Hoje, que você completa nove anos, gostaria muito de eternizar este dia e parar a corrida do tempo para conservá-la sempre criança.
Vendo-a tão
meiga, flor que desabrocha, você é, filha amada, minha esperança, menina —
ternura, amor em forma de paz.
Hoje, tenho
vontade de contar-lhe que casinha de brinquedos, cacos de vidro, colo de árvore
baixa e enxurrada deveriam ser o seu mundo.
Que eu brincava
assim com meus irmãos, no inesquecível quintal de minha avó.
Que
castanha-do-pará, caída do pé, num estalinho gostoso, é prato de festa em
batizado de bonecas.
Que sobre os
muros lodados, há um, mundo de ovos dourados de borboletas azuis, vermelhas e
amarelas...
Que à noite há
fadas de longos vestidos brancos, chapéu em cone e varinha de condão ...
E há cogumelos
redondos e encantados onde vivem joaninhas e anões.
Que a bruxa de
nariz com verruga, vestida de preto, voa todas as noites sobre o telhado,
rodando o sono das crianças.
Mas não vou
dizer-lhe nada. Não tenho o direito de penetrar neste seu mundo encantado, hoje
bem diferente da meninice que vivi. Vou retratar apenas dentro de minha alma,
este seu rostinho tão lindo, este cabelo encaracolado a roçar-lhe os ombros,
esta vivacidade que me encanta.
E, perpetuando
este momento, você será sempre menina para mim. Sua vida, esta ventura, este
milagre de ter apenas nove anos.
Sua mãe, aos
dezoito de janeiro de mil novecentos e setenta e nove... Santana do Rio São
João Acima, hoje Itaúna, Minas Gerais - Pedra Negra
O texto
"Minha Menina" é uma tocante declaração de amor de uma mãe para sua
filha em seu nono aniversário. Através de uma narrativa nostálgica e poética, a
autora expressa o desejo de eternizar a infância da filha, relembrando a
simplicidade e a magia de sua própria meninice. O texto é escrito em um tom
pessoal e íntimo, com uma linguagem que mistura simplicidade e lirismo. A
estrutura é composta por frases curtas e parágrafos que refletem uma conversa
direta com a filha. A mãe descreve suas memórias de infância com detalhes
vívidos e poéticos, criando uma atmosfera encantadora e quase mágica.
A linguagem do
texto é altamente evocativa, utilizando metáforas e imagens para pintar um
quadro vívido da infância. Frases como "flor que desabrocha" e
"minha esperança, menina — ternura, amor em forma de paz" demonstram
a habilidade da autora em capturar emoções profundas e complexas em palavras
simples. A riqueza das descrições sensoriais, como o "estalinho
gostoso" da castanha-do-pará, transporta o leitor para o mundo descrito.
Há uma reflexão
melancólica sobre o passar do tempo e a impossibilidade de deter o crescimento
da filha. A mãe reconhece que não tem o direito de "penetrar neste seu
mundo encantado", aceitando que a infância da filha é distinta da sua.
Este reconhecimento adiciona uma camada de resignação ao texto, equilibrando a
nostalgia com a aceitação.
"Minha
Menina" é uma carta que ressoa com amor, nostalgia e a beleza efêmera da
infância. Através de uma narrativa poética e envolvente, a autora captura o
desejo universal de preservar momentos preciosos e a inevitável aceitação da
passagem do tempo. O texto é um tributo à inocência e à magia da infância,
celebrando a alegria simples e a imaginação vívida que caracterizam essa fase
da vida. Em suma, o texto é um exemplo comovente de como a literatura pode
eternizar sentimentos e momentos, oferecendo ao leitor uma janela para as
profundezas das emoções humanas.
Referência:
Organização, arte e análise: Charles Aquino
OLIVEIRA. Maria Lúcia Mendes. Recado (em pedra e pétalas). Luciana Menina, p.49-50.