Por 85 anos, Dona Sãozinha liderou a festa do Reinado, transformando sua casa no bairro Santo Antônio em um ponto de referência para as celebrações que ocorrem anualmente de 1º a 15 de agosto. Essa festa atrai milhares de participantes, incluindo políticos, artistas, congadeiros de outras cidades e pessoas da comunidade. Sua hospitalidade e liderança inquestionável fizeram de sua casa o “quartel-general” do Reinado, sede de três ternos ou “guardas” de congado: uma guarda de congo, um candombe e uma guarda de vilão.
Dona Sãozinha era mais que uma líder; ela era a personificação viva da tradição do Reinado. Todos os anos, no dia 1º de agosto, ela tinha a responsabilidade de levantar a Bandeira de "Santa Ifigênia", sinalizando o início das festividades. Essas celebrações eram ricas em dança, música, comida e a exibição de símbolos culturais como bandeiras e foguetes. O som de tambores, caixas, reco-recos, gungas e patangomes ecoava pela cidade, enraizando ainda mais a identidade cultural afro-brasileira na comunidade de Itaúna.
Sua morte, aos 98 anos, em 26 de dezembro de 2023, marcou o fim de uma era. O velório de Dona Sãozinha foi um evento solene, com cada capitão de guarda prestando sua homenagem com orações e cantos. O ritual de “descoroação” foi conduzido pelo capitão-mor, Mário, acompanhado por outros capitães, num processo repleto de simbolismo e reverência. O descoroamento envolveu a retirada ritual da coroa, manto e cetro da Rainha, todos manuseados com o uso de bastões, simbolizando a passagem de sua autoridade e a reverência pela sua figura.
O cortejo fúnebre de Dona Sãozinha percorreu locais significativos, incluindo sua casa, a capela da Irmandade das Sete Guardas e o cemitério central. Mesmo em meio à dor da perda, a comunidade celebrou sua vida e legado através de cânticos e homenagens, ressaltando sua importância como patrimônio cultural e religioso de Itaúna.
Dona Sãozinha deixou um legado profundo, não só em termos de liderança cultural e religiosa, mas também como uma guardiã das tradições afro-brasileiras. Sua missão agora passará para suas filhas e netas, que terão a responsabilidade de continuar as festividades do Reinado de Nossa Senhora do Rosário. A resistência cultural evidenciada pela construção da capela da Irmandade das Sete Guardas, após a proibição de entrada dos congadeiros na igreja pelo bispo D. Cabral na década de 1940, demonstra a resiliência e a determinação da comunidade em manter viva sua fé e suas tradições.
Em suma, Dona Sãozinha foi uma verdadeira matriarca que, através de sua vida, fé, trabalho e resiliência assegurou que as tradições e a cultura afro-brasileira continuassem a prosperar em Itaúna. Sua memória e influência perdurarão, assegurando que as futuras gerações compreendam e valorizem o rico patrimônio cultural, tangível e intangível, que a Rainha Perpétua de "Santa Ifigênia", do tradicional Reinado de Nossa Senhora do Rosário de Itaúna, tanto se esforçou para preservar.
Referências:
Jornal S’Passo. Disponível em: Ritual de descoroamento da Rainha Perpétua de Santa Ifigênia em Itaúna
ViuItaúna. Disponível: https://viuitauna.com.br/2023/12/27/itauna-se-despede-de-dona-saozinha-rainha-do-reinado/
Jornal Folha do Povo: Disponível em: https://www.folhapovoitauna.com.br/itauna-perdeu-uma-rainha