domingo, junho 15, 2025

O JURAMENTO

No fim do século XIX, em pleno coração do arraial de Sant’Ana do Rio São João Acima — hoje Itaúna, em Minas Gerais — desenrola-se um dos mais expressivos embates públicos da história local: uma disputa moral, administrativa e profundamente pessoal entre quatro figuras ilustres da vila mineira. 

O palco? A Companhia de Tecidos Santanense. Os protagonistas? O reverendo Vigário Antônio Maximiano de Campos, o Coronel João de Cerqueira Lima (gerente da companhia e autor do texto), o acionista Manoel Gonçalves de Souza Moreira e o conselheiro fiscal Francisco Manoel Franco.

O texto intitulado “O Senhor Francisco Manoel Franco e o Seu Juramento”, publicado na Gazeta de Oliveira em abril de 1898, é uma peça documental marcada pela retórica ardente, pela defesa vigorosa da honra e pelo uso do espaço público — no caso, a imprensa — como arena de justiça. Franco jura em plenário pela veracidade das informações — e é justamente esse juramento que dá nome ao texto.

Cerqueira Lima, sentindo-se injustamente acusado de irregularidades na gestão da companhia, redige uma carta aberta à comunidade, na qual reconstitui, com riqueza de detalhes, as tentativas de difamação baseadas em rumores e insinuações não comprovadas. A acusação mais grave? Que o Coronel se abasteceria no armazém da companhia sem pagar pelos produtos, e que teria rendimentos ocultos incompatíveis com sua função.

Diante da Assembleia de acionistas, o Coronel não apenas se defende com dados, documentos e uma narrativa precisa de suas ações, como exige provas. No clímax do embate, a verdade é tensionada com a chegada de uma carta do acionista Manoel Gonçalves — suposto autor da informação — que, tomado de surpresa, revela não ter conhecimento prévio de tal episódio.

Além de relatar esse episódio com detalhes minuciosos, o texto é um excelente exemplar da linguagem de época: solene, rebuscada, repleta de expressões que traduzem a eloquência e o peso moral de se viver numa sociedade pautada pela reputação e pelo prestígio pessoal. A estrutura do discurso é digna das grandes defesas forenses, com introdução, argumentação, provas e clímax dramático. Trata-se, portanto, de um documento que atravessa a mera defesa pessoal — é também um testemunho sobre os valores, os modos de governança e os códigos de honra de uma vila em transformação.

O texto é exemplar da oratória mineira do século XIX, especialmente em contextos de embates administrativos e de honra. Sua ortografia está em consonância com as normas da época. A força do texto está na sua capacidade de dramatizar um conflito ético, utilizando-se de uma retórica formal e cuidadosamente estruturada, que ainda hoje ecoa como documento cultural, lingüístico e histórico.

Convido você, leitor ou pesquisador da história mineira, a conhecer e analisar mais de perto esse embate singular — onde honra, palavra, fé e poder administrativo se entrelaçam num texto digno das grandes batalhas retóricas do Brasil oitocentista.

Venha descobrir como, numa época de poucas testemunhas e de muitos boatos, a verdade encontrava sua melhor aliada na palavra escrita — e como um homem usou a eloquência, a imprensa e o senso de justiça para defender seu nome diante da história.


O SENHOR FRANCISCO MANOEL FRANCO E O SEU JURAMENTO

“Jurar e por na balança da justiça alguma coisa mais do que o próprio nome, a consciência em abono da verdade”

Como gerente da Companhia de Tecidos Santanense, cumpria um dever submetendo a apreciação do muito digno Conselho Fiscal da Companhia, os livros e mais papeis bem como o balanço relativo ao ano administrativo de 1897.

Cumpria ainda um dever respondendo as informações que me foram solicitadas pelo muito digno membro do Conselho Revmo. Vigário Antônio Maximiano de Campos, que, solícito e escrupuloso no desempenho de seu cargo quis este senhor de um modo, orientar-se da origem de alguns títulos do vencimento de alguns empregados e mesmo das condições em que minhas compras no armazém da fábrica, eram efetuadas.

Levar suas pesquisas a este ponto de indagar como eram realizadas as minhas compras no armazém, vi nisso, uma revelação como vislumbre de gravidade; abençoada revelação. O senhor Vigário Campos como membro do Conselho Fiscal da Companhia de Tecidos Santanense, cumpria o seu dever, era fiscal competia-lhe, portanto, ver, examinar, informar-se de tudo e emitir sua opinião.

Lamento que outro tanto não fizesse o digno membro do Conselho, senhor Francisco Manoel Franco; porquanto limitou-se apenas a folhear em silêncio as páginas do Diário, a demorar suas vistas de profissional no balanço e não passou disso; não pediu sequer um esclarecimento.  

Dar-se-ia talvez por satisfeito como o seu escrupuloso exame não carecendo de esclarecimento algum; ou pelo menos contentar-se-ia com os que me haviam sido solicitados pelo Revmo. Vigário Campos, os quais de muito bom agrado forneci.

Dias depois comparecia o digno membro do Conselho Fiscal, senhor Thomaz Antônio de Andrade; a ele foram por mim postos a sua disposição todos os livros e mais papéis bem como o balanço sobre qual cumpria-lhe dar seu parecer etc. Por minha vez chamei atenção desse senhor para que sindicasse com minuciosidade sobre a origem de qualquer lançamento ou procedência de qualquer título que lhe parecesse estranho, declarando-me ao mesmo tempo pronto para fornecer-lhe todo e qualquer esclarecimento que preciso fosse.

O seu exame não foi menos escrupuloso; porquanto orientando [...] financeiro da Companhia e do seu [...] industrial, mostrando satisfeito. Habilitado o Conselho Fiscal a [...] o autorizado parecer, apresentou a Diretoria em 16 do corrente.

A reunião dos dois primeiros membros teve lugar em 11 do corrente, e em 12 fui surpreendido com o que meu respeito havia sido informado, o meu particular amigo Vigário Campos. Quem seria o autor de semelhantes informações? É cedo ainda; e o seu nome não importa.

De fato, uma suspeita que implica a própria desonra pairava de um modo premeditado e covarde sobre meu nome. Ciente pois do que a meu respeito se dizia, ou antes boatos dirigidos, pensados e premeditados por uma só cabeça, fiquei tranquilo e agradeci de bom grado a providência que assim me deparava um justo motivo de explicar com as mais cabais e satisfatórias provas, o timbre de todos os meus atos. Aproximava-se o dia da reunião da Assembleia Geral dos acionistas, convocada para 26 do corrente; belíssima ocasião; ela seria ciente de todos os meus feitos.   

O título “Despesas Gerais” sobre o qual poderia visar alguma suspeita, foi por mim apresentado em conta corrente, objeto por objeto, pagamento por pagamento, ao muito digno membro do Conselho Vigário Campos, em 20 do corrente, ficando a mesma com ele até dia 26. E esta conta não datava só o do ano de 1897, pois vinha desde a data em que assumi a gerência da Companhia em 1895.  Ainda [...] julguei [...] ainda para o mesmo [...] sorte que apresentou todas, poderia a Assembleia julgar-se habilitada a sondar qualquer irregularidade se realmente essa existisse.

Chegou finalmente o dia 26. As 12 horas da manhã assumia a presidência da mesa o acionista Vigário Campos que declarou acharem-se presentes acionistas que representavam 1.249 ações, por conseguinte; mais de um terço do Capital da Companhia.

Aprovado o parecer do Conselho; rejeitada por unanimidade a emenda, que mandava distribuir como dividendo os lucros suspensos, proposta por um dos seus membros, senhor Franco, no respectivo parecer; aprovadas enfim, todas as contas da Companhia, reeleitos os mesmos ficais para o exercício de 1898, eu exercendo um dos mais sagrados deveres, pedi a palavra.

 Senhores Acionistas.

Ciente das referências que a meu respeito foram feitas ao digno membro do Conselho senhor Vigário Campos, referencias que desabonam o meu caráter, a minha reputação, a minha consciência, eu acredito cumprir um dever acrescentando-vos de todo tempo de minha gestão, a origem de todos os meus atos administrativos, a cópia fiel de todos os lançamentos sobre os quais possa haver qualquer suspeita.  Declaro-vos, pois, que, sobre qualquer título, qualquer lançamento, sobre enfim, qualquer ato de minha gestão, acho-me habilitado a demonstrá-lo, a esclarecê-lo, a prová-lo.  

E aqui perante vós, perante quem quer que seja, eu protesto contra semelhantes referências e convido o seu autor a provar-me o que disse, a menos que não queira passar por um caluniador.

Dizer-se que me alimento à custa do armazém da Companhia sem que me sejam debitados os gêneros que careço; dizer-me que as venda da Companhia ou aliás, o seu produto em fazendas, fora por mim confessado em $300 e tantos contos de réis em 1897; dizer-se finalmente que as venda da Companhia no próximo mês de janeiro, foram ainda por acusadas em $50 e tantos contos; Senhores! Isto importa em um abuso de tal ordem, que reclama as vossas mais sérias e mais enérgicas providências.

Eu cumpro um dever apresentando-vos todos os meus atos documentados por uma escrita que não sofreu emendas, e que pelo seu sistema todos os títulos estão harmoniosamente ligados, uns aos outros. Ei-la aí está; examinai-a; sondai esses descalabros dos quais eu peço, eu exijo formalmente a prova. Por minha felicidade achavam-se presentes o enformado e o informante; este apresentou-se finalmente.

Quem havia de ser meu Deus! Um dos membros do Conselho Fiscal, o senhor Francisco Manoel Franco; que boas provas, deve ter; sim porque na sua qualidade de fiscal compete lhe ou pelo menos assiste-lhe o dever de saber, examinar, pedir informações a pessoa competente; ouvir todo e qualquer esclarecimento; fiscalizar, enfim, o erro o descalabro, a mentira e emitir em seu parecer a verdade nua e crua de suas pesquisas.

Vejamos as suas provas: Quem diz o que o senhor se fornece do armazém da Companhia, dos gêneros para seu consumo e que estes não lhe são debitados, são os empregados da fábrica.

Um fiscal de uma Companhia fundar suas provas por um boato, de cujo eu duvido formalmente e tanto que o convido a provar-me declinando o nome ou nomes desses empregados. Mas não isto o senhor Franco não fará de certo; a menos que não queira comprometer a terceiros inocentes. Mas contra essa prova vã indigna de um homem e muito mais de um fiscal, aí tem minha caderneta; mais depressa ela lhe dirá que os gêneros alimentícios ou outros quaisquer que ali compro-me, são debitados pelo custo e carreto com 10% do que de graça.   

Aí está minha conta corrente com a Companhia; vereis por ela que hão de ter sido regulares os pagamentos que tenho feito do armazém da fábrica. Os empregados são que dizem, sim; os empregados da intriga, os empregados da inveja, os empregados da calúnia, digo-lhe eu.

Continuam as suas provas: Que o produto da fábrica de 300 e tantos contos em 1897, ouvi do senhor. De mim? Ainda bem que o senhor fiscal andou desta vez melhor. Disse-lhe então que o produto da fábrica em 1897 foi de 300 e tantos contos? Pois olhe o balanço diz menos; apenas nos demonstra 184 contos e tantos. 

E o que é que vossa senhoria quis pretender com isso? Acaso demonstrar uma lesão em meu benefício próprio de cento e tantos contos! Extraordinária gerência! Não embaraçada por uma crise que fará época na história brasileira, assombra com lucros fabulosos ultrapassando a expectativa ao senhor Franco, mas ao mesmo tempo mesquinha de mais em distribuir dividendos.

Não senhor Franco; o senhor não ouviu isso de mim, afirmo-lhe; porém o que é fato é ter-lhe declarado a produção da fábrica em 1897, em 320 e tantos mil metros de fazendas; e como 320 e tantos mil metros de fazendas, não são 300 e tantos contos, logo o senhor sacrificou a verdade com os seus algarismos exagerados.

Ter-lhe dito também que as vendas da fábrica em janeiro já saiam a 50 e tantos contos, não é certo; porém poderia dizer-lhe, e disto não tenho lembrança e nem sequer me lembro se conversamos a respeito que as nossas vendas inclusive pedidos para aprontar, andavam por cento e tantos fardos. Mas não é só.   

O senhor Franco não satisfeito de pretender mesclar a reputação alheia, de mim que procuro simplesmente nos meus trabalhos, nos meus esforços, de um modo condigno, tornar-me sempre merecedor dos aplausos da minha consciência, da minha família, da sociedade em que vivo, quis ainda ir mais longe comprometendo a terceiros.

Vejamos, vejamos a sua última prova; ela vai ser enérgica, precisa e incontestável:

— Ouvi do senhor Manoel Gonçalves de Souza Moreira, que o senhor contara a senhora deste, ter o senhor como gerente da Companhia de Tecidos Santanense o rendimento anual de vinte e tantos contos, subindo, por conseguinte as suas retiradas a esta importância. O senhor diz que ouviu do senhor Manoel Gonçalves (ainda bem que isto me satisfaz), e eu digo-lhe que o senhor não ouviu do senhor Manoel Gonçalves o que SSª acaba de falar; eu afirmo-lhe em pleno vigor da palavra, com toda energia que vai nesta expressão, o senhor não ouviu.

A um protesto tão formal o senhor Franco em plena Assembleia, surpreendeu-a prestando um juramento, em abono do que acabava de relatar. Jurar! — Eu juro! — quando estas palavras nos saem dos lábios, o homem parece reunir nelas, toda a extensão do seu ser: crenças honra consciência o próprio nome forma o conjunto dessas duas palavras — eu juro. — E o senhor Franco jurou. Não lhe quis dizer que sacrificara o seu juramento: não obstante manifestei-lhe a mesa, que duvidava da sua validade porquanto sabia que tal confidência, não podia ter existido.  

Compreende-se, pois, que o senhor Franco jurou e eu duvidei do seu juramento; a exceção desta confidência — recurso de momento não logrou provar coisa alguma; as suas suspeitas as suas provas, careciam da verdade. Ficou o juramento.

Ora eu tinha duvidado e quem duvida em questões desta natureza, deseja, ou pelo menos assiste-lhe o dever, de documentar as suas dúvidas com provas cabais. Assim foi que dirigi ao senhor Manoel Gonçalves de Souza Moreira, a seguinte carta:

Ilustríssimo senhor Manoel Gonçalves de Souza Moreira.

Convido a Vossa a Senhoria a provar-me a existência de uma confidência por mim feita a vossa Excelentíssima Senhora ... e que versa sobre o seguinte: Ter eu declarado a vossa Excelentíssima Senhora [...] da Companhia de Tecidos Santanense o rendimento anual de vinte e tantos contos, subindo, por conseguinte a esta importância as minhas retiradas.

Faço isto pelo fato de Assembleia Geral de acionistas hoje reunidos, o membro do Conselho Fiscal, senhor Francisco Manoel Franco ter declinado o nome de Vossa Senhoria como transmissores de semelhante confidência. Esperando à vossa resposta, conto que não me será negado fazer dela o uso que me convier. Com apreço me subscrevo.  De Vossa Senhoria, Coronel João de Cerqueira Lima. Sant’Anna, 26 de março de 1898.

Eis a resposta:

Ilustríssimo senhor João de Cerqueira Lima. Acabo de receber, neste momento, a vossa carta datada de ontem e apreso-me em respondê-la. Surpreendeu-me a vossa pergunta, porque nunca falei nem ouvi falar de pessoa alguma que Vossa Senhoria recebia da Companhia Tecidos Santanense vinte e tantos contos de rendimento anuais. E posso garantir-lhe que não sei o quanto Vossa Senhoria tem de vencimento e nem me compete saber; e tenho por hábito não ocupar ou indagar daquilo que não me compete ou não diz respeito meu particular. Pode fazer desta o uso que convier. Subscrevo. Vosso admirador. Manoel Gonçalves de Souza MoreiraBasta estou satisfeito. Sant’Anna de São João Acima 28 de março de 1898.

    

Referências:

Pesquisa e elaboração: Charles Aquino

Hemeroteca Digital Brasileira. Biblioteca Nacional. Jornal Gazeta de Oliveira (MG), 17 de abril de 1898, nº 552, p. 2.  Disponível em: <https://memoria.bn.gov.br/docreader/DocReader.aspx?bib=850420&pagfis=119>.

  

sábado, maio 31, 2025

UM MILHÃO

É com grande satisfação que anuncio um marco significativo na trajetória do Blog Itaúna Décadas: atingimos no mês de maio de 2025, em 13 anos de existência, a notável marca de 1.000.000 (um milhão) de visualizações.

Este feito não apenas atesta o amplo alcance do blog, mas também reforça a relevância do trabalho historiográfico que aqui se desenvolve, voltado à preservação da memória local e regional.

Desde sua criação em 2011, o Itaúna Décadas assumiu o compromisso de sistematizar, difundir e problematizar a história de Itaúna, contribuindo para o entendimento de sua formação social, cultural e econômica. 

Fruto de pesquisa documental e da interlocução com fontes orais, o blog consolidou-se como referência para estudiosos, educadores e cidadãos interessados na trajetória desta cidade que, historicamente, integrou o Sertão de Pitangui e o Centro-Oeste Mineiro.

Importa ressaltar que o Itaúna Décadas funciona como plataforma aglutinadora de diversos projetos colaterais cujos subblogs aprofundam temáticas específicas, tais como:

Ruas de Itaúna: proposta de investigação sobre a história inscrita nos nomes dos logradouros da cidade, que oferece um novo olhar à evolução urbana e toponímica de sua malha viária, refletindo as transformações socioespaciais ao longo do tempo. 

Este estudo também destaca as personalidades que marcaram a trajetória do município, defendendo a preservação da memória e a valorização desses agentes — entre outras figuras relevantes — cuja atuação contribuiu de forma decisiva para o desenvolvimento de Itaúna.

Casa de Caridade de Itaúna: estudo institucional e histórico aprofundado da Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira (Santa Casa), que investiga suas origens, sua estrutura funcional, a trajetória de resistência e os impactos no sistema de saúde e de assistência social local. Essa análise considera as políticas públicas vigentes na província mineira até os dias de hoje.

Afrodescendentes de Itaúna: pesquisa dedicada a identificar, resgatar e divulgar a presença, as estratégias de sociabilidade e a memória das populações afrodescendentes em Itaúna, contribuindo para uma historiografia que amplie a compreensão das dinâmicas étnico-raciais no interior de Minas Gerais.

Resgate da História do Centro-Oeste Mineiro e Sertão de Pitangui: projeto que contextualiza Itaúna no âmbito administrativo e territorial do antigo Sertão de Pitangui, mapeando redes de circulação mercantil, fluxos de escravizados, práticas religiosas e estruturas de poder econômico entre os séculos XVII e XIX.

A consolidação dessas frentes de pesquisa, todas hospedadas sob o domínio itaunaemdecadas.blogspot.com, revela a pluralidade de abordagens que o blog oferece aos leitores. Essa rede de publicações vem sendo construída a partir de leituras de várias fontes primárias—como atas capitulares, registros paroquiais, documentos notariais e periódicos locais—e de um diálogo contínuo com a historiografia regional e nacional.

O alcance de um milhão de visualizações simboliza, em termos acadêmicos, a consolidação de um espaço digital de memória que ultrapassa a simples acumulação de acessos. Trata-se de um indicador de que o público reconhece a importância de recuperar narrativas muitas vezes marginalizadas pelos cânones historiográficos tradicionais — seja a trajetória dos afrodescendentes, o legado das instituições assistenciais, a dinâmica urbana ou as redes de poder econômico que se formaram em torno de “Pedra Negra” (Itaúna) quando parte do antigo Sertão de Pitangui.

Cada visita contabilizada representa um agente interessado em refletir sobre as raízes da comunidade, materializando, assim, o processo de construção de uma identidade coletiva.

Agradeço sinceramente a todos os colaboradores, leitores, parceiros institucionais e fontes orais que, ao longo dos anos, dedicaram tempo e interesse para viabilizar este projeto. O sucesso alcançado é o resultado de múltiplas contribuições: depoimentos de moradores, doações de acervos fotográficos, indicações de documentos e debates estimulantes com pesquisadores locais.

Por fim, reafirmo meu compromisso com o aprofundamento contínuo das pesquisas apresentadas no Itaúna Décadas e, em especial, nos subblogs: Ruas de Itaúna, Casa de Caridade de Itaúna, Afrodescendentes de Itaúna e Resgate da História do Centro-Oeste Mineiro e Sertão de Pitangui. Que este marco de um milhão de visualizações seja um convite renovado à reflexão crítica sobre nossa história, incentivando novos leitores a colaborarem com sugestões, correções e relatos que possam enriquecer ainda mais este espaço. 

Charles Aquino

Historiador - Registro Nº 343/MG

quinta-feira, maio 29, 2025

MANOEL & DONA COTA

Na trajetória de Manoel Gonçalves de Souza Moreira, não há como dissociar sua grandiosidade filantrópica da presença constante e marcante de sua esposa, Maria Gonçalves de Souza Moreira, carinhosamente conhecida como Dona Cota. 

O casal, unido não apenas pelos laços matrimoniais, mas também pela fé e pelo compromisso com a generosidade, protagonizou uma história de parceria, cumplicidade e devoção mútua.

A história do casal Manoel e Dona Cota é um testemunho de que o verdadeiro amor transcende a vida cotidiana e se manifesta em gestos de grandeza. 

Eles não apenas compartilharam uma trajetória comum, mas construíram, juntos, um legado de amor ao próximo, de devoção à caridade e de respeito mútuo.

 Hoje, ao olhar para a Casa de Caridade que leva o nome de Manoel, também se deve recordar a presença silenciosa, mas essencial, de Dona Cota – a mulher que, com sua ternura e força, foi o alicerce do grande homem que Itaúna/MG jamais esquecerá.

LEGADO DONA COTA  ✅

GONÇALVES PELA EUROPA ✅

TESTAMENTO MANOEL GONÇALVES ✅


Arte e texto: Charles Aquino 

sábado, abril 19, 2025

LIBERTOS EM PITANGUI XVIII

Descubra como ex-escravos moldaram a economia no coração de Minas Gerais colonial! Na edição nº 11 da Revista GALO (jan./jun. 2025), o historiador Charles Galvão de Aquino assina o artigo: “Práticas Creditícias: dinâmicas de poder entre libertos em Pitangui no século XVIII”.
Nesta análise minuciosa, o historiador revela como libertos — muitos deles trazidos da África pelo tráfico escravista — participaram ativamente do mercado de crédito na vila de Pitangui. 
O texto mostra que, mesmo após a experiência do cativeiro, essas pessoas exerceram papéis centrais como credores e devedores, demonstrando notável capacidade empreendedora ao oferecer empréstimos, comercializar produtos e construir reputações que garantiam acesso ao crédito.
Mais do que simples sobrevivência, a atuação desses agentes revela formas complexas de inserção social, poder e mobilidade, que incluíam inclusive a aquisição de cativos. Um retrato revelador da contribuição dos libertos para a sustentação das estruturas econômicas e sociais da sociedade colonial.

O artigo nos revela a participação de ex-escravos nas práticas creditícias em Minas Gerais. Considerando que os personagens que aparecem como credores e devedores nos processos de dívidas que o autor analisa eram pessoas que viveram a escravidão, muitos chegados ao Brasil pela migração forçada do tráfico, sua atuação no mercado de crédito demonstra uma incrível capacidade empreendedora, tanto ao fornecer empréstimos ou produtos e serviços à crédito, quanto ao construir reputação para tomar dinheiro emprestado.
Como corolário dessa competência, o autor mostra que egressos do cativeiro frequentemente adquiriram escravos e conclui que os libertos desempenharam um papel essencial na sustentação das relações econômicas e sociais da vila mineira de Pitangui, no século XVIII”.

Curiosidade histórica: O arraial de Santana do Rio São João Acima — atual município de Itaúna/MG — integrava, no século XVIII, a jurisdição da vila de Pitangui, estando sujeito às suas autoridades civis, eclesiásticas e judiciárias.

REVISTA GALO - ED.11/2025

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Dossiê: Formas de liberdades e vidas de libertos no escravismo atlântico

Ano 6, nº 11 – jan./jun. de 2025 – doi: https://doi.org/10.53919/g11

Organização Dr. Afonso de Alencastro Graça Filho; Me. Bruno Martins de Castro e Dr. Carlos de Oliveira Malaquias

O sucesso da historiografia sobre escravidão e liberdade tem demonstrado que as diversas estratégias empreendidas por africanos e seus descendentes – como a alforria, a fuga ou revolta, ou a demanda à justiça – correspondiam a variadas experiências de autonomia, seja como produtor independente, trabalhador subordinado, foragido ou diversas outras formas mais ou menos precárias de liberdade.

Partindo dessas e de tantas outras questões que a temática proposta enseja, objetivamos congregar aqui trabalhos de pesquisa que possam explorar a riqueza e a complexidade das relações sociais, econômicas e políticas que pautaram e conformaram as diversas experiências de escravidões e liberdades no escravismo atlântico, ao longo de sua história. Fitar essa realidade, acima de tudo, permite-nos compreender e problematizar muito daquilo que nos tornamos. Afinal, a intolerância, as desigualdades e o racismo, marcas deletérias de nosso tempo, possuem raízes históricas profundas e sua superação não se dará sem conhecermos os caminhos trilhados até aqui.

sábado, abril 05, 2025

CANSADA

Vivemos num tempo em que parecer forte é mais importante do que ser verdadeiro. Ser cansado virou fraqueza. Pedir ajuda virou drama. Mas e quando o silêncio grita por dentro?

Este poema é sobre isso: sobre o peso de ser forte o tempo todo. Sobre fingir que dá conta, enquanto desmorona por dentro.

Sobre uma sociedade que exige produtividade, mas nega cuidado, escuta e humanidade. 

"Cansada" é um poema que não pede licença. Ele chega como um grito abafado, uma lágrima escondida,

uma verdade que muita gente sente — mas não consegue dizer.

 Ler este poema é também fazer uma escolha: de não romantizar a resistência, e de lembrar que sentir também é uma forma de existir.

Charles Aquino


CANSADA

Cansada de ouvir discursos prontos,

E de responder com educação.

Cansada de calar diante da injustiça,

E de gritar no vazio da multidão.

 

Cansada de fingir que está tudo bem,

Enquanto o mundo pesa sobre os ombros.

Cansada de sorrir para agradar,

E de engolir a própria dor pra não incomodar.

 

Cansada de esperar que algo mude,

Enquanto tudo exige que eu mude primeiro.

Cansada de agir como se tivesse forças,

Quando já me roubaram até o suspiro.

 

Cansada da esperança que vendem,

Como se fosse moeda de troca.

Cansada do trabalho que me suga,

E do retorno que nunca vem.

 

Cansada de sonhar com justiça,

E acordar com a mesma miséria de sempre.

Cansada das promessas dos que mandam,

E da apatia dos que seguem.

 

Cansada de andar com passos firmes,

Só porque esperam firmeza de mim.

Cansada de seguir, sem saber pra onde,

Porque parar virou sinônimo de fraqueza.


Cansada da dor disfarçada em produtividade,

Do alívio vendido em gotas e frases feitas.

Cansada de continuar,

Porque desistir não é uma opção permitida.

 

Cansada de acreditar que mudar depende só de mim,

Quando tudo está armado contra quem nasce com menos.

Cansada da pobreza romantizada,

E da abundância que se gaba de ser meritocrática.

 

Cansada da guerra diária por dignidade,

E da paz que só chega nos discursos de campanha.

Cansada de ser forte todos os dias,

Quando o mundo nunca foi gentil com os fracos.

 

Cansada, sim.

Mas não vencida.

A verdade é:

ninguém deveria precisar ser tão forte assim.

E isso… isso não é só cansaço.

É denúncia.


 Lótus Negra

Escritoras Contemporâneas:

 Elaboração: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.

 

sexta-feira, abril 04, 2025

ITAUNENSE MODERNISTA

Minas também foi moderna: a história esquecida do modernismo fora de São Paulo

Quando se fala em modernismo no Brasil, quase sempre o foco recai sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. É como se tudo tivesse começado ali, com Mário de Andrade, Oswald e companhia. 

Mas será que é justo contar essa história como se outros estados fossem apenas plateia? Minas Gerais, com sua tradição literária riquíssima, também teve papel fundamental nesse movimento — e já passou da hora de darmos a devida atenção a isso.

Em seu artigo “O modernismo mineiro” de 1970 do “suplemento Literário” paulista, o crítico e Professor Fábio Lucas nos convida a olhar para o modernismo sob outro ângulo.

 Ele se apoia em estudos do sociólogo Fernando Correia Dias para mostrar que o modernismo mineiro não foi uma simples réplica do paulista. Pelo contrário: teve vida própria, personalidade forte e raízes bem fincadas no solo mineiro.

Antes mesmo de 1922, autores mineiros como João Alphonsus e Ronald de Carvalho já estavam experimentando formas novas de expressão literária. Em 1921, a obra Panóplia, de Carvalho, já trazia o frescor do novo em um momento em que o modernismo paulistano ainda se organizava. Ou seja, enquanto os refletores ainda nem tinham sido ligados em São Paulo, Minas já respirava modernidade.

Mas o que torna o modernismo mineiro tão especial não é apenas sua cronologia. É a forma como os escritores mineiros conseguiram integrar a tradição local à ousadia estética. Eles não queriam romper com tudo, mas sim reinterpretar — com espírito crítico e linguagem nova — aquilo que fazia parte da alma mineira. 

Um exemplo marcante é a revista Leite Crioulo, idealizada pelo itaunense João Dornas Filho com colaboração de jovens como José de Guimarães Alves. A publicação foi ousada, provocativa, e acabou sendo censurada em 1929 — sinal claro de que mexeu com estruturas conservadoras.

Ainda assim, por que essa história ficou esquecida? Talvez porque os mineiros não fizeram tanto barulho. O modernismo em Minas foi mais silencioso, mais profundo, menos performático — e talvez por isso tenha sido deixado de lado pelas narrativas mais convencionais. Fábio Lucas questiona justamente isso: por que insistimos em contar uma história do modernismo tão centrada em São Paulo, quando há tanta riqueza criativa em outras regiões?

Em suma, revisitar o modernismo mineiro é mais do que um exercício de memória — é um gesto de justiça literária. É reconhecer que a modernidade no Brasil sempre foi plural, diversa e profundamente enraizada nas realidades regionais. Autores como João Dornas Filho, Rosário Fusco, Aquiles Vivacqua, Guilhermino César e Francisco Inácio Peixoto merecem estar no mesmo panteão daqueles que transformaram a literatura brasileira. E mais: merecem ser lidos, discutidos e redescobertos — ao lado dos modernistas mineiros já consagrados como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Pedro Nava, Cyro dos Anjos, Abgar Renault e outros (grifo meu).

No fim das contas, valorizar o modernismo mineiro é valorizar a diversidade cultural do Brasil. É perceber que nossa identidade literária não cabe em um só palco. Minas também foi moderna — e talvez tenha sido moderna à sua maneira, com silêncio, sutileza e força. E isso, convenhamos, é muito mais interessante do que uma história contada pela metade.


Quem é Fábio Lucas?

Fábio Lucas foi um renomado crítico literário, ensaísta e professor mineiro. Autor de dezenas de livros sobre literatura brasileira, especialmente sobre a literatura mineira, ele foi membro da Academia Mineira de Letras (Cadeira 22/1931) e teve atuação destacada na valorização de vozes regionais na crítica literária. Sua obra é marcada por uma visão crítica e plural da cultura nacional, sempre buscando destacar autores e movimentos esquecidos ou marginalizados pela historiografia tradicional.

 Saiba mais 


Referências:

Pesquisa e elaboração: Charles Aquino

Jornal Suplemento Literário, São Paulo, 30 de maio 1970, p.4, Ed.672.

Hemeroteca Digital Brasileira – Biblioteca Nacional 

terça-feira, abril 01, 2025

MANOELZINHO & COTINHA

Conheça o Legado que Transformou Itaúna!

Você já ouviu falar de Manoel Gonçalves de Souza Moreira e Dona Cota?
Eles não foram apenas nomes da história — foram símbolos de amor ao próximo, fé e generosidade que marcaram gerações em Itaúna.

Fundadores da Casa de Caridade Manoel Gonçalves e do Orfanato São Vicente de Paulo, seu legado vive até hoje, inspirando novas ações e tocando vidas.

Assista ao vídeo especial que preparamos e emocione-se com essa linda trajetória de solidariedade, coragem e visão!


Elaboração: Charles Aquino

Apoio: Guaracy de Castro Nogueira (In memoriam)


quinta-feira, março 27, 2025

PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE VI)

 

Temos diante de nós uma chance especial de preservar um marco da nossa história: o Antigo Hospital, a Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira, também conhecida como Santa Casa de Itaúna, em Minas Gerais.

Este prédio, que por tantos anos foi sinônimo de cuidado e acolhimento para nossa comunidade, hoje necessita de nossa atenção/participação para ser restaurado e continuar vivo, contando as histórias de gerações passadas e inspirando as futuras.

A restauração do Antigo Hospital vai além de uma simples obra. É um resgate do nosso patrimônio material e imaterial, uma forma de manter viva a memória de quem somos como povo. 

Imagine caminhar pelas ruas de Itaúna, passar em frente a esse edifício restaurado e sentir o orgulho de saber que você fez parte dessa transformação. Cada pessoa que contribui, independentemente do valor, torna-se peça essencial nessa missão histórica.

A obra de restauração do Antigo Hospital está sendo realizada com verba específica do Patrimônio Histórico Tombado, direcionada pelo Ministério Público, por parlamentares e empresários comprometidos com a preservação desse importante patrimônio. No entanto, para que possamos concluir esse grande feito, garantindo um legado para a saúde de Itaúna e região, toda ajuda é bem-vinda!

Qualquer quantia importa! Seja um real ou mais, cada doação é um passo adiante na reconstrução deste símbolo da nossa cidade. Não é o tamanho do gesto que conta, mas o coração colocado nele. Juntos, com a soma de pequenas e grandes contribuições, podemos devolver ao Antigo Hospital sua dignidade e garantir que ele continue sendo um orgulho para todos nós.

Para facilitar sua participação, aqui estão os dados para doação:

Banco Sicoob: 4101 -  Conta: 5588001-0

Chave PIX: CNPJ Hospital Manoel Gonçalves 2125450570001-97

Doe hoje e seja parte deste resgate histórico. Vamos unir forças para transformar o Antigo Hospital em um legado renovado, um testemunho do amor e da união da nossa comunidade.

 Com gratidão,

Charles Aquino  — Historiador - Registro Nº 343/MG

PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE I)

domingo, março 23, 2025

ITAÚNA PANORÂMICA XX

A fotografia panorâmica de Itaúna/MG, datada da primeira década do século XX, é mais que uma simples imagem; é um testemunho silencioso da cidade que florescia, imortalizada no instante em que a modernidade começava a desenhar novas linhas na história. 

O cenário retratado revela uma Itaúna jovem, mas já marcada por traços profundos de sua identidade, preservados até os dias de hoje. Essa imagem carrega a memória de seus cidadãos e das gerações que ajudaram a construir o município.

Ao fundo, destaca-se a imponente antiga Igreja Matriz de Santana, com seu Cruzeiro erguido no alto. Suas paredes centenárias, testemunhas de inúmeras celebrações, mesmo após a demolição, permanecem vivas na memória da cidade. 

No mesmo local, ergue-se hoje a nova igreja, que continua sendo um ponto de encontro da fé e da esperança em Itaúna.

O Cruzeiro, fincado ali, permaneceu firme por muito tempo como símbolo de resistência e devoção — assim como a própria cidade, que, apesar das transformações, preserva em seu coração os valores e crenças que moldaram sua gente.

O imponente Casarão dos Lima, situado na Rua Silva Jardim, reflete a força econômica e a influência de famílias proeminentes. Suas portas e janelas antigas, que já viram tantos passantes, mantêm viva a conexão com o passado. Cada detalhe daquela construção conta histórias de conquistas e desafios de um município que, por meio da força de seus habitantes, foi ganhando relevância no cenário regional.

A Estação Ferroviária se impõe como símbolo de uma época em que o trem era o motor da modernidade. O som do apito da locomotiva, que no passado cortava o ar da cidade, ainda ecoa na memória de quem viveu aquele período de crescimento e integração.

No centro da imagem, o Grupo Escolar, hoje Escola Municipal Augusto Gonçalves, representa um marco na história educacional de Itaúna. Desde sua construção, tem sido peça fundamental na formação de gerações de cidadãos que contribuíram para o progresso local. Seus tijolos, como os das demais edificações da época, carregam o peso de um passado que, por mais distante que pareça, segue intimamente ligado à identidade dos itaunenses.

Mais ao longe, a Capela de São Miguel, localizada no centro do Cemitério Velho, ergue-se como guardiã da memória dos que partiram, mas deixaram um legado eterno. Singela e serena, reflete a espiritualidade de um povo que, mesmo nos momentos mais difíceis, sempre encontrou consolo e esperança.

Por fim, a Companhia Industrial Itaunense surge como um dos grandes símbolos do progresso e da revolução industrial que marcou o início do século XX. Suas fábricas, movimentadas pelas mãos de inúmeros trabalhadores, não apenas impulsionaram a economia local, mas transformaram Itaúna em um polo de produção e inovação.

Essa fotografia panorâmica não é apenas um registro do espaço, mas uma verdadeira cápsula do tempo. Ao ser observada nos dias atuais, transporta-nos a um passado de suor, fé, luta e esperança. É o retrato de uma Itaúna do início do século XX que, com coragem e determinação, pavimentou o caminho para o futuro. Suas construções permanecem como símbolos vivos de uma história que não será esquecida, mas sempre lembrada por todos aqueles que amam esta cidade.

Com um olhar mais atento, certamente ainda há muitos outros registros a serem descobertos, cada um dialogando com nossa história.


Pesquisa, arte e elaboração: Charles Aquino

Acervo: Guaracy de Castro Nogueira (In Memoriam)

quinta-feira, março 20, 2025

MISSA TRADICIONAL

A Igreja Matriz de Sant’Ana, localizada no coração de Itaúna/MG, é um marco da história e do desenvolvimento do município. Símbolo de fé e tradição, a Matriz tem sido, ao longo dos anos, o cenário de importantes celebrações religiosas que reúnem a comunidade itaunense. 

A missa, como expressão de devoção e encontro, sempre teve papel central na vida dos fiéis.

Em anexo, apresentamos uma fotografia que registra um momento especial da celebração da tradicional missa na década de 1960, preservando a memória litúrgica e cultural da cidade.

Esse registro histórico permite vislumbrar a vivência religiosa da época e a importância da Igreja Matriz de Sant’Ana como ponto de referência para gerações de itaunenses.

Antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), a Missa Católica era tradicionalmente celebrada em latim, com  o sacerdote voltado de costas para os fiéis, seguindo a orientação ad orientem (voltado para o Oriente). Esse posicionamento não significava um afastamento do povo, mas sim uma forma simbólica de todos – padre e fiéis – estarem juntos em oração na mesma direção, voltados para Deus (GUÉRANGER, 2005).

A tradição de celebrar voltado para o Oriente remonta aos primeiros séculos do Cristianismo. Para os cristãos antigos, o Oriente tinha um profundo significado espiritual, pois era associado à luz, à ressurreição e à Segunda Vinda de Cristo, que, segundo algumas interpretações bíblicas, viria do Leste (RATZINGER, 2004). Essa prática foi mantida e oficializada na Missa Tridentina, instituída pelo Concílio de Trento (1545-1563) e codificada pelo Papa São Pio V em 1570.

Além disso, na teologia litúrgica tradicional, o altar era visto como o ponto central da celebração, onde se realizava o Sacrifício Eucarístico. O padre, agindo in persona Christi (na pessoa de Cristo), oferecia o sacrifício a Deus Pai, e a posição ad orientem reforçava essa ideia de direção para o divino, em vez de uma relação meramente horizontal entre o padre e a assembleia (BOUYER, 2017).

Com as reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II, buscou-se uma maior participação dos fiéis na celebração. Assim, a Missa passou a ser rezada na língua local, e o altar foi reorganizado para permitir que o sacerdote ficasse voltado para a assembleia (versus populum). Essa mudança visava tornar a liturgia mais acessível e envolvente, destacando a Eucaristia como um banquete comunitário, além de um sacrifício (GAMBER, 1993).

O Papa Bento XVI, por meio do motu próprio Summorum Pontificum (2007), ampliou a permissão para a celebração da Missa na forma tradicional. No entanto, em 2021, o Papa Francisco revogou essa medida com o documento Traditionis Custodes, restringindo o uso do rito tridentino. Desde então, a celebração da Missa Tridentina só é permitida com a autorização do bispo diocesano, que, por sua vez, deve obter permissão direta de Roma para concedê-la (FRANCISCO, 2021).

Assim, a mudança na posição do sacerdote e as recentes decisões papais refletem não apenas uma adaptação litúrgica, mas também diferentes ênfases teológicas sobre a forma como os fiéis se relacionam com a celebração eucarística ao longo da história da Igreja.


 Referências

Organização, arte e pesquisa: Charles Aquino

BOUYER, Louis. A Eucaristia: Teologia e Espiritualidade da Oração Eucarística. South Bend: University of Notre Dame Press, 2017.

FRANCISCO. Carta Apostólica Traditionis Custodes (Guardiões da Tradição). Vaticano, 2021. Disponível em: https://www.vatican.va. Acesso em: 4 mar. 2025.

GAMBER, Klaus.  A Reforma da Liturgia Romana: Seus Problemas e Contexto.San Juan Capistrano: Una Voce Press, 1993.

GUÉRANGER, Prosper. A Santa Missa. Loreto Publications, 2005.

RATZINGER, Joseph. O Espírito da Liturgia. San Francisco: Ignatius Press, 2004. 

sexta-feira, março 14, 2025

MAIS OU MENOS DIAS?

"Hoje seria mais um, ou menos um dia em nossas vidas?"—tal indagação, revestida de aparente simplicidade, encerra uma profunda inquietude acerca da própria existência. 

Ao questionar se cada dia transcorrido representa uma soma ou uma subtração em nossa trajetória, a frase lança-nos em um labirinto de reflexões sobre a temporalidade, a finitude e o valor que atribuímos ao decurso das horas. 

A resposta, contudo, não se encontra na matemática impassível dos calendários, mas na maneira como optamos por habitar o presente.

Sob a ótica da vida como acréscimo, cada dia se revela como uma oportunidade singular: um novo ensejo para aprender, amar, criar ou transformar. 

Nesta perspectiva, o tempo desponta como um aliado generoso, um solo fértil onde semeamos memórias e colhemos experiências. A cada alvorecer, somos presenteados com a consciência de estarmos vivos, celebrando a existência como uma jornada de expansão, em que cada instante se converte em semente do porvir.

Em contrapartida, se concebermos a vida como uma subtração, cada dia constitui um degrau a menos na ascensão rumo ao inexorável final. Nesse cenário, a morte transforma o tempo em uma ampulheta implacável, e cada grão de areia que se esvai reitera a efemeridade de todas as coisas. 

Ainda que essa visão se apresente carregada de uma melancolia sombria, ela não precisa semear o desespero; pelo contrário, pode instigar-nos a viver com um propósito, recordando as palavras de Sêneca: "Não é que temos pouco tempo, mas que desperdiçamos muito." Aqui, o "menos um" emerge não como derrota, mas como um alerta para que não deixemos os dias escaparem desprovidos de significado.

A dualidade entre "mais um" e "menos um" evidencia, pois, que o tempo transcende sua mera quantificação objetiva, constituindo uma experiência eminentemente subjetiva. Para Henri Bergson, o tempo cronológico—rigorosamente medido pelos relógios—distingue-se radicalmente do tempo vivido, a chamada duração, que se modula conforme a intensidade e o peso emocional de cada momento. 

Assim, um único dia pode revelar-se uma eternidade quando permeado pela paixão, pela dor ou pela descoberta, ou dissipar-se como um breve sopro se atravessado pela indiferença. Dessa forma, a indagação inicial desdobra-se: o que importa não é a contagem dos dias, mas a forma como os tornamos dignos de serem lembrados.

No âmago desta reflexão está o "hoje", termo que ancorou a pergunta e sublinha a urgência do presente. O pretérito já se converteu em história, o futuro se apresenta como uma promessa incerta, mas o presente é o único território onde a vida se desvela em sua plenitude. 

É nele que decidimos se este dia se transmutará em "mais um" na rotina da repetição, em "menos um" na contagem regressiva da ansiedade, ou se, quiçá, transcenderá a lógica numérica, assumindo a singularidade de um instante inefável. Conforme preconizava o existencialismo, o sentido não está predeterminado: somos nós os artífices do significado por meio das escolhas que fazemos no agora.

Em última análise, a pergunta não demanda uma resposta definitiva, mas um posicionamento existencial. Ela convoca-nos a renunciar à ilusão de domínio sobre o tempo e a abraçar a ambiguidade inerente à existência. 

Se um dia é ganho ou perdido, tal veredicto depende menos do destino e mais da profundidade com que o vivenciamos. Como asseverou Fernando Pessoa, "tudo vale a pena se a alma não é pequena." Assim, a verdadeira medida de um dia talvez não resida na aritmética das adições e subtrações, mas na audácia de transmutá-lo em algo que desafie qualquer quantificação—um instante, por ter sido vivido em sua totalidade, que se eterniza no tempo."

"Escritoras Contemporâneas" ✅

Lótus Negra

Arte e design: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.  

 

REMIÇÃO PELA LEITURA

APAC ITAÚNA/MG

O Projeto "Remição pela Leitura" consiste em proporcionar ao recuperando quitar parte de sua pena através da leitura mensal de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras.

A Constituição Federal enfatiza a responsabilidade social, destacando a Dignidade da Pessoa Humana e Cidadania como fundamentos do Estado Democrático de Direito, e que estes direitos devem ser estendidos àqueles em situação de privação de liberdade, sempre partindo da premissa que seus direitos fundamentais não foram suspensos e devem ser resguardados.

Dessa forma, o TJMG instituiu o Projeto "Remição pela Leitura" nas unidades prisionais do estado de MG, como meio de viabilização da remição de pena por estudo, prevista na Lei Federal n° 7.210, de 11 de julho de 1984 (A remição de pena por leitura de livros permitirá a redução de até 48 dias de pena a cada 12 meses). 

Como exemplo, o projeto/parceria foi adotado pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados- APAC de Itaúna/MG (Masculino e Feminino), reforçando seu compromisso com a ressocialização e a reintegração dos recuperandos.

O Projeto "Remição pela Leitura" consiste em proporcionar ao recuperando quitar parte de sua pena através da leitura mensal de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras. A remição da pena é o abatimento dos dias e horas de trabalho ou de estudo do tempo total de condenação do preso.

Resolução Conjunta SEDS/TJMG nº 204/2016 regulamentou o funcionamento desse projeto.

QUEM PODE PARTICIPAR?

Os recuperandos do Sistema Prisional do Estado de Minas Gerais, inclusive nos casos de prisão cautelar, poderão participar das ações do Projeto "Remição pela Leitura", sendo preferencial o atendimento àqueles que ainda não têm acesso ou não estão matriculados no Ensino Formal, Educação Profissional e Trabalho, ofertados e disponibilizados nas Unidades Prisionais do Estado de Minas Gerais.

COMO PARTICIPAR?

A participação do recuperando no Projeto "Remição pela Leitura" será voluntária, mediante inscrição no Núcleo de Ensino e Profissionalização - NEP nas respectivas Unidades Prisionais.

O recuperando que participar das ações no Projeto "Remição pela Leitura" deverá:

I - Realizar a leitura de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras; e II - elaborar uma resenha que será corrigida e avaliada pela Comissão Organizadora.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu que o prazo de leitura de cada obra deve ser de 21 a 30 dias. Cada resenha aprovada pode remir até quatro dias de pena.

Após a aprovação, a resenha será encaminhada ao Juiz responsável pela execução da pena, para análise sobre a concessão da remição ao recuperando.

COMISSÃO ORGANIZADORA DA "REMIÇÃO PELA LEITURA":

As obras serão previamente selecionadas pela Comissão Organizadora - Remição pela Leitura, a ser instituída nas Unidades Prisionais do Estado de Minas Gerais.

A Comissão Organizadora - Remição pela Leitura será composta por, no mínimo, 3 integrantes:

I - Um profissional com nível de escolaridade superior, preferencialmente graduado em Letras; II - um profissional com qualquer graduação superior; III - um profissional do NEP.

A Comissão será presidida preferencialmente pelo profissional graduado em Letras e, na ausência deste, será presidida por profissional com qualquer graduação superior.

Os integrantes assinarão um termo de ciência advertindo da possibilidade de caracterização de crime, na hipótese de se atestar com falsidade um pedido de remição de pena.

COMPETÊNCIAS:

I - relacionar as obras literárias, clássicas, científicas, filosóficas, dentre outras, que compõem o acervo do Projeto "Remição pela Leitura"; II - diversificar, anualmente, os títulos das obras do acervo do Projeto "Remição pela Leitura"; III - orientar os recuperandos do Projeto "Remição pela Leitura" sobre como escrever, reescrever textos e síntese do conteúdo para a elaboração da resenha; IV - corrigir a versão final das resenhas; V - emitir declaração quando solicitada, relativa à leitura das obras literárias, clássicas, científicas, filosóficas, dentre outras, contendo: nome das obras literárias lidas, nota obtida na resenha e quantidade de dias a serem remidos. Esta declaração atestará a participação do recuperando no projeto "Remição pela Leitura". 

Referência:

Pesquisa, arte e elaboração: Charles Aquino

TJMG - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - Projeto Remição pela Leitura

SENADO FEDERAL - NOTÍCIAS

VEJA MAIS:

AESP - Academia Estadual de Segurança PúblicaIntrodução às Normas e aos Procedimentos para Docentes atuantes no Sistema Prisional de Minas Gerais.

APAC / ITAÚNA: UTILIDADE PÚBLICA