O historiador João Dornas Filho, em Itaúna: contribuição para o município (1936), registra que Steinmetz, identificado como “construtor e técnico alemão”, foi o responsável pelo traçado do jardim.
O projeto, contudo, não foi
concluído em sua totalidade à época: apenas uma parte da concepção original foi
inaugurada, revelando tanto as limitações financeiras quanto a ambição estética
da obra.
Dornas Filho ainda destaca um aspecto importante: os fundos para a construção foram obtidos por meio de uma quermesse, que em uma única noite rendeu cerca de quinze contos de réis — valor significativo para a época.
O episódio mostra
como a sociedade itaunense se engajou na criação de um espaço público de lazer
e convivência, articulando a contribuição comunitária ao projeto técnico de
Steinmetz.
Esse
jardim, ainda que posteriormente alterado por reformas urbanas, foi um marco na
modernização da paisagem urbana de Itaúna e constitui a entrada de Steinmetz na
história do paisagismo mineiro.
A história urbana de várias cidades mineiras da primeira metade do século XX está diretamente ligada ao trabalho do paisagista alemão Júlio R. Steinmetz, que se autodenominava “técnico em jardins” e circulava entre Belo Horizonte e o interior de Minas, oferecendo serviços de ajardinamento moderno, arborização e remodelamento de praças públicas.
Seu nome aparece tanto em registros
documentais quanto em propagandas de jornal, revelando não apenas sua atividade
profissional, mas também a forma como se apresentava em um campo que ainda não
tinha regulamentação consolidada no Brasil: o paisagismo.
Na
década de 1930, Steinmetz ampliou sua atuação, deixando registros em várias
localidades:
Campo Belo (1934)
– participou do novo traçado da Praça Cônego Ulisses, atribuído à sua
orientação paisagística.
Lavras (1936–1937)
– apresentou ao prefeito Pedro Salles o projeto de reforma da Praça Dr. Augusto
Silva, que incluía tanque ornamental de 8 × 5 metros, caminhos e plantas
aquáticas, sendo a obra iniciada em 1937.
Andradas (1936) –
documentos fotográficos do Arquivo Público Mineiro mostram o “Jardim Público de
Andradas” em construção e depois concluído, com carimbo de Steinmetz – Technico
em Jardins em Belo Horizonte/Minas.
Uberlândia (1938) –
contratado pelo interventor Vasco Giffoni, elaborou o projeto de remodelamento
da Praça Tubal Vilela, concebida em estilo classicizante, com quadrículas de
canteiros, eixos de circulação, lago ornamental e seleção de espécies vegetais.
Steinmetz
soube explorar os meios de comunicação de sua época. Em jornais e revistas
regionais, publicava anúncios oferecendo seus serviços como especialista em
ajardinamentos modernos, destacando-se pela atuação em praças públicas, parques
e arborização em geral, “segundo os mais modernos princípios de urbanismo”.
Um
desses anúncios, datado dos anos 1930, registra sua presença em Uberlândia,
hospedado no Palace Hotel, embora sua sede principal fosse em Belo Horizonte
(Caixa Postal 335). O texto revela tanto o caráter itinerante de seu ofício —
deslocando-se conforme as encomendas — quanto sua tentativa de associar seu
trabalho às tendências mais avançadas do urbanismo e paisagismo da época.
Essa
oscilação entre os títulos de “paisagista” e “técnico em jardins” mostra que
sua identidade profissional transitava em um período em que a disciplina do
paisagismo ainda não possuía formalização acadêmica no Brasil.
Os
projetos de Steinmetz revelam predileção por um estilo formal e classicizante,
com ênfase em geometria, simetria e ordenação de canteiros. Fontes, lagos,
coretos, bustos e arborização ornamental eram elementos recorrentes em suas
propostas. Esse repertório europeu dialogava com os ideais de modernização
urbana das cidades mineiras, que buscavam dotar seus centros de praças
ajardinadas como símbolos de progresso e civilidade.
Sua
contribuição foi, portanto, duplamente significativa: embelezou as cidades com
espaços de lazer planejados e introduziu conceitos de desenho urbano que
marcaram a fisionomia de Minas nas décadas de 1920 a 1940.
De
nacionalidade alemã, Steinmetz radicou-se em Minas Gerais, onde construiu toda
a sua carreira. No entanto, sua vida terminou de forma trágica. Em 2 de
fevereiro de 1956, em seu escritório em Belo Horizonte, Steinmetz atentou
contra a própria vida, vindo a falecer às primeiras horas da madrugada
seguinte. Apesar da intervenção médica e de uma operação de emergência, não
resistiu.
A
repercussão foi grande: jornais de Belo Horizonte e até do Rio de Janeiro
noticiaram o episódio, o que demonstra a notoriedade que alcançara como
profissional. Steinmetz tinha apenas 54 anos. Foi sepultado no Cemitério do Bonfim, em Belo Horizonte, na sepultura nº 263 da quadra 35.
Legado
Embora
sua morte precoce tenha interrompido uma carreira promissora, o legado de
Steinmetz permanece vivo nos espaços que ajudou a desenhar. Mais do que um
simples executor de jardins, o paisagista alemão foi um mediador entre tradição
europeia e modernidade brasileira, traduzindo, em praças mineiras, os ideais de
beleza, ordem e progresso que marcaram a urbanização do início do século XX.
No
município de Itaúna, a Praça passou, ao longo dos anos, por diversas
denominações: Largo da Matriz, Praça João Pessoa, Praça Mário Matos, Praça Benedito Valadares e, atualmente, Praça Dr. Augusto Gonçalves. Cada nome guarda
em si um fragmento da memória coletiva, refletindo os diferentes contextos
políticos, sociais e culturais que marcaram a trajetória da cidade.
O
espaço ainda preserva traços significativos da concepção original de Steinmetz,
perceptíveis a um olhar atento, que confirmam sua relevância como testemunho da
história urbana e cultural de Itaúna. Assim, a Praça, popularmente conhecida
como “Praça da Matriz”, permanece como símbolo central da vida pública,
um espaço que acompanha as transformações do tempo e que, a cada mudança,
conserva e transmite uma parte da rica história local.
Em
Itaúna, sua marca está ligada à memória da Praça Dr. Augusto Gonçalves,
concebida a partir de um esforço coletivo da comunidade aliado à técnica
europeia que ele representava. Em Lavras, Uberlândia, Andradas e Campo Belo, as
praças por ele remodeladas se tornaram símbolos de identidade local e pontos de
referência na vida urbana.
Dois
aspectos, por si só, justificam a urgência desse reconhecimento: a presença de
uma majestosa "Caesalpinea ferrea", plantada em 1935 pelo então prefeito
Arthur Contagem Vilaça, que se tornou verdadeiro cartão-postal da praça; e o
fato de que, em breve, esse logradouro completará um século de existência,
carregando consigo a memória, a tradição e o afeto de várias gerações de
itaunenses.
Assim como já ocorre em outras cidades mineiras, onde praças projetadas ou remodeladas por Steinmetz foram reconhecidas e protegidas como patrimônio histórico, a Praça da Matriz de Itaúna também merece ter seu valor oficialmente consagrado por meio do tombamento.
Esse gesto garantiria não apenas a
preservação material do espaço, mas também a salvaguarda de sua dimensão
simbólica, assegurando que sua história e sua identidade coletiva permaneçam
vivas para as gerações futuras.
Referências:
Realização, pesquisa e arte: Charles Aquino
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Fundo João Dornas Filho, série fotografias, “Jardim Público de Andradas – obras concluídas/construção”, 27 ago. 1936. Belo Horizonte: APM.
CEMITÉRIO DO BONFIM. Registro de sepultamento de Júlio R. Steinmetz,
sepultura nº 263, quadra 35. Belo Horizonte/MG. Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/1:1:7BYT-BTPZ?lang=pt. Acesso em: 19 set. 2025.
CORREIO DA MANHÃ. Engenheiro
urbanista Júlio R. Steinmetz falece em Belo Horizonte. Rio de Janeiro, 4
fev. 1956. p. 5.
DORNAS FILHO, João. Itaúna: contribuição para a história do
município. Belo Horizonte: [s.n.], 1936. p. 93.
JORNAL DE LAVRAS. História
da Praça Dr. Augusto Silva. Lavras, 2020. Disponível em: https://www.jornaldelavras.com.br/instagram/instagram/index.php?c=16556&catn=1&p=10&tc=4. Acesso em: 19 set. 2025.
NOGUEIRA, Guaracy de Castro. Homenagem ao 60º aniversário da ordenação
sacerdotal do Pe. José Ferreira Neto. Itaúna: Vile Editora e Escritório de
Cultura, 1997. p. 60-61.
PREFEITURA MUNICIPAL DE
UBERLÂNDIA. Praça Tubal Vilela –
Patrimônio Histórico. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura e
Turismo, s.d. Disponível em: https://www.uberlandia.mg.gov.br/prefeitura/secretarias/cultura-e-turismo/patrimonio-historico/bens-tombados-e-registrados/praca-tubal-vilela/. Acesso em: 19 set. 2025.
STEINMETZ, Júlio R.. Anúncio publicitário em jornal: “Especialista em ajardinamentos modernos”. Década de 1930. Localização: coleção de jornais mineiros (Uberaba/Uberlândia).