terça-feira, julho 16, 2024

MINHA MENINA

MINHA MENINA ... 

Hoje, que você completa nove anos, gostaria muito de eternizar este dia e parar a corrida do tempo para conservá-la sempre criança.

Vendo-a tão meiga, flor que desabrocha, você é, filha amada, minha esperança, menina — ternura, amor em forma de paz.

Hoje, tenho vontade de contar-lhe que casinha de brinquedos, cacos de vidro, colo de árvore baixa e enxurrada deveriam ser o seu mundo.

Que eu brincava assim com meus irmãos, no inesquecível quintal de minha avó.

Que castanha-do-pará, caída do pé, num estalinho gostoso, é prato de festa em batizado de bonecas.

Que sobre os muros lodados, há um, mundo de ovos dourados de borboletas azuis, vermelhas e amarelas...

Que à noite há fadas de longos vestidos brancos, chapéu em cone e varinha de condão ...

E há cogumelos redondos e encantados onde vivem joaninhas e anões.

Que a bruxa de nariz com verruga, vestida de preto, voa todas as noites sobre o telhado, rodando o sono das crianças.

Mas não vou dizer-lhe nada. Não tenho o direito de penetrar neste seu mundo encantado, hoje bem diferente da meninice que vivi. Vou retratar apenas dentro de minha alma, este seu rostinho tão lindo, este cabelo encaracolado a roçar-lhe os ombros, esta vivacidade que me encanta.

E, perpetuando este momento, você será sempre menina para mim. Sua vida, esta ventura, este milagre de ter apenas nove anos.

Sua mãe, aos dezoito de janeiro de mil novecentos e setenta e nove... Santana do Rio São João Acima, hoje Itaúna, Minas Gerais - Pedra Negra 


"Minha Menina"

O texto "Minha Menina" é uma tocante declaração de amor de uma mãe para sua filha em seu nono aniversário. Através de uma narrativa nostálgica e poética, a autora expressa o desejo de eternizar a infância da filha, relembrando a simplicidade e a magia de sua própria meninice. O texto é escrito em um tom pessoal e íntimo, com uma linguagem que mistura simplicidade e lirismo. A estrutura é composta por frases curtas e parágrafos que refletem uma conversa direta com a filha. A mãe descreve suas memórias de infância com detalhes vívidos e poéticos, criando uma atmosfera encantadora e quase mágica.

A linguagem do texto é altamente evocativa, utilizando metáforas e imagens para pintar um quadro vívido da infância. Frases como "flor que desabrocha" e "minha esperança, menina — ternura, amor em forma de paz" demonstram a habilidade da autora em capturar emoções profundas e complexas em palavras simples. A riqueza das descrições sensoriais, como o "estalinho gostoso" da castanha-do-pará, transporta o leitor para o mundo descrito.

Há uma reflexão melancólica sobre o passar do tempo e a impossibilidade de deter o crescimento da filha. A mãe reconhece que não tem o direito de "penetrar neste seu mundo encantado", aceitando que a infância da filha é distinta da sua. Este reconhecimento adiciona uma camada de resignação ao texto, equilibrando a nostalgia com a aceitação.

"Minha Menina" é uma carta que ressoa com amor, nostalgia e a beleza efêmera da infância. Através de uma narrativa poética e envolvente, a autora captura o desejo universal de preservar momentos preciosos e a inevitável aceitação da passagem do tempo. O texto é um tributo à inocência e à magia da infância, celebrando a alegria simples e a imaginação vívida que caracterizam essa fase da vida. Em suma, o texto é um exemplo comovente de como a literatura pode eternizar sentimentos e momentos, oferecendo ao leitor uma janela para as profundezas das emoções humanas.



Referência:

Organização, arte e análise: Charles Aquino 

OLIVEIRA. Maria Lúcia Mendes. Recado (em pedra e pétalas). Luciana Menina, p.49-50.