Morava
na rua Direita, hoje Av. Getúlio Vargas, pegado a venda do Josias, pouco abaixo do fim da rua Boavista.
Seu sobrenome eu nunca soube. Tais adereços não faziam falta no interior. Às
vezes, até complicava.
Tinha
uma profissão que exigia competência e o apuro em vários ofícios. Era ferreiro,
carapina e carpinteiro. Sabia lavrar uma madeira com maestria. Um pau roliço,
com pouco tempo ficava quadrado. No machado, com golpes certeiros e rápidos.
Dava gosto vê-lo trabalhar. Sua ocupação principal: fabricava carros de boi,
galeotas para cabritos e carretões. Consertava carros avariados, trocava paus
de coice", consertava rodas e trocava eixos e cocões. Aliás, nos cocões,
residia o segredo dos carros de boi. Bem acertados, fazia o carro cantar com
boniteza. Coisa de preceito que exigia prática e competência.
Não
gostava dos carroções de rodas raiadas eixos de ferro. Fazia, consertava e
trocava rodas. Nos carroções faltava a poesia do carro clássico, de roda
maciça, ferrada a cravos feitos na forja e calçamento com aro de ferro, também
cravado com peças forjadas.
Trabalhava
com machado, engenho de serra, serras manuais enxó, formões, arco de pua,
trados e ferro quente.
A
roda do carro era uma obra de engenharia. Várias peças de madeira eram
aparelhadas no enxó encaixadas umas nas outras, formando um círculo. Depois dos encaixes e fixação de uma peça a
outra, vinha o principal. O arco de ferro, malhado na forja era devidamente
dilatado no fogo, até ficar vermelho em brasa.
Hora
de colocar o arco na roda. Era a peça que dava fixação final. Encaixada a
marretadas, era depois resfriada. O arco encolhia e prensava as peças. Por fim,
vinha a fixação dos cravos em toda extensão do arco.
Era
um ofício em extinção. O carro de bois transportava tudo e não carecia de
estrada. Entrava nas roças, puxava milho, cana, areia, tijolo pedra e tudo mais
que fosse necessário. Era o jipe caipira.
João
"Coisa Boa" fazia jus ao
nome. Boa praça de plantão, sempre alegre e prestativo. Oficina aberta, de
frente para a rua, sem portões ou porteiras. Carros de boi estacionados na rua
direita. Ajudante, só tinha um. O próprio filho que dele herdou a fidalguia e a
profissão.
Uma
excelente figura que marcou época em Itaúna. Para finalizar: tive a honra de
conviver com ele e privar de sua amizade. Melhor não podia ter sido.
*Urtigão
(desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em
Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog
Itaúna Décadas em 20/08/2017.
Acervo:
https://cdn.serounaosei.com/wp-content/uploads/20170803114332/carro-de-boi.jpg