Gabriel da
Silva Pereira: o Fundador de Sant’Ana do Rio São João Acima (Itaúna/MG)
A história de Itaúna — antigo arraial de Sant’Ana do Rio São João Acima — nasce das trilhas abertas pelos desbravadores que, no início do século XVIII, deixaram o litoral e adentraram os sertões em busca de ouro, terras e novas devoções.
Entre esses
pioneiros, um nome ergue-se como símbolo da origem da cidade: Gabriel da Silva Pereira, português da província do Minho, homem de fé, minerador, sertanista e fundador do
núcleo que se tornaria o coração de Itaúna/MG.
Mais que um
simples colonizador, Gabriel representou o elo entre dois mundos: o europeu e o
bandeirante, a disciplina régia e a religiosidade popular. Sua trajetória,
assim como a de sua esposa Florência Cardoso de Camargo, descendente direta do
bandeirante João Lopes de Camargo, uniu as tradições de Portugal e São Paulo,
fixando em terras mineiras o início de uma longa linhagem que moldou a
sociedade itaunense.
Gabriel da Silva Pereira era natural de Barcelinhos, freguesia às margens do rio Cávado, no Concelho
de Barcelos, Arquidiocese de Braga, província do Minho, norte de Portugal —
região de antigas tradições rurais e religiosas. Consta, embora sem comprovação
documental definitiva, que era filho do Juiz de Vintena Joaquim Pereira, homem
de posição e influência local.
Chegou ao Brasil
ainda jovem, com menos de vinte anos, no final do século XVII, em meio ao
movimento migratório de portugueses atraídos pelas recém-descobertas minas de
ouro. Por volta de 1720, Gabriel encontrava-se firmemente estabelecido nos
sertões do rio São João, em território que mais tarde formaria Itaúna,
possuindo escravos e trabalhando na mineração aurífera e na ocupação
das margens dos rios São João, Manso e Paraopeba.
Gabriel fixou
residência definitiva na paragem do rio São João, onde ergueu as primeiras
moradias e roças, abrindo a picada que ligava Bonfim a Pitangui, percurso de
dezoito léguas (cerca de 108 km). Essa antiga rota, margeando o rio São João
até a foz do rio Pará, foi o caminho que deu origem ao núcleo do atual
município de Itaúna.
Naquela época, o
sertão mineiro era território de risco e de promessas. Gabriel manteve
estreitas relações com os desbravadores Thomaz Teixeira, Manoel Neto de Mello e
Manoel Teixeira Sobreira, todos ligados à família do bandeirante João Lopes de Camargo — cujas filhas vieram a casar-se com esses pioneiros, estabelecendo
alianças familiares e econômicas que estruturaram o domínio da região.
Florência
Cardoso de Camargo: Herdeira do Sangue Bandeirante
Gabriel casou-se com Florência Cardoso de Camargo, descendente direta do bandeirante João Lopes de Camargo, unindo, assim, as tradições portuguesas de Barcelos ao sangue bandeirante paulista. O casal teve filhos legítimos e também filhos naturais, aos quais Gabriel concedeu terras e dotes, garantindo-lhes sustento e posição.
Entre eles destacam-se Timóteo da Silva Pereira, casado com Antônia Maciel, e Francisca
da Silva Pereira, esposa de Manoel Pinto Madureira, ambos estabelecidos nas
sesmarias do Pará e São João.
Esses filhos e
genros herdaram as propriedades que originaram fazendas, sítios e povoados
rurais que se tornaram o embrião do território itaunense. Os filhos legítimos
receberam as principais terras como dote e herança, perpetuando o patrimônio da
família Pereira-Camargo-Madureira.
Casada com Gabriel
da Silva Pereira em 12 de agosto de 1739, na Capela de São Francisco Xavier,
freguesia de Cachoeira do Campo, Florência Cardoso de Camargo nasceu em 1719,
na Fazenda Ribeirão do Gama, freguesia de São Sebastião (atual distrito de
Bandeirantes, Mariana/MG). Era filha do bandeirante João Lopes de Camargo, um
dos grandes desbravadores do interior mineiro.
Florência faleceu em 25 de setembro de 1800, sendo sepultada na Capela de Santana, em Santana do Rio São João Acima — local onde hoje se ergue a Igreja Matriz de Itaúna, símbolo da continuidade da fé e da memória da fundadora.
Seu inventário, arquivado no Instituto Histórico de Pitangui, teve sentença de
partilha proferida em 22 de novembro de 1834. Entre os descendentes, destaca-se
o Padre José Teixeira de Camargo, que em 1814 figurava como administrador e
testamenteiro, reforçando a vocação religiosa que atravessou gerações.
A tradição local
registra que, por volta da terceira década do século XVIII, Gabriel da Silva
Pereira foi o responsável pela fundação do povoado da “Paragem do São João
Acima” ao erguer um oratório. Esse gesto de fé, típico dos fundadores do
período colonial, representou não apenas um ato devocional, mas o verdadeiro
marco simbólico do nascimento do arraial. Em torno desse templo primitivo
cresceram as casas, as lavras, as famílias e a fé — base sobre a qual se
edificaria o futuro município de Itaúna/MG.
LEGADO
HISTÓRICO
Gabriel da Silva
Pereira recebeu o posto de Sargento-Mor, título dado a homens de reconhecido
prestígio, posses e serviços à Coroa. Em 1724, já figura como irmão da
Irmandade do Santíssimo Sacramento de Cachoeira do Campo, fundada em 1716, o
que confirma sua inserção no universo religioso e político da época.
Em 1741, já como
morador de Cachoeira do Campo, Gabriel obteve uma sesmaria de meia légua em
quadra no Paraopeba, em terras limítrofes às de Manoel Teixeira Sobreira, Manoel
Pereira da Cruz, Domingos de São José e Silva e outros. A carta de concessão
menciona que as medições foram feitas “fazendo pião em um pau grosso de
gameleira”, descrição típica das demarcações coloniais do período.
Posteriormente,
entre 1751 e 1754, recebeu outras duas sesmarias: uma nas cabeceiras do rio São
João, termo de Pitangui, e outra na Paragem do Rio Pará, onde estabeleceu seus
filhos e genros. Nessas terras, desenvolveram-se lavras de ouro, currais e
roças, que se tornariam o embrião econômico e social do futuro arraial de Santana do Rio São João Acima.
Homem de ação,
Gabriel participou de movimentos de defesa e ocupação da região. Em 1758,
organizou uma expedição contra quilombolas, que ameaçavam os primeiros
povoadores de Minas, partindo de Pitangui com conterrâneos portugueses como Antônio
Rodrigues da Rocha, Domingos Gonçalves Viana, Antônio Dias Nogueira e Luiz da
Silva, acompanhados de escravos e guias. O grupo combateu os quilombos entre os
rios Lambari e São Francisco, garantindo a segurança das lavras e das fazendas
e permitindo a posterior ocupação por mineradores e lavradores.
Esses feitos,
reconhecidos pelas autoridades, levaram à concessão de novas sesmarias em
retribuição aos serviços prestados à Coroa, consolidando o prestígio e a
liderança de Gabriel no território que ajudava a moldar.
A atuação de
Gabriel da Silva Pereira não se limitou a Itaúna. Fontes históricas apontam sua
presença decisiva na formação do Espírito Santo do Itapecerica (atual
Divinópolis). Segundo o historiador Flávio Flora, foi ele quem levou a imagem
de São Francisco de Paula, vinda de Ouro Preto, para a nova capela construída
em 1763, e incentivou o crescimento do povoado, já então vinculado às rotas
entre Pitangui, Tamanduá e São João del-Rei.
A narrativa local
preserva a lembrança de que o Juiz de Vintena Joaquim Pereira enviou seu filho,
o Sargento-Mor Gabriel da Silva Pereira, à frente de camaradas e vizinhos, para
fixar moradia e fundar o marco civilizatório na região — o que demonstra seu
papel pioneiro também na expansão de outros núcleos do centro-oeste mineiro.
Na Revista do
Arquivo Público Mineiro (1907, ano XIII, folha 77), consta a existência de uma Capela
de São Vicente Ferrer, situada em sua fazenda, no alto do Morro do Gabriel,
posteriormente substituída, em 1904, por uma capela de pedra erguida no mesmo
local. Esse dado reforça a perenidade de sua influência e a memória devocional
que o nome “Gabriel” manteve na paisagem local por mais de um século.
Durante o século
XIX, os descendentes de Gabriel continuaram entre as famílias mais influentes
da freguesia. Seus nomes aparecem em inventários, batismos e casamentos da
comarca de Pitangui, confirmando sua presença constante no espaço social e
religioso.
Com o passar do tempo, as gerações seguintes fundiram-se com outros troncos
familiares, como os Rodrigues da Silva, Penido, Fonseca, Nogueira e Camargos,
perpetuando a linhagem fundadora até o século XX.
Em 1761, Gabriel
exercia o cargo de Presidente do Senado da Câmara de Pitangui, o que confirma
seu reconhecimento político e econômico. Faleceu provavelmente em 1762, com
cerca de setenta anos, deixando viúva Florência, que sobreviveria mais trinta e
dois anos.
A trajetória de Gabriel da Silva Pereira representa o elo entre o bandeirismo paulista e a fixação
luso-brasileira no interior de Minas. Sua vida reflete o tripé que moldou o
território mineiro: a fé, o trabalho e a posse da terra.
Fundador,
sertanista e devoto, ele não apenas desbravou as matas e as margens do rio São
João, mas lançou os alicerces da comunidade que, séculos depois, daria origem à
cidade de Itaúna — espaço de fé, memória e identidade. Seu nome permanece como
símbolo da coragem e da esperança que ergueram, sobre a antiga picada dos
desbravadores, o coração de uma cidade mineira.
Elaboração e
Pesquisa: Charles Aquino
SILVA, Edward Rodrigues da.
O bandeirante João Lopes de Camargo.
Revista da ASBRAP – Associação Brasileira de Pesquisadores de História e
Genealogia, n. 20, p. 348–350, 2022. Disponível em: https://asbrap.org.br/artigos/rev20_art16.pdf Acesso em: 28 out. 2025.
NOGUEIRA,
Guaracy de Castro. Itaúna em Detalhes - Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa.
Edição: Jornal Folha do Povo, 2003, Fascículos, 6-9, 16-18.
DIOCESE DE DIVINÓPOLIS. Histórico da Paróquia de Sant’Ana – Itaúna. Diocese de Divinópolis, [s.d.]. Disponível em: https://diocesedivinopolis.org.br/historico-da-paroquia-de-santa-ana-itauna/ Acesso em: 28 out. 2025.
Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.
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