padre
acabado. Casou-se com uma prima, de nome Ritinha. Acredito que tenha feito voto
de castidade. Não teve filhos. Não ficava a sós com alunas na sala de aula por
dinheiro nenhum. Por este motivo não lecionava no Curso Normal. No seu lugar,
dava aulas de português, o prof. Ibsen
Drumond. Lembro-me de Gercina Mendes, minha colega de quarta série, que
emboscava o prof. Oswaldo no
corredor, somente para vê-lo cheio de dedos para se desvencilhar. Sabia muito
português e muito latim. Que Deus o tenha. Ensinava muito mal. Um poço de
sabedoria do qual não podíamos beber, pois o seu didatismo era quase nulo.
Cheio de minudencias. Dividia as notas em décimos. Fazia perguntas na sala e
oferecia de prêmio a quem acertasse, dois décimos, três décimos de acréscimo na
nota do mês. De grão em grão a galinha enchia o papo.
Nas
aulas de latim tinha duas perguntas clássicas, feitas ano a ano. Nos pedia para
traduzir. Transcrevo as duas:
-
Em latim " mater tua mala burra est"
-
Tradução do aluno: " minha mãe é uma mala e é burra !!! "
-
Tradução correta: " sua mãe come a maçã vermelha"
Outra:
"
cor contrictum et humiliatum non dominum despicit "
-Tradução
do aluno: couro curtido e molhado nem Deus espicha"
-
Tradução correta: o coração contrito e humilhado, Deus não despreza.
Prof. Oswaldo,
apesar de ser radicalmente contra jogos de qualquer espécie, ganhou um
"Fusca" num concurso de uma loja de Belo Horizonte, de nome A
Nacional Magasin". O carro lhe foi entregue de maneira solene, na Praça
dr. Augusto Gonçalves, em Itaúna. Eu perguntei a ele se ele já sabia dirigir,
ao que ele me respondeu: Teoricamente eu conheço tudo do carro.
Praticamente, nada sei!!!
*Urtigão
(desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. "Causo" enviado especialmente para o
blog Itaúna Décadas em 10/04/2017.
(Se o latim estiver " perrengue" me
perdoem. La se vão mais de sessenta anos)