OS SETE ANÕES EM ITAÚNA
*Urtigão
A vida das professoras primárias e das
diretoras de grupo escolar era dura. Nada de verbas de qualquer espécie para
merenda escolar. O dinheiro tinha de ser angariado com rifas, tômbolas,
jantares festivos e contribuições de pais de alunos mais abastados.
Havia uma diferença dos dias de hoje. Só
recebiam merenda os alunos comprovadamente pobres. Normalmente era sopa, bem
rica, de macarrão "goela de pato" com carne picada, legumes, etc. Se
não era macarrão, era um belo engrossado de fubá, comprado no moinho do
Serjobes. Tinha broa de fubá, broa de canjica com melado de rapadura, broa
feita com coalhada. Quem fazia a merenda era a Merendeira, uma funcionaria
destacada para a função. Os outros alunos, " não pobres" levavam
merenda de casa.
Lembro-me bem de um teatro organizado pelas
professoras do Grupo Escolar " José de Melo", onde fiz o primeiro ano
primário. Coisa bem-feita.
A peça teatral apresentada foi a história da
Branca de Neve e os Sete Anões, com números de canto e dança, orquestra de
violões e violinos de uns ciganos estabelecidos em Itaúna. Eles eram ciganos
fixos. Tinham uma fábrica de máquinas de moer carne. Tinham fama de bonitões e
as professoras solteiras suspiravam por um deles. Por azar delas, só se casavam
com mulheres “ciganas”.
Ia me esquecendo de dizer: as apresentações
foram no antigo Cine Sant'ana, na rua Silva Jardim. Espetáculo com ingresso
pago. O dinheiro arrecadado serviria para reforçar a Caixa Escolar.
Os ciganos tocavam de graça, bem como, todos
os "artistas" se apresentavam sem cachê. Fantasia também por conta
dos pais. Já narrei em outra parte deste blog que eu e meu irmão mais velho,
éramos nanicos. Ele foi escolhido para ser o Zangado. Fazia bem o seu tipo.
Baixinho, marrento e enfezado. Eu era de boa paz. Deram-me o papel de Feliz.
Entrávamos no palco, com pás e picaretas nas costas a cantar as canções
conhecidas de gerações e gerações. Barbas de algodão a fazer cócegas e todos
nós compenetrados da responsabilidade que nos cabia.
Na casinha bem arrumada, encontramos Branca
de Neve, adormecida, encantada pela feiticeira invejosa. Era bonita. Se não me
falha a memória, o papel coube a Eleusa Moreira, já desaparecida. Um alvoroço
entre os anões. O chefe era o Irdevan Nogueira, dava ordens com precisão.
Branca de Neve jazia na cama, adormecida para
sempre. O que fazer. Aflição, clima de " barata voa"!!!!!
Nos contos de fada, sempre há final feliz.
Eis que surge o Príncipe Encantado, vestido de veludo azul, com alamares e
botões dourados. Chapéu com plumas, parecendo um mestre sala de escola de
samba, tamanha a imponência. Era o Aires Bastos. Muito branco, com a palidez
realçada pela luz indireta e pelas roupas azuis. Beija a Branca de Neve no
rosto e o feitiço desaparece.
Aplausos retumbantes. Mesuras e mais mesuras
para a plateia. Fecham-se as cortinas. As palmas não cessam. Os toscos artistas
reaparecem. Mais aplausos. As mães orgulhosas " lambem as crias”. Nada de
assobios e os gritinhos histéricos tão comuns nas apresentações atuais. Sucesso
absoluto. Três dias de casa lotada. Só não houve prorrogação da temporada em
razão de compromissos dos donos do cinema com as distribuidoras de filmes.
Um segredo: para os artistas mirins o que fez
sucesso mesmo foram as maçãs. Coisa tão rara no interior que foram mandadas
buscar em Belo Horizonte. Compradas num empório de nome" Estâncias
California". Ficava na escadaria dos edifícios Sulacap e Sulamerica.
A cada anão, coube uma maçã à guisa de cachê.
Embrulhadas em um papel azul, vermelhas e perfumadas. Uma beleza.
*Urtigão é pseudônimo de José Silvério
Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Tudo que
narrei acima é verdade. É meio piegas, mas sai um pouco do "modelo"
Urtigão!
Crônica escrita e enviada especialmente para
o blog Itaúna Décadas em 06/04/2017.