domingo, abril 08, 2018

COPLAS AFRO

COPLAS AFRO-BRASILERIAS
João Dornas Filho — 1935


Maria, marra os cabelos
boia goma no tundá
vamos pra beira do rio
ver os peixinhos nadar.


Quem foi que matou quindimba
pra fazer um timbiri?
Se não fosse tatú-peba,
quindinha não tava aqui.


Eu sou aquele menino
que nasceu  no mês de maio,
cumprindo sina de pobre,
passando muito trabaio.


Quem dera ser feito a aranha
daquelas que tecem pano,
pra tecer os seus cabelos
que vivem me maltratando


MEMORIAL JOÃO DORNAS 


Análise “Coplas Afro-Brasileiras" de João Dornas Filho

João Dornas Filho publicou "Coplas Afro-Brasileiras" em 1935, uma época em que a literatura brasileira estava muito voltada para a busca de identidade nacional. Este período, pós-modernista, viu um movimento em direção à valorização das raízes culturais brasileiras, incluindo as influências africanas. O título "Coplas Afro-Brasileiras" sugere um foco nas tradições afro-brasileiras, o que é relevante para entender o contexto e a intenção do autor.

O poema é composto por quatro estrofes de quatro versos cada uma (quadras), o que é típico das "coplas" - uma forma poética tradicional que remonta à Península Ibérica, mas aqui adaptada ao contexto afro-brasileiro. A métrica é simples, e o ritmo é marcado por rimas alternadas (ABAB), conferindo musicalidade e leveza ao texto. A linguagem usada por Dornas Filho é coloquial e rica em termos de origem africana, como "tundá" (talvez referindo-se a um tambor ou dança) e "tatú-peba" (um tipo de tatu encontrado no Brasil). Este uso de termos regionais e africanos não só enriquece o texto, mas também reforça a autenticidade e a vivacidade cultural das personagens retratadas.

Cotidiano Afro-Brasileiro: A primeira estrofe mostra uma cena simples e bucólica do cotidiano, com Maria preparando-se para ir à beira do rio. Esse retrato de uma vida simples e conectada à natureza é um tema recorrente na literatura que busca valorizar as tradições populares.

Identidade e Origem: Na segunda estrofe, há uma referência a "quindimba" e "timbiri", que são elementos cuja significação exata pode não ser clara para todos, mas que evocam uma forte sensação de identidade cultural específica. A menção ao "tatú-peba" também é uma alusão à fauna local e às práticas culturais afro-brasileiras.

Sofrimento e Resiliência: A terceira estrofe é mais introspectiva, com o eu lírico refletindo sobre sua condição de vida. Nascido "no mês de maio", tradicionalmente um mês associado a Maria e à maternidade, e "cumprindo sina de pobre", o poema toca em questões de pobreza e destino, comuns em narrativas afro-brasileiras que refletem as dificuldades enfrentadas por essa comunidade.

Desejo e Frustração: A última estrofe usa a imagem da aranha que tece para expressar um desejo profundo de conexão e cuidado. A metáfora de tecer os cabelos de alguém amado, que "vivem me maltratando", sugere tanto uma relação de desejo quanto de dor, uma dualidade comum na poesia de amor. 

Cabelos: Frequentemente associados à identidade, beleza e cultura na tradição afro-brasileira, os cabelos aqui simbolizam não só o amor e o cuidado, mas também as dificuldades e os desafios de se conectar profundamente com outra pessoa.

Aranha e Tecer: A aranha é um símbolo tradicional de paciência, habilidade e criatividade. Comparar-se a uma aranha que tece é expressar um desejo de habilidade e paciência para lidar com os desafios emocionais.

"Coplas Afro-Brasileiras" de João Dornas Filho é um poema que, através de uma estrutura simples e uma linguagem rica em elementos culturais, oferece um vislumbre da vida e da identidade afro-brasileira. Ele capta as nuances do cotidiano, os desafios da pobreza, o desejo e a resiliência, tudo isso enquanto celebra a riqueza cultural e as tradições. A combinação de temas universais com elementos específicos da cultura afro-brasileira faz deste poema uma obra significativa no panorama literário brasileiro.


COPLA

Dicionário Michaelis.
— Poesia espanhola de cunho popular, com estrofes curtas, geralmente cantada com acompanhamento de música improvisada.
— Estrofe formada por quatro versos octossílabos, com rima obrigatória nos versos pares.

Dicionário Dicio  
— Pequeno poema lírico de inspiração popular, constituído geralmente por uma estrofe rimada de quatro heptassílabos; quadra, trova.



Arte: Gabriel Aquino
Organização, pesquisa e análise: Charles Aquino
Fonte: Jornal A Defesa, Oliveira 17 de fevereiro de 1935, nº 158, p.2.