O testamento de Manoel Gonçalves de Sousa Moreira, redigido em 1920, oferece um vislumbre significativo da vida e dos valores de um empresário que não apenas acumulou riqueza, mas também sentiu uma profunda responsabilidade de retribuir à comunidade que o acolheu.
Este documento não é apenas uma declaração de última vontade, mas um testemunho do compromisso com a caridade, amor pela cidade de Itaúna e sobre os valores e as preocupações de uma figura proeminente da sociedade mineira no início do século XX.
A análise deste testamento permite compreender aspectos importantes de
sua vida, suas relações familiares e sociais, bem como a sua visão de
filantropia e de preservação de sua memória.
O testamento de
Manoel Gonçalves é um documento rico que oferece reflexão sobre seus atos em
vida, valores e visão de mundo. Através de suas disposições, é possível
perceber um homem preocupado com o bem-estar de sua família, comprometido com a
caridade e a ajuda aos necessitados, e atento à preservação de sua memória e
legado. A análise crítica deste testamento revela um planejamento cuidadoso e
uma visão de longo prazo, refletindo uma vida marcada pela responsabilidade,
generosidade e devoção.
“Em nome de
Deus, Amém. É este o meu testamento e disposição de minha última vontade.
Declaro que sou natural da cidade de Itaúna, Estado de Minas Gerais, comarca da
cidade do Pará; que sou filho legítimo de Manoel José de Sousa Moreira e dona
Joaquina de Jesus, já falecidos; que sou casado com Maria Gonçalves de Sousa
Moreira, não havendo filhos de nosso casal; que os nossos bens se ligam; que
por este revogo "in totum" (no todo) o meu testamento anterior a
este, aprovado pelo Tabelião Doutor Plínio de Mendonça; e que nada devo a
pessoa alguma”.
Manoel Gonçalves
de Sousa Moreira inicia o testamento declarando sua origem e estado civil,
apontando para a ausência de descendentes diretos. Esta ausência faz com que
parte de sua herança seja direcionada à sua esposa, Maria Gonçalves de Sousa
Moreira, mais conhecida por Dona Cota, evidenciando a confiança e o desejo de
garantir seu conforto e estabilidade após sua morte. A ênfase no usufruto
vitalício da residência e de apólices federais sublinha a preocupação em prover
uma fonte de renda contínua e segura para Maria, além de uma moradia digna e
confortável.
A escolha de
distribuir bens significativos para sobrinhos e outros parentes próximos indica
uma preocupação com o bem-estar da família extensa, bem como uma tentativa de
assegurar que a riqueza familiar permaneça dentro do círculo familiar. A
estipulação de que as ações da Companhia Tecidos Santanense não podem ser
alienadas até os beneficiários atingirem 30 anos de idade revela uma intenção
clara de proteger esses ativos e garantir que os legatários amadureçam antes de
terem controle total sobre eles. Este aspecto do testamento demonstra um senso
de responsabilidade e uma tentativa de proteger os jovens herdeiros de decisões
financeiras imprudentes.
As instruções
detalhadas sobre a celebração de missas por sua alma, bem como pela alma de
seus parentes próximos, mostram a importância da religião e da tradição
católica em sua vida. A ênfase nas missas anuais demonstra um desejo de
perpetuar a memória e a devoção familiar, reforçando os laços espirituais e
comunitários.
“Declaro que o
meu testamenteiro ou testamenteira, mandará celebrar cinquenta missas por minha
alma, além da do sétimo, trigésimo e quinquagésimo dia do meu falecimento, dez
por alma de meus parentes, dez por alma de minha mulher, dez por alma de meus
pais; que a administração da Casa de Caridade mandará celebrar anualmente,
enquanto ela existir, oito missas, sendo duas por minha alma, duas por alma de
minha mulher, duas por alma de meu pai e duas por alma de minha mãe”.
A construção de
um mausoléu de mármore e a preocupação com a sua conservação destacam um desejo
claro de garantir que sua memória seja preservada de forma digna e respeitosa —
“Deixo oito contos de réis para se erigir um mausoléu de mármore em meu jazigo
perpétuo, ficando a sua conservação, zelo e limpeza a cargo da administração da
"Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Sousa Moreira", que o
conservará sempre limpo e bem cuidado”. Esta disposição é um reflexo do status
social e da importância atribuída à aparência e à manutenção de um legado
visível e respeitado.
A nomeação de
múltiplos testamenteiros, incluindo sua esposa, afilhado e irmãos, com uma
clara ordem de sucessão, demonstra uma abordagem meticulosa e organizada. A
promessa de recompensa na forma de ações da Companhia Tecidos Santanense para o
testamenteiro que cumprir todas as disposições no prazo estipulado revela um
entendimento do valor do trabalho e do esforço necessários para administrar um
testamento complexo como este. A escolha de testamenteiros próximos e
confiáveis indica a confiança de Manoel em sua capacidade de executar suas
últimas vontades de forma eficiente e fiel.
Manoel também
especifica que a administração da Casa de Caridade pode ser realizada pela
Câmara Municipal de Itaúna ou, na ausência desta, pela diretoria da Companhia
Tecidos Santanense. Esta escolha revela um entendimento pragmático das
estruturas de poder e uma tentativa de garantir que a instituição seja bem
administrada, independentemente das circunstâncias.
O aspecto mais notável do testamento de Manoel é a sua decisão de deixar a maior parte de sua fortuna para a construção da Casa de Caridade "Manoel Gonçalves de Sousa Moreira" —
“Instituo a Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Sousa
Moreira, herdeira do remanescente de todos os meus bens, valores e haveres,
deduzida a importância de todos os legados, de todas as minhas disposições e
despesas de funeral que será de primeira classe”.
Este ato de
generosidade não apenas reflete sua preocupação com os necessitados, mas também
sua intenção de criar um legado duradouro que perpetuasse seu nome e suas ações
benevolentes na comunidade de Itaúna.
A criação da Casa
de Caridade é um marco significativo. Manoel não apenas destinou fundos
substanciais para sua construção, mas também garantiu a manutenção da
instituição através de apólices federais e estaduais, além de ações da
Companhia Industrial Belo Horizonte e da Companhia Tecidos Santanense. Ele
cuidadosamente planejou para que a casa de caridade fosse sustentada pelos
juros e dividendos desses investimentos, assegurando sua viabilidade financeira
a longo prazo.
Manoel demonstrou
um profundo amor pela cidade de Itaúna e um compromisso inabalável em melhorar
a vida de seus habitantes. Ao especificar que a administração da Casa de
Caridade fosse conduzida pela Câmara Municipal de Itaúna, ou na falta desta,
pela diretoria da Companhia Tecidos Santanense, ele mostrou uma compreensão
clara das dinâmicas locais e garantiu que a instituição seria bem gerida. Esta
escolha de administração também evidencia sua confiança nas instituições locais
e sua crença na capacidade delas de perpetuar sua visão filantrópica.
O testamento de
Manoel Gonçalves de Sousa Moreira revela um empresário que, além de acumular
riqueza, dedicou-se a usar seus recursos para o bem-estar de sua comunidade.
Seu ato de deixar a maior parte de sua fortuna para a construção da Casa de
Caridade "Manoel Gonçalves de Sousa Moreira" não é apenas um exemplo
de filantropia, mas um símbolo de seu amor e compromisso com Itaúna. Através
deste gesto, Manoel não apenas garantiu que sua memória fosse perpetuada, mas
também que sua cidade natal continuasse a prosperar e a cuidar dos seus
necessitados. Este testamento é um tributo duradouro à generosidade e à visão
de um homem cuja influência positiva será sentida por muitas gerações.
Arte, pesquisa e
roteiro: Historiador Charles Aquino ...
Fonte:
Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Itaúna em Detalhes...
Fascículo número
37, Ano 2003.
Acervo: Instituto
Cultural Maria de Castro e Itaúna Décadas