domingo, agosto 20, 2017

JOÃO "COISA BOA"



Morava na rua Direita, hoje Av. Getúlio Vargas, pegado a venda do Josias, pouco abaixo do fim da rua Boavista. Seu sobrenome eu nunca soube. Tais adereços não faziam falta no interior. Às vezes, até complicava.
Tinha uma profissão que exigia competência e o apuro em vários ofícios. Era ferreiro, carapina e carpinteiro. Sabia lavrar uma madeira com maestria. Um pau roliço, com pouco tempo ficava quadrado. No machado, com golpes certeiros e rápidos. Dava gosto vê-lo trabalhar. Sua ocupação principal: fabricava carros de boi, galeotas para cabritos e carretões. Consertava carros avariados, trocava paus de coice", consertava rodas e trocava eixos e cocões. Aliás, nos cocões, residia o segredo dos carros de boi. Bem acertados, fazia o carro cantar com boniteza. Coisa de preceito que exigia prática e competência.
Não gostava dos carroções de rodas raiadas eixos de ferro. Fazia, consertava e trocava rodas. Nos carroções faltava a poesia do carro clássico, de roda maciça, ferrada a cravos feitos na forja e calçamento com aro de ferro, também cravado com peças forjadas.
Trabalhava com machado, engenho de serra, serras manuais enxó, formões, arco de pua, trados e ferro quente.
A roda do carro era uma obra de engenharia. Várias peças de madeira eram aparelhadas no enxó encaixadas umas nas outras, formando um círculo.  Depois dos encaixes e fixação de uma peça a outra, vinha o principal. O arco de ferro, malhado na forja era devidamente dilatado no fogo, até ficar vermelho em brasa.
Hora de colocar o arco na roda. Era a peça que dava fixação final. Encaixada a marretadas, era depois resfriada. O arco encolhia e prensava as peças. Por fim, vinha a fixação dos cravos em toda extensão do arco.
Era um ofício em extinção. O carro de bois transportava tudo e não carecia de estrada. Entrava nas roças, puxava milho, cana, areia, tijolo pedra e tudo mais que fosse necessário. Era o jipe caipira.
João "Coisa Boa" fazia jus ao nome. Boa praça de plantão, sempre alegre e prestativo. Oficina aberta, de frente para a rua, sem portões ou porteiras. Carros de boi estacionados na rua direita. Ajudante, só tinha um. O próprio filho que dele herdou a fidalguia e a profissão.
Uma excelente figura que marcou época em Itaúna. Para finalizar: tive a honra de conviver com ele e privar de sua amizade. Melhor não podia ter sido.


*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 20/08/2017.
Acervo: https://cdn.serounaosei.com/wp-content/uploads/20170803114332/carro-de-boi.jpg



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