quinta-feira, agosto 31, 2017

CHORADEIRA NA PASSAGEM DE NÍVEL


No final dos anos cinquenta e até meados da década de sessenta, a cerveja preferida dos itaunenses era a Brahma. Vinha do Rio de Janeiro em caminhões. A Antártica, fabricada na av. Oiapoque, onde se localiza o Shopping Oi em Belo Horizonte, era muito ruim.
Tinha o nome de "Portuguesa" e fora lançada em homenagem ao presidente português Craveiro Lopes, por ocasião de sua visita ao Brasil. Além de ruim, era engarrafada em "cascos verdes”. Um pecado para os bons bebedores.
O caminhão da Brahma era aguardado com ansiedade. Mais ainda: era véspera de carnaval e o líquido dourado não podia faltar.
Apareciam cervejas estranhas. Uma feita em Juiz de Fora, de nome Weiss Export, mais parecia uma água de batata. Apareceu também a Serramalte, hoje ressuscitada. Antártica boa, só as fabricadas em São Paulo e nunca apareciam na cidade.
O suspense era grande e o caminhão nunca que chegava. Os estoques nos bares e botequins estavam baixos. Os bebedores faziam até promessa. Ficar sem beber uma semana em sacrifício, para que a cerveja não faltasse.
Numa tarde, o caminhão apontou lá pelas bandas da cooperativa nova. Um pouco mais, estava em Itaúna, descarregando no depósito dos Irmãos Guimarães.
Na passagem de nível, aconteceu o desastre. O trem da Rede apanhou o caminhão Chevrolet Brasil na traseira e o arrastou trilhos afora.
Tudo destroçado. Os engradados eram de madeira e as garrafas de vidro. Por sorte, nada aconteceu ao motorista. Da carga de cerveja, pouco ou quase nada restou. Uma tragédia.
A notícia se espalhou como rastilho de pólvora. Os amantes da bebida desceram a Silva Jardim em cortejo. Foram chorar " in loco" a catástrofe. A saída foi amargar a "Portuguesa", engarrafada na beira do ribeirão Arrudas. Ou então, beber Cuba Libre, Hi Fi ou Gin Tônica. Carnaval sem bebida, nem pensar.


*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 30/08/2017.
Acervo: Shorpy


terça-feira, agosto 29, 2017

EMPRESA IRMÃOS LARA

(clicar na imagem)

São 10 causos sobre a história dos Irmãos Lara, empresa de ônibus que antecedeu a Viação Itaúna na linha de Itaúna a Belo Horizonte (registro 1029 no DEER/MG):
 1. Sebastião Lara, o Tiãozinho Lara, figura conhecida em Itaúna, é filho do Sebastião de Morais Lara, um dos proprietários da Empresa Irmãos Lara, detentora da linha até 1960. Francisco (Chiquito), Paulo, Geraldo (Batista), José (Tiduca ou Duca Lara) e Teodoro de Morais Lara eram irmãos e sócios.
 2. Ainda como sócios da empresa de ônibus os irmãos Lara adquiriram dois caminhões que puxavam lenha de Mateus Leme a Belo Horizonte, um táxi e um posto de combustíveis em sociedade com os primos Lara Rezende, em Betim.
 3. Os Lara Rezende eram proprietários da linha de Betim a Belo Horizonte antes da Viação Santa Edwiges.
 4. Teodoro (mecânico) e Batista (motorista) gostavam mesmo de puxar lenha nos caminhões.
 5. Antes de 1960 os Irmãos Lara também adquiriram o direito de explorar a linha de Santanense ao Centro.
6. Após a venda da linha de Itaúna, Tiãozinho e Chiquito Lara adquiriram uma fazenda de 65 hectares na região de Angicos. As propriedades rurais pertencem à família até hoje.
7. Ao embarcar no ponto então na Praça Dr. Augusto Gonçalves, os passageiros ficavam satisfeitos ao saber que Tiãozinho seria o motorista pela viagem. Ele era elogia pela ao volante das empoeiradas jardineiras.
8. A empresa Irmãos Lara possuía uma frota de seis ou sete jardineiras, atenta a memória de Tiãozinho. Todas modelos Chevrolet.
 9. As jardineiras faziam paradas em Mateus Leme e em Francelinos (Juatuba). Um horário buscava leite numa fazenda de um primo em Juatuba.
 10. A maior dificuldade na viagem de Itaúna a BH era superar as curvas e o cascalho da estrada do Morro Grande (região do atual pedágio). A MG-050 só viria a ser asfaltada em 1967.


Referências:
Pesquisa: Bruno Freitas
Organização: Charles Aquino
Fotografia: Jornal Folha do Oeste, 1950.
Acervo:  Instituto Cultural Maria Castro Nogueira

segunda-feira, agosto 28, 2017

BAR DO ZÉ PINTO

O bar do Zé Pinto ficava na rua da Ponte. Aliás, nunca soube o nome da rua da Ponte e tampouco lembro-me de nenhuma ponte no lugar. Parte da cidade a ser visitada com cuidado. Naqueles tempos de " turmas" de rua, era preciso ter cuidado por lá. Tinha a turma do Mário "Coqueiro", esperto e bom de briga, temor de toda a molecada de meu tempo.

Rua sem calçamento, característica da maioria das vias, vielas e becos daquele tempo. Calçamento só nas partes nobres de Itaúna, feito com paralelepidos ou " pé de moleque". Não importava. A cidade tinha poucos carros e no tempo de chuva não chegava a ter muita lama. Na seca, pouca poeira. Falta de carros e caminhões.

Creio que o bar do Zé Pinto era o único da região. Razoavelmente bem montado, com cerveja, cachaça e refrigerantes servidos no balcão. Nada de mesas para conforto da freguesia. Sem lugar de assentar, a demora por lá era pouca. Giro mais rápido da mercadoria.

Para nós, ainda adolescentes, o bar era uma beleza. Tinha uma bela mesa de sinuca, de marca Brunswick, bem forrada de pano verde e tacos sem "empeno". Um espetáculo.

Não nos era permitido jogar nos bares do centro da cidade. Proibido pelo Juiz de Menores e fiscalizado pelos poucos policiais do destacamento. Sinuca naqueles tempos, só de mesa grande. No Bar Santana, que ficava na praça Augusto Gonçalves, na Petisqueira na rua Silva Jardim e no Bar Rodoviário, debaixo do sobrado do Sebastião Lara, na praça, esquina da rua Cel. Francisco Manoel Franco.

Os donos não nos permitiam jogar. Zé Pinto era camarada. Jogávamos sem restrições, desde que não houvesse apostas e algazarras.

Por lá, nos aprimoramos nas bolas de efeito, contra ou a favor. Nas " puxadas" e nas " seguidas" e nos segredos das tabelas. Mesa de boa qualidade, de tampo de ardósia, bem nivelada e sem descaídas. Bolas de marfim, para sinuca e para o jogo de " duzentos".

Diversão sadia, livre dos perigos do Juizado e do delegado " Tião Secreta". Acobertados pelo Zé Pinto e sem correr risco de sermos corridos de lá pelo Mário Coqueiro e seus companheiros. Bons tempos no final dos anos cinquenta. Que Deus tenha o Zé Pinto em bom lugar. Ele merece. 

 

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 28/08/2017.

Organização e arte: Charles Aquino

Acervo: Shorpy



sexta-feira, agosto 25, 2017

A IMPRENSA ITAUNENSE

A imprensa em Itaúna foi um fato que precedeu a todas as vitoriosas inciativas que vieram colocar o município numa respeitável posição econômica no Estado.
Antes da primeira indústria e antes da emancipação política administrativa, já existia aqui um magnífico órgão de imprensa. Era o “CENTRO DE MINAS”, cujo primeiro número saiu em 1890, sendo seu fundador Manoel Gonçalves de Sousa Moreira.
Bem analisada, verifica-se que a história desta comuna começa exatamente naquele ano. A partir dele é que o distrito de Santana de São João Acima levanta-se para se impor no cenário mineiro. Estavam nessa ocasião solidamente entrelaçados e formando um único bloco, as gerações dos Gonçalves e Nogueiras, pioneiros da civilização itaunense em todos os setores e atividades.
Dos inúmeros jornais, alguns tinham um fundo exclusivamente literário como “ASTREIA” “A VIOLETA”, “O SEMEADOR, “A ESCOLA”, VOZES DOS ESTUDANTES” e “LIBERDADE”. Os demais sempre reservaram páginas inteiras para matéria desta natureza, mas foram sobretudo noticiosos, principalmente dos assuntos locais.
Pelo humorismo suave e oportuno de que eram cheias as suas páginas, se destacaram: “O ZUM ZUM”, “O FURÃO” e “O AVANTE”.
“FOLHA AZUL” que se publicou em 1896, tinha a originalidade de ser redigida em verso e a particularidade de ter o tamanho de “VOSSA SENHORIA”, o minúsculo jornalzinho que hoje se publica em Belo Horizonte, vangloriando-se de ser o menor jornal do mundo...
Na quase totalidade os jornais itaunenses foram semanários e tiveram o formato 32.
Os jornais que tiveram maior número de anos de duração foram “CENTRO DE MINAS”, “MUNICÍPIO DE ITAÚNA, “O ITAÚNA”, “TRIBUNA DO OESTE”, “ITAUNA” e “FOLHA DO OESTE”.
Houve sempre nos jornais daqui uma tendência para a adoção de pseudônimos.
Materialmente a imprensa constituiu sempre um pesado ônus, mas nunca levou vencidos os seus idealistas. Nunca houve profissionais. Seus realizadores foram operários que sacrificaram as horas reservadas a um justo descanso, para confeccionar a matéria. Mantida sempre com sacrifício, mas nunca derrotada, vaia imprensa itaunense cumprindo o seu destino histórico na vanguarda dos grandes acontecimentos.


CRONOLOGIA DOS JORNAIS ITAUNENSE
JORNAL
DATA
DIREÇÃO
Centro de Minas
1890-1897 (1ªfase)
Manoel Gonçalves de Sousa Moreira
A Violeta
1896-1897
Aureslina de Faria e outros
Astréia
1896-1898
Joaquim Marra da Silva
Folha Azul
1896-1897
Clube Literário Progressista
O Itaúna
1902-1906
Ladislau Gonçalves
Município de Itaúna
1904-1909
Dr. Augusto de Sousa, Thomás de Andrade e Francisco de Araújo Santiago
Centro de Minas
1921-1922 (2ª fase)
Francisco Araújo Santiago, Mário Matos e Hidelbrando Clark
Tribuna do Oeste
1925-1927
Mário Matos, Dr. Antônio de Lima Coutinho, Dr. Dorinato Lima, Dr. Afonso dos Santos, Dr. Lincoln Machado e Dr. Ovídio Machado
O Itaunense
1929 (1ªfase)
A. Couto Vale
O Vicentino
1920
Irmandade de São Vicente
O Minuto
1927-1928
Maria de Cerqueira Lima e Ivolina Gonçalves
O Furão
1930-1935
Jesus Drumond, Mário Soares, João do Centro, Victor Gonçalves, Geraldo C da Cruz, Dimas F da Cruz, Fajardo Nogueira e Hermínio Gonçalves.
Itaúna
1931
Hely Nogueira Jr., Dr. Lima Coutinho, dr. Pereira Lima, Edwar Nogueira e José Santiago.
Zum Zum
1922-1926
Mário Matos, José Santiago, João Dornas e Hidelbrando Clark
O Semeador
1932-1933
Pe. Inácio Campos
A Escola
1932-1934
Órgão da escola Normal de Itaúna
Vozes dos Estudantes
1932-1933
Nair Gonçalves, Maria da Silva e Yole Araújo
Jornal de Itaúna
1932-1935
Viriato Fonseca, João Batista de Almeida e Waldemiro T. Santos
O Avante
1938-1940
Sebastião Nogueira Gomide, dr. João Gonçalves Nogueira, dr. Paulo Dias Corrêa, Hilton Gonçalves, prof. Anselmo Barreto, prof. Viriato Fonseca
A Mocidade
1944-1945
Raimundo Corrêa de Moura e Osmar Barbosa
O Itaunense
1945
Oscar Dias Corrêa
Tribuna Itaunense
1949-1950
Antônio Tarabal, Milton Penido, Célio Soares de Oliveira, Ary Vieira Porto, Lauro Antunes de Morais
Folha do Oeste
1944
Sebastião Nogueira Gomide, Amadeu Porto, Antônio Dornas de Lima, Yara Tupinambás, José de Cerqueira Lima, dr. Lincoln Nogueira Machado e José Valeriano Rodrigues
Liberdade
1949-1951
Edson D’Amato, Órgão do Colégio Sant’Ana e Escola Técnica de Comércio Santana.


REFERÊNCIA:
Texto: Raymundo Corrêa de Moura
Pesquisa: Charles Aquino
Revista Acaiaca: org. Celson Brant. Belo Horizonte, ano 1954, p.169,170, 171 e 172.
Acervo Documental: Arquivo Público Mineira. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/jornaisdocs/photo.php?lid=130602


domingo, agosto 20, 2017

CIGARRO, GARRAFA E COMPRIMIDO


Nunca soube o seu nome de família. Todos que o conheciam tratavam-no pelo prenome e o apelido Onofre"Bacalhau”. Alcunha óbvia, era magro, quase transparente. Em chuva de pingos grossos era capaz de caminhar entre eles sem se molhar. Tinha outra característica ímpar. Tinha o estopim muito curto. Aliás, nem tinha: explodia por qualquer motivo.
Proprietário de um barzinho numa rua que começava numa pracinha em frente a antiga venda do Serafim (rua Silva Jardim), descia e depois subia, atravessando o Córrego da Praia. O botequim era ao lado da casa do Tiaca, uma ótima figura, casado com Luzia Narcisa. Raça boa de gente do Calambau.
Vou narrar três histórias curtas do Onofre, duas presenciadas por mim. A terceira, marcou época na cidade.

PRIMEIRA HISTÓRIA: CIGARRO PICADO
Estávamos no boteco tomando cachaça e cerveja. O Bacalhau, além de dono, também participava. A roda estava animada e Onofre não queria ser aborrecido por fregueses. Foi aí que entrou um cliente e indagou: "Onofre, tem cigarro picado?
Resposta do Bacalhau: " só maço fechado. Se quiser, tem Continental, Beverly e Lincoln". O freguês insistiu: será que não dá pra abrir um maço e me vender três cigarros?  Já nervoso, Onofre respondeu: " não dá não e não insista"!!!
Teimoso o comprador insistiu. " Só três Beverly, não quero comprar muito. Estou tentando largar o vício".
De imediato, Bacalhau levantou-se da mesa, abriu um maço, apanhou três cigarros, pegou uma faca bem grande e picou os três, bem miúdos no balcão. Ato contínuo, apanhou a " maçaroca" e colocou tudo no bolso da camisa do insistente e disse raivoso: " toma o cigarro picado. E nem precisa pagar"!!!

SEGUNDA HISTÓRIA: TRÊS GARRAFAS
A segunda história, também passada no botequim, aconteceu com o caminhão de cerveja. Naqueles tempos, não existiam cervejas em lata e tampouco as embalagens descartáveis. Para comprar a bebida, o dono do bar tinha de entregar engradados e garrafas vazias, para repor o vasilhame cheio.
Onofre pediu quatro engradados. O entregador contou o vasilhame e deu falta de três garrafas. Argumentou que em tal hipótese, só podia entregar três engradados. O comerciante argumentou que era freguês conhecido e reporia as garrafas faltantes na próxima compra. O entregador não cedeu.
Na terceira tentativa infrutífera, Bacalhau pegou o vendedor de cerveja pelos ombros e o assentou em uma cadeira, dizendo em seguida:  " já que não pode ser assim e eu não posso ficar sem a bebida, fica assentado aí e espere. Em seguida me chamou para compartilhar a cerveja. Vamos beber três garrafas.
 Quando terminarmos, o engradado estará completo. Assim foi dito e assim foi feito. Bebemos calmamente, apreciando cada gole.

TERCEIRA HISTÓRIA: COMPRIMIDO RUA ABAIXO
A terceira história aconteceu na Farmácia Nogueira. Onofre chegou no balcão e pediu uma aspirina. Estava com uma dor de cabeça terrível. O caixeiro, novo no estabelecimento, pegou o comprimido, deu o preço e indagou solicito: " o senhor quer que eu embrulhe? Resposta imediata do Bacalhau: " não precisa. Eu vou rodando o comprimido rua abaixo" !!!

Aí vão três historinhas. Duas são verídicos. Eu presenciei. A terceira, faz parte do folclore da cidade.
*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 20/08/2017.
Acervo: Shorpy


JOÃO "COISA BOA"



Morava na rua Direita, hoje Av. Getúlio Vargas, pegado a venda do Josias, pouco abaixo do fim da rua Boavista. Seu sobrenome eu nunca soube. Tais adereços não faziam falta no interior. Às vezes, até complicava.
Tinha uma profissão que exigia competência e o apuro em vários ofícios. Era ferreiro, carapina e carpinteiro. Sabia lavrar uma madeira com maestria. Um pau roliço, com pouco tempo ficava quadrado. No machado, com golpes certeiros e rápidos. Dava gosto vê-lo trabalhar. Sua ocupação principal: fabricava carros de boi, galeotas para cabritos e carretões. Consertava carros avariados, trocava paus de coice", consertava rodas e trocava eixos e cocões. Aliás, nos cocões, residia o segredo dos carros de boi. Bem acertados, fazia o carro cantar com boniteza. Coisa de preceito que exigia prática e competência.
Não gostava dos carroções de rodas raiadas eixos de ferro. Fazia, consertava e trocava rodas. Nos carroções faltava a poesia do carro clássico, de roda maciça, ferrada a cravos feitos na forja e calçamento com aro de ferro, também cravado com peças forjadas.
Trabalhava com machado, engenho de serra, serras manuais enxó, formões, arco de pua, trados e ferro quente.
A roda do carro era uma obra de engenharia. Várias peças de madeira eram aparelhadas no enxó encaixadas umas nas outras, formando um círculo.  Depois dos encaixes e fixação de uma peça a outra, vinha o principal. O arco de ferro, malhado na forja era devidamente dilatado no fogo, até ficar vermelho em brasa.
Hora de colocar o arco na roda. Era a peça que dava fixação final. Encaixada a marretadas, era depois resfriada. O arco encolhia e prensava as peças. Por fim, vinha a fixação dos cravos em toda extensão do arco.
Era um ofício em extinção. O carro de bois transportava tudo e não carecia de estrada. Entrava nas roças, puxava milho, cana, areia, tijolo pedra e tudo mais que fosse necessário. Era o jipe caipira.
João "Coisa Boa" fazia jus ao nome. Boa praça de plantão, sempre alegre e prestativo. Oficina aberta, de frente para a rua, sem portões ou porteiras. Carros de boi estacionados na rua direita. Ajudante, só tinha um. O próprio filho que dele herdou a fidalguia e a profissão.
Uma excelente figura que marcou época em Itaúna. Para finalizar: tive a honra de conviver com ele e privar de sua amizade. Melhor não podia ter sido.


*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 20/08/2017.
Acervo: https://cdn.serounaosei.com/wp-content/uploads/20170803114332/carro-de-boi.jpg



PROFESSORA GRACIANA



Graciana Coura de Miranda nasceu em Rio Casca/MG, em 31 de março de 1914.
Fez o curso primário em São Domingos do Prata/MG, para onde sua família se mudou em 1917, no Grupo Escolar "Cônego João Pio". A cidade não tinha curso ginasial. Estudou com freiras francesas, trazidas para o município pelo médico Hildeberto Lellis, nos anos vinte do século passado. Em 1929, foi mandada para Viçosa/MG, estudar na Escola Normal Nossa Senhora do Carmo, em regime de internato.

Prestou exames de suficiência para o curso de normalista. Mesmo não tendo estudos regulares, conseguiu ser aprovada. Eram cerca de trinta candidatas, todas com o ginasial completo. Somente ela passou nos exames.
No mesmo ano ingressou no curso, terminado em 1931, como primeira aluna da turma.

Na volta de Viçosa para São Domingos do Prata, em viagem de caminhão o veículo sofreu acidente. O motorista era seu irmão. A jovem professora sofreu várias fraturas e ficou seis meses convalescente. Restabelecida, foi lecionar em Rio Piracicaba, para onde tinha sido nomeada.

Casou-se com José Mendes Vasconcelos, em 1938. Em 1942, com a aposentadoria do diretor do Grupo Escolar, foi indicada para a direção da escola. Na época era a mais jovem diretora de escola primária em Minas Gerais.

Em 1944 foi transferida para São Domingos do Prata. Em 1945, de comum acordo com o marido, resolveu mudar-se para Belo Horizonte onde pretendia continuar os estudos, cursando Administração Escolar no Instituto de Educação. A mudança era necessária, pois o esposo tinha um diagnóstico de uma patologia ocular, desde 1940, que poderia incapacita-lo. Ficou totalmente cego em 1951. Tinha quarenta e dois anos de idade.

Em Belo Horizonte cursou Administração Escolar em 1946/1948. Quando foi transferida para a Capital tinha quatro filhos. Em BH, nasceram mais dois.
No início de 1949 deixaram Belo Horizonte. D. Graciana tinha sido nomeada diretora do Grupo Escolar "Monsenhor Bicalho", em Alvinópolis/MG. A escolha coube ao marido em virtude de parentes e amizades no lugar.

Ficaram pouco tempo na cidade. Perseguições políticas (UDN x PSD ) ocasionaram a remoção da jovem diretora. Foi para Coimbra/MG. Cidade muito pequena, sem perspectivas fizeram com que o casal e os filhos e se mudasem para Itaúna, onde chegaram em fevereiro de 1951. Na cidade, assumiu a diretoria do Grupo Escolar "Souza Moreira", em Santanense.

Em 1956, por indicação do prefeito municipal Milton de Oliveira Penido, D. Graciana foi trazida para a sede do município, com a incumbência de implantar o Jardim de Infância "Ana Cintra", uma das primeiras escolas infantis do interior de Minas.

Ao mesmo tempo, assumiu a cadeira de Didática e Prática de Ensino na Escola Normal Oficial de Itaúna.

Na terra de Sant'Ana, trabalhou quase trinta anos ininterruptos. Lecionou para várias gerações e foi querida e cultuada por crianças e adultos. Entusiasta da profissão, dizia sempre que ensinar é arte e bons professores se formam no "assoalho da sala de aula". Nunca deixou de lado a Educação Continuada. Nas férias, fazia cursos de aprimoramento no Instituto de Educação em Belo Horizonte.

Em 1959, foi escolhida para um estágio de seis meses na Capital. Participou do PABAEE - Programa Brasileiro-Americano de Assistência ao Ensino Elementar. Eram quinze bolsistas, de todo o Brasil, sob a orientação da especialista mineira Magdala Lisboa Bacha e da americana do norte Louella Keithan.

Declinou do convite para estudar por seis meses nos USA, em razão dos compromissos familiares. Desde a chegada da família em Itaúna, ela era arrimo da família em virtude da invalidez do marido.

Em 1981, ela e o esposo se mudaram da cidade, fixando residência em Belo Horizonte.

Graciana Coura de Miranda morreu em Belo Horizonte em 6/12/97. Seu esposo tinha falecido em janeiro de 1995.

Trabalhou quase meio século como funcionária pública. Nunca gozou férias-prêmio e nunca esteve de licenças, exceto aquelas motivadas por gravidez.



COLABORADORES:

José Silvério Vasconcelos Miranda (Urtigão) - Filho da Professora Graciana

Charles Aquino

terça-feira, agosto 15, 2017

ROSÁRIO PARA TODO SEMPRE


Estive no fim de semana em Itaúna. Bem recebido por vários e fiéis amigos, dedicamos todo o dia do sábado, 15/07/2017, a " jogar conversa fora". Um dia inteiro de " toilette mental", sem compromisso com esposas e com horários. Exercício contra a demência e o temido Mal de Alzheimer, que assola gente de nossa idade. Deveremos fazer outras reuniões e exercitar com mais assiduidade o bom e velho hábito de conversar.
Diferentemente de outras viagens a Itaúna, um dos meus cicerones levou-me gentilmente a vários lugares da cidade, nos quais pude identificar pontos marcados do meu passado e ainda, observar o progresso do município.
Estivemos no Morro do Rosário e lá, surpreendi-me com uma estátua do Cristo Redentor, que me pareceu uma novidade marcante. Nada contra o Cristo e sua efígie. Sou católico (desleixado) e mesmo que não fosse, não teria a temeridade de insurgir-me contra o Jesus de Nazaré. Afinal, a favor dele existem mais de um bilhão de criaturas, fiéis à religião ensinada por ele. Se tal não bastasse, sempre é bom lembrar que ele também é venerado pelos muçulmanos, que somam mais um bilhão e meio. Sem dúvida, o filho de Deus, criado por um carpinteiro meu xará na Palestina, é uma unanimidade.  
Pelo meu anfitrião, fiquei sabendo também que depois que erigiram a estátua do Cristo no alto do Rosário, existem alguns em Itaúna, em vez de chamarem este local histórico de Morro do Rosário, denominação consagrada, com mais de duzentos anos de uso, quer chamar, ou talvez, mudar o local de “Morro do de “Morro do Cristo”.  
 Novidade, no meu sentir, despropositada e bajuladora. Cristo não precisa de salamaleques e tampouco de agrados. Existem estátuas do Redentor em variados lugares, com ênfase para o Rio de Janeiro, lugar onde reina soberano há muitas décadas. Clones existem por toda parte. Até em Belo Horizonte, perdido num bairro distante, depois do Barreiro.
Na cidade maravilhosa, não trocaram o nome do Corcovado, depois da construção da estátua mais famosa da cidade e do Brasil. Por lá, o Corcovado não perdeu seu nome de batismo. O Morro do Rosário em Itaúna tem uma bela tradição. Tradição de festas de Reinado, que se estendiam por quase uma semana, culminando no dia quinze de agosto, data na qual o catolicismo celebra a Assunção de Nossa Senhora. Assunção da mãe de Jesus, levada aos céus por anjos, para fazer companhia ao filho ilustre. Por favor, não troquem o nome do morro. Tenho certeza que nem o próprio Jesus aprovaria a mudança.

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 15/08/2017.