segunda-feira, dezembro 16, 2024

PROFESSOR CÁSSIO GONÇALVES

Conheça a História Inspiradora de Cássio Gonçalves: Um Ícone de Itaúna e do Brasil.
 Sua trajetória é marcada por desafios vencidos com coragem, lutas sociais e dedicação à justiça e à democracia. 
   Sua infância foi moldada por desafios pessoais, como a perda precoce da mãe, e por oportunidades educacionais proporcionadas pela família e pela comunidade. 
   Essa base sólida de valores o guiou ao longo de sua vida como advogado, professor, sindicalista, parlamentar e magistrado.

 Cássio estudou em escolas públicas de Itaúna e posteriormente no Colégio Loyola, em Belo Horizonte, recebendo uma formação jesuíta que influenciou profundamente seus valores éticos. Formou-se em Direito na Universidade Católica de Minas Gerais, onde também lecionou por muitos anos.

  Atuou como advogado sindical, defendendo trabalhadores durante o regime militar. Foi um dos protagonistas da histórica greve dos metalúrgicos de Contagem em 1968 e participou ativamente da resistência contra o autoritarismo.

 Eleito deputado estadual e federal, destacou-se por seu compromisso com os direitos trabalhistas e pela participação na campanha das Diretas Já, um marco na redemocratização do Brasil. Sua atuação sempre priorizou pautas sociais, reforçando sua luta por uma sociedade mais justa. Após anos de dedicação à advocacia e à política, ingressou na magistratura como Juiz do Trabalho, ampliando seu impacto no sistema de justiça brasileiro. 

  Cássio Gonçalves foi uma figura que levou os valores de sua cidade natal para os mais altos níveis de representatividade nacional. Com ética e determinação, ele deixou um legado de transformação social e inspiração para novas gerações. Sua história demonstra como a força de vontade e o compromisso com a justiça podem impactar comunidades locais e nacionais.

Convidamos você a conhecer e se aprofundar na história desse grande itaunense, um exemplo de dedicação à justiça e à coletividade. Essa é uma oportunidade única de explorar a vida de um cidadão que marcou a história de Itaúna, Minas Gerais e do Brasil!

 

PROFESSOR CÁSSIO GONÇALVES

Cássio Gonçalves nasceu em 20 de agosto de 1937, na cidade de Itaúna, Minas Gerais, em uma casa pertencente à Companhia de Tecidos Santanense, onde seu pai era gerente. Ele foi o quarto filho de Augusto Gonçalves de Souza e Petrina Guimarães Gonçalves. Aos quatro meses de idade, perdeu a mãe, vítima de tifo, e foi criado por uma tia, a quem chamava de "mãe". Essa figura materna desempenhou um papel crucial em sua criação, proporcionando estabilidade emocional e influenciando significativamente seu desenvolvimento. A ligação de sua família com a Companhia de Tecidos Santanense, fundada por membros da família, reflete o contexto social e econômico no qual Cássio cresceu, marcado pela presença de uma classe industrial emergente em Itaúna. Esse ambiente contribuiu para moldar sua percepção sobre organização social, trabalho e progresso.

Cássio iniciou sua educação em escolas públicas de Itaúna, onde experimentou o valor da educação enquanto ferramenta de mobilidade social e transformação. Ainda jovem, seu pai mudou-se para Belo Horizonte na década de 1930, mas ele permaneceu em Itaúna sob os cuidados da tia, até que, em 1948, ela decidiu levar Cássio para a capital mineira para que ele tivesse acesso às mesmas oportunidades educacionais que seus irmãos. Em Belo Horizonte, ele ingressou no Colégio Loyola, onde recebeu uma formação jesuíta que moldaria sua visão de mundo e seus valores éticos. Essa formação destacou a importância de combinar a educação intelectual com um compromisso ético, algo que influenciaria sua vida pessoal e pública.

No Loyola, Cássio concluiu o curso ginasial e científico. Apesar de considerar-se um aluno medíocre, ele demonstrava um crescente interesse pelas questões sociais e pelos debates éticos. Por orientação prática, decidiu cursar Direito na Universidade Católica de Minas Gerais, onde sua formação foi aprofundada por aulas de Filosofia ministradas pelo Padre Orlando Vilela e de Cultura Religiosa pelo Padre Viegas. Esses professores o introduziram a discussões sobre ética, justiça e o papel do cristão na sociedade. Foi também na universidade que Cássio deu os primeiros passos em sua militância política, ingressando no movimento estudantil. Convidado por colegas da Juventude Universitária Católica (JUQUE), ele se tornou vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e, posteriormente, assumiu a presidência. Essa experiência consolidou suas habilidades de liderança e o aproximou de debates sociais mais amplos.

A infância e formação de Cássio Gonçalves foram marcadas pela combinação de desafios pessoais, como a perda precoce da mãe, e oportunidades proporcionadas por sua família e pela educação. Sua trajetória em Itaúna e Belo Horizonte moldou valores como resiliência, coletividade e um profundo compromisso com a justiça social, que o acompanhariam ao longo de sua vida. Esses primeiros anos foram fundamentais para construir a base ética e intelectual que guiaria sua atuação como advogado, educador e político.

Durante o período universitário, Cássio Gonçalves consolidou sua formação política e social, marcando o início de sua militância ativa. Estudando Direito na Universidade Católica de Minas Gerais, ele foi profundamente influenciado pelas aulas de Filosofia e Cultura Religiosa, que abordavam temas como justiça, ética e o papel social do cristão. Essas reflexões, somadas à formação jesuíta que recebeu no Colégio Loyola, reforçaram sua visão de que a fé e a ação social estavam interligadas. Cássio encontrou no movimento estudantil uma plataforma para articular essas ideias, ingressando na Juventude Universitária Católica (JUQUE), que era parte de um movimento maior vinculado à Ação Católica.

Convidado por colegas da universidade, Cássio tornou-se vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e, posteriormente, assumiu a presidência. Essa posição o colocou em contato com temas centrais do debate político e social da época, como a campanha “O Petróleo é Nosso” e a luta por uma educação acessível e de qualidade. Foi também nesse período que ele estreitou laços com outras lideranças estudantis e religiosas, como Betinho (Herbert José de Souza) e Vinícius Caldeira Brant, figuras influentes no cenário nacional. Sua atuação estudantil o preparou para os desafios políticos que enfrentaria nos anos seguintes.

Os anos 1960 foram marcados por intensa radicalização ideológica, tanto no Brasil quanto no mundo, o que refletiu diretamente na trajetória de Cássio. O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi um divisor de águas para a juventude católica, trazendo uma nova abordagem sobre o papel da Igreja na luta por justiça social. Esse contexto influenciou diretamente Cássio, que se aproximou dos dominicanos, grupo que defendia um compromisso cristão mais engajado com as questões sociais. Contudo, a Ação Católica, enquanto instituição religiosa, restringia a participação em atividades políticas formais, levando Cássio e outros militantes a migrarem para a Ação Popular (AP), criada em 1961. A AP buscava integrar os valores cristãos a uma agenda política mais ampla, voltada para a justiça social e os direitos dos trabalhadores.

Nesse ambiente de intensa polarização, Cássio enfrentou desafios ideológicos significativos, incluindo disputas com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que dominava parte dos sindicatos e movimentos sociais. Enquanto os comunistas baseavam suas ações em uma visão marxista, Cássio e seus colegas da AP defendiam o cristianismo social como uma alternativa viável para combater as desigualdades. Apesar das diferenças, havia momentos de colaboração estratégica, especialmente nas eleições sindicais, onde alianças temporárias eram necessárias.

A militância estudantil e política de Cássio não foi apenas um campo de aprendizado prático, mas também um espaço para desenvolver sua habilidade em liderar e negociar. Ele desempenhou um papel crucial na articulação de jovens católicos e movimentos sociais em prol de mudanças estruturais na sociedade brasileira. Essa fase de sua vida, marcada pela transição da juventude católica para a política institucional, solidificou seus valores éticos e comprometeu-o definitivamente com a luta por justiça social, sendo um prelúdio para sua atuação sindical e parlamentar nos anos seguintes.

A atuação sindical de Cássio Gonçalves foi um marco em sua trajetória, destacando seu compromisso com os direitos dos trabalhadores em um dos períodos mais difíceis da história brasileira: o regime militar. Em 1963, ele iniciou sua atuação como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, além de representar sindicatos de trabalhadores mecânicos e de material elétrico. Seu trabalho o colocou na linha de frente da defesa de categorias importantes, especialmente durante a repressão que se intensificou após o golpe militar de 1964.

Com o advento do golpe, os sindicatos enfrentaram intervenções do regime, que buscava neutralizar qualquer forma de oposição organizada. Em 1964, Cássio perdeu temporariamente sua posição no sindicato devido a uma dessas intervenções, mas em 1967 retomou sua atuação como advogado sindical. Nesse período, ele também começou a articular estratégias de resistência ao autoritarismo, conectando-se com trabalhadores e movimentos sociais que buscavam manter vivas as reivindicações por melhores condições de trabalho e justiça social. Seu papel foi ampliado pela conexão com a Ação Popular (AP), movimento que já havia se destacado em disputas sindicais, derrotando o Partido Comunista em algumas eleições.

Um dos episódios mais marcantes de sua atuação sindical foi sua participação na greve dos metalúrgicos da Belgo-Mineira em 1968. A greve, que começou na trefilaria da Belgo-Mineira, em Contagem, surpreendeu tanto os líderes sindicais quanto o governo, marcando a primeira grande paralisação por reivindicações salariais desde o golpe. Os trabalhadores tomaram o controle da fábrica e detiveram diretores da empresa, uma ação ousada que aumentou a tensão e atraiu a atenção das autoridades. Como advogado do sindicato, Cássio foi chamado a intervir, desempenhando um papel crucial na mediação do conflito. Ele conseguiu negociar a liberação dos diretores, o que evitou uma escalada ainda maior e manteve o foco da greve nas reivindicações salariais.

A greve da Belgo-Mineira rapidamente se espalhou para outras indústrias, incluindo a Mannesmann, e chamou a atenção do governo federal. O ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, entrou em contato diretamente com os líderes sindicais, incluindo Cássio, para tentar encontrar uma solução. As negociações resultaram na concessão de um abono salarial emergencial de 10% para todos os trabalhadores brasileiros, uma vitória significativa que demonstrou a eficácia da organização sindical em um contexto de repressão.

Cássio também enfrentou os desafios ideológicos dentro do movimento sindical. A coexistência de diferentes correntes, como comunistas e cristãos, exigia habilidade para navegar pelas divergências e construir alianças estratégicas. Sua liderança contribuiu para consolidar os sindicatos como espaços de resistência e organização, mesmo sob a constante vigilância do regime militar. Além das greves e das negociações, Cássio sofreu diretamente as consequências da repressão política. Essa experiência reforçou seu compromisso com os trabalhadores e fortaleceu sua visão sobre a importância da resistência em tempos de adversidade.

A atuação sindical de Cássio Gonçalves deixou um legado duradouro para os trabalhadores e para a história do Brasil. Ele foi não apenas um advogado, mas um estrategista e articulador, capaz de transformar lutas locais em movimentos com impacto nacional. Sua dedicação aos sindicatos e sua capacidade de mediar conflitos, mesmo em um cenário de repressão, o posicionaram como uma liderança ética e eficaz, comprometida com a construção de uma sociedade mais justa. A experiência acumulada durante esses anos seria fundamental em sua futura atuação parlamentar, onde continuaria a defender os direitos trabalhistas e a justiça social.

O golpe militar de 1964 foi um divisor de águas na vida de Cássio Gonçalves, transformando sua atuação política e pessoal em uma jornada de resistência e resiliência. Até então, ele acreditava na força dos movimentos sociais e na capacidade de mobilização dos estudantes, trabalhadores e organizações como a Ação Popular (AP), da qual fazia parte. Contudo, a brutalidade do regime autoritário e a repressão que se seguiu surpreenderam Cássio e seus colegas, revelando a fragilidade das estruturas de oposição frente ao golpe.

O golpe trouxe consigo uma série de intervenções em sindicatos e organizações sociais, que foram desarticulados pelo regime militar. Em maio de 1964, Cássio foi preso em Belo Horizonte, sendo levado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e posteriormente transferido para a penitenciária Estevão Pinto. Sua prisão foi marcada pela violência e pela arbitrariedade, refletindo a ausência de qualquer respeito às garantias legais. Cássio descreveu o momento como um dos mais difíceis de sua vida, não apenas pelo trauma pessoal, mas também pela incerteza sobre o futuro de sua família e de sua luta política.

Apesar disso, sua esposa, Beatriz, desempenhou um papel fundamental na busca por sua libertação, utilizando contatos familiares e políticos. A intervenção de um general e, ironicamente, do então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, foram decisivas para sua soltura. Mesmo assim, o período de prisão deixou marcas profundas em Cássio, reforçando sua determinação de continuar resistindo ao autoritarismo.

Enquanto enfrentava a repressão direta, a Ação Popular também sofria com o confisco de documentos e a vigilância crescente. O escritório de advocacia de Cássio, que servia como base para as atividades da AP, foi invadido pelas autoridades, e todo o material relacionado à organização foi apreendido. Essa ação não apenas prejudicou a estrutura do movimento, mas também expôs seus membros, aumentando os riscos de novas prisões e perseguições.

Apesar das adversidades, Cássio não abandonou a luta. Ele participou ativamente da proteção de colegas perseguidos, como no caso do deputado Dazinho, que escapou da Assembleia Legislativa após ser cercada pela polícia militar. Dazinho encontrou refúgio temporário na casa de Cássio e de outros membros da rede de solidariedade, antes de ser preso novamente. Esse episódio exemplifica a união e o comprometimento das lideranças opositoras, mesmo diante do risco constante.

Além das ações diretas de resistência, Cássio permaneceu ativo no campo sindical, utilizando sua experiência jurídica para defender trabalhadores e articular mobilizações em um ambiente cada vez mais hostil. Ele compreendeu que, em tempos de repressão, os sindicatos e os movimentos sociais precisavam se reorganizar para garantir que a voz das classes trabalhadoras não fosse silenciada.

O período que se seguiu ao golpe de 1964 foi marcado pela intensificação da repressão, especialmente após o Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 1968, que consolidou o autoritarismo no Brasil. Mesmo assim, Cássio continuou sua luta por justiça social e democracia, mantendo-se como uma liderança ética em tempos sombrios. Ele sabia que, para resistir, era necessário coragem, articulação e um compromisso inabalável com os valores democráticos.

A experiência de Cássio durante o golpe de 1964 e a perseguição política que se seguiu deixou um legado de resistência e esperança. Seu trabalho incansável em defesa dos trabalhadores e sua postura de enfrentamento ao autoritarismo demonstraram que, mesmo nos momentos mais difíceis, a luta pela justiça e pela liberdade não pode ser abandonada. Esse capítulo de sua vida foi uma prova de sua resiliência e um prelúdio para sua atuação política na redemocratização do Brasil.

A entrada de Cássio Gonçalves na política institucional, iniciada com sua eleição como deputado estadual em 1978 pelo MDB, representou a continuidade de sua longa trajetória de luta em defesa da democracia e da justiça social. Como deputado estadual durante a 9ª Legislatura (1979-1983), ele destacou-se por sua atuação combativa em uma Assembleia Legislativa amplamente dominada pela Arena, o partido de sustentação do regime militar. Esse período foi marcado pela transição lenta e controlada para a democracia, e Cássio tornou-se uma das vozes progressistas que desafiavam as estruturas conservadoras da política mineira.

Na Assembleia, ele priorizou pautas voltadas para a educação, saúde e direitos trabalhistas, alinhadas ao compromisso histórico do MDB com a ampliação dos direitos sociais. Cássio enfrentava um ambiente político hostil, onde o governo do estado, liderado por Francelino Pereira, buscava limitar a atuação da oposição. Ainda assim, ele conseguiu consolidar sua reputação como um parlamentar que articulava demandas populares e resistia às tentativas de silenciamento.

Em 1982, Cássio foi eleito deputado federal pelo PMDB, assumindo o mandato no início de 1983, período em que o Brasil vivia intensas mobilizações populares em busca da redemocratização. Como parlamentar, ele participou ativamente da campanha das Diretas Já, uma das maiores mobilizações cívicas da história brasileira, que clamava pelo retorno das eleições diretas para presidente. Estar presente em comícios como o de Belo Horizonte, em fevereiro de 1984, e o histórico ato na Candelária, no Rio de Janeiro, marcou profundamente sua visão política. Os comícios reuniam milhões de brasileiros em um momento único de esperança, mas a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional foi uma das maiores frustrações de sua carreira política. Para Cássio, aquele resultado revelou as barreiras que ainda precisavam ser superadas para que o Brasil alcançasse a plena democracia.

Durante seu mandato na Câmara dos Deputados, Cássio foi membro da Comissão de Trabalho e Legislação Social, onde reforçou sua experiência prévia como advogado sindical. Ele trabalhou em propostas que buscavam a melhoria das condições de trabalho, a garantia de direitos trabalhistas e o fortalecimento das políticas sociais. Algumas dessas iniciativas foram transformadas em normas jurídicas, consolidando sua contribuição legislativa para a justiça social. Seu trabalho na comissão refletia o compromisso com as classes trabalhadoras que ele representava desde sua atuação sindical.

Contudo, o ambiente político do período pós-ditadura também trouxe novos desafios. O PMDB, que havia sido o principal partido de oposição ao regime militar, crescia rapidamente, incorporando diversas correntes ideológicas. Essa expansão, embora necessária para a transição democrática, criou um partido heterogêneo, muitas vezes com conflitos internos. Para Cássio, o apoio do PMDB à extensão do mandato de José Sarney foi um ponto de ruptura. Ele considerava que a decisão representava uma traição aos princípios democráticos pelos quais o partido havia lutado.

A insatisfação de Cássio com os rumos do PMDB culminou em sua participação na fundação do PSDB em 1988. Para ele, o PSDB representava uma oportunidade de renovação política e de fortalecimento de valores alinhados à social-democracia, como a ética na política e o compromisso com a justiça social. Ele se uniu a lideranças como Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, ajudando a consolidar o partido em Minas Gerais. Cássio acreditava que o PSDB poderia ser uma alternativa progressista ao pragmatismo que começava a dominar o cenário político brasileiro.

Ao longo de sua carreira parlamentar, Cássio Gonçalves demonstrou uma capacidade única de conectar sua experiência sindical e jurídica com sua atuação legislativa. Ele via a política como um instrumento para transformar a sociedade, e não como uma carreira ou um fim em si mesma. Sua dedicação às Diretas Já, sua atuação na Comissão de Trabalho e seu papel na reorganização partidária foram reflexos de sua visão ética e comprometida com as necessidades da população.

Cássio encerrou sua carreira parlamentar com a convicção de ter contribuído significativamente para o processo de redemocratização do Brasil. Ele testemunhou de perto os desafios e as conquistas de uma sociedade em transição e trabalhou incansavelmente para garantir que os valores democráticos prevalecessem. Para ele, a política era uma extensão de sua luta por justiça social, e sua atuação como parlamentar consolidou seu lugar na história como uma liderança ética e comprometida com o bem comum.

Cássio Gonçalves foi um líder político e social cuja trajetória reflete o legado de um cidadão que manteve suas raízes em Itaúna enquanto contribuía de maneira significativa para Minas Gerais e para o Brasil. Advogado, professor e defensor dos direitos sociais, ele encarnou o papel de um itaunense comprometido com a justiça e a democracia, levando os valores de sua cidade natal para os mais altos níveis de representatividade política.

Com uma carreira diversificada, Cássio atuou como advogado de sindicatos durante períodos críticos da história brasileira, como o golpe de 1964, defendendo trabalhadores e enfrentando as adversidades da repressão política. Além disso, dedicou-se ao magistério, lecionando na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Minas Gerais, onde inspirou gerações de profissionais do direito com sua experiência prática e seu profundo compromisso com a ética e a justiça. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela mesma instituição em 1960, ele uniu sua base acadêmica ao seu desejo de transformação social, fazendo da educação uma ferramenta poderosa de conscientização e mudança.

Na política, sua trajetória incluiu mandatos como deputado estadual (1979-1983) e deputado federal (1983-1987), cargos nos quais teve papel de destaque. Como deputado estadual, eleito pelo MDB, Cássio integrou a 9ª Legislatura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, participando de debates fundamentais com foco em justiça social e direitos trabalhistas. Sua atuação o levou à Câmara dos Deputados, onde, pelo PMDB, assumiu o mandato em 1983. Durante esse período, destacou-se como membro da Comissão de Trabalho e Legislação Social, trabalhando pela formulação de leis que beneficiaram trabalhadores e classes menos favorecidas. Ele apresentou diversas proposições legislativas e relatórios, alguns dos quais foram transformados em normas jurídicas, contribuindo para o fortalecimento da legislação social brasileira.

Cássio Gonçalves, após uma longa e diversificada carreira que incluiu a advocacia sindical, a atuação parlamentar e a militância política, tomou uma decisão significativa: ingressar na magistratura. A motivação veio durante a posse de um filho de Antônio Lins como Juiz do Trabalho, evento que o inspirou a se dedicar ao concurso público para a Justiça do Trabalho. Sua posse como Juiz ocorreu em julho de 1992, marcando uma nova etapa em sua vida profissional.

A transição de Cássio para o cargo de Juiz foi bem recebida, especialmente considerando sua trajetória anterior. Ele deixou de lado o papel de político e optou por conquistar, através do mérito, um espaço na magistratura. Essa mudança reforçou sua imagem como um profissional ético e comprometido com os valores da justiça.

Durante sua atuação como Juiz do Trabalho, Cássio se dedicou a aplicar a lei com imparcialidade, sempre guiado por sua vasta experiência no campo jurídico e por sua visão de justiça social. Sua passagem pela magistratura foi marcada por decisões embasadas e pelo compromisso com a celeridade e a eficácia nos processos, mesmo em um sistema frequentemente criticado pela lentidão.

Após sua aposentadoria, Cássio aceitou um novo desafio ao assumir o cargo de coordenador dos juízes aposentados da Associação Brasileira dos Magistrados (AMB). Ele encarava essa posição como uma oportunidade de contribuir para uma campanha nacional em prol da reforma do Judiciário. Seu objetivo era promover mudanças estruturais que permitissem decisões mais rápidas e eficientes, beneficiando tanto os operadores do direito quanto a sociedade em geral.

Infelizmente, apesar de sua intenção e empenho, Cássio não encontrou espaço para implementar suas ideias dentro da AMB. Essa frustração, contudo, não apagou sua determinação e o legado de uma carreira marcada pela luta por justiça e transformação social. Sua experiência na magistratura, somada à sua atuação como advogado e político, consolidou sua trajetória como uma liderança que buscou, em todas as esferas de atuação, contribuir para um sistema mais justo e equitativo.

Embora tenha alcançado reconhecimento em níveis estadual e nacional, Cássio nunca perdeu de vista suas raízes itaunenses. Sua infância em Itaúna, marcada pelo contato com a indústria local e pela convivência comunitária, moldou seus valores de coletividade e justiça social. O ambiente socioeconômico da cidade foi uma base importante para sua visão política, que ele aplicou tanto em sua atuação parlamentar quanto em seu trabalho como advogado e educador. Cássio levou o nome de Itaúna a cenários amplos, exemplificando como lideranças locais podem impactar em nível nacional.

No âmbito legislativo, sua contribuição foi marcante. Ele apresentou iniciativas voltadas para o fortalecimento dos direitos sociais e a melhoria das condições de trabalho e vida da população. Como relator de projetos, influenciou debates importantes, garantindo que os interesses das classes mais vulneráveis fossem representados.

Cássio Gonçalves personifica o espírito de Itaúna por sua determinação, ética e compromisso com a coletividade. Sua trajetória como advogado, professor e político exemplifica como lideranças locais podem desempenhar papéis transformadores na construção de uma sociedade mais justa e democrática. Seu legado, enraizado em sua cidade natal, continua a inspirar aqueles que buscam promover mudanças em suas comunidades e no país, mostrando que o compromisso com os valores humanos pode transcender fronteiras e gerações.

Entrevista - ALMG: Memória e Poder - 16/09/2010

Referências:

Pesquisa, arte e texto: Charles Aquino

ALMG - Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Entrevista de Cássio Gonçalves: Memória e Poder Política. Cássio Gonçalves, 2010. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/comunicacao/tv-assembleia/videos/video?id=1319613&tagLocalizacao=87> . Acesso em: 02/10/2024.

Acervo/Imagem: Câmara do Deputados. Cássio Gonçalves – Biografia. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/deputados/131875/biografia> . Acesso em: 01/11/2024.



quinta-feira, dezembro 05, 2024

APAE ITAÚNA

Experiências que Transformam: O Papel da APAE na Educação em Itaúna

A realização de estágio na área da pedagogia vai além de um simples requisito acadêmico, tornando-se uma jornada de aprendizado, transformação e conexão humana, tanto no aspecto profissional quanto pessoal. O meu estágio realizado na APAE de Itaúna/MG é um exemplo claro de como essas vivências podem impactar profundamente a formação de futuros educadores.

A APAE de Itaúna se destaca como uma instituição de referência, não apenas pela infraestrutura ampla e planejada, mas também pelo trabalho inclusivo e acolhedor que desenvolve. Cada espaço e cada projeto refletem o compromisso com o desenvolvimento integral dos alunos, evidenciando que a educação pode ser uma poderosa ferramenta de transformação de vidas.

O ambiente da APAE pode ser descrito como um "espaço de experiências múltiplas". Ser educador nesse contexto significa transcender o papel tradicional do ensino, exigindo um olhar atento ao aluno em sua totalidade, respeitando suas necessidades individuais, ritmos de aprendizagem e celebrando suas conquistas, por menores que sejam. Essa vivência é essencial para a preparação de educadores que compreendam o impacto da inclusão e da personalização do ensino.

As atividades realizadas na APAE, cuidadosamente adaptadas à faixa etária e às necessidades dos alunos, evidenciam o valor de um currículo que entrelaça as experiências cotidianas das crianças com o patrimônio cultural. Com a inclusão da Educação Infantil, como exemplo,  na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), esse segmento avança em sua consolidação como parte integrante da Educação Básica, reforçando a relevância de práticas que respeitem a diversidade e promovam a inclusão.

A interação entre escola e família também desempenha um papel central no sucesso das práticas pedagógicas. Em ambientes onde essa colaboração é valorizada, como na APAE, é possível observar um fortalecimento no desenvolvimento integral dos alunos. A construção de vínculos sólidos entre educadores, alunos e suas famílias é uma estratégia indispensável para alcançar resultados positivos e duradouros na educação. 

Estágio como esse é também uma oportunidade única de vivenciar um contexto educacional diverso, que prepara o educador para enfrentar os desafios de uma sala de aula de "ensino regular", com mais de 30 alunos. A experiência em ambientes inclusivos desenvolve uma visão mais sensível e abrangente, auxiliando na identificação e atendimento às particularidades de cada estudante. A flexibilidade no planejamento, a criatividade nas soluções e o olhar humano são competências que se tornam mais evidentes e bem desenvolvidas em experiências como essa.

A APAE de Itaúna demonstra como a educação inclusiva pode ser transformadora e significativa. Esse tipo de vivência prepara educadores para exercerem seu papel de forma mais consciente, com uma compreensão mais profunda da importância de ensinar com empatia, respeito e atenção às singularidades de cada aluno.

Estágios em instituições inclusivas oferecem uma formação inestimável, ampliando a visão sobre o papel do educador e fortalecendo a convicção de que cada aluno é um universo único a ser acolhido e compreendido. Educar é mais do que transmitir conhecimentos; é transformar vidas e criar oportunidades para que cada indivíduo possa alcançar seu potencial máximo. Essas experiências formam não apenas profissionais mais qualificados, mas também seres humanos mais completos e conscientes de seu papel na sociedade. 

Referências:

Segunda Graduação: Pedagogia para Licenciados 2024/2025

Estagiário: Charles Aquino:

Diretora da APAE Itaúna: Professora Alexandra Silva

Pedagoga: Professora Josiane Camargos

Imagem/Logo: APAE - Itaúna/MG 

segunda-feira, dezembro 02, 2024

SUÍTE 10

A chuva escorria preguiçosa pelas janelas do Hotel Esplendor. Lá dentro, no silêncio opressivo da suíte 10, uma cadeira antiga, de madeira desgastada, parecia fora de lugar. No entanto, ela era o ponto central, um objeto que carregava mais histórias do que seus ocupantes poderiam imaginar. O ar parecia pesado, como se as paredes daquele quarto guardassem segredos que o tempo não ousava revelar.

Ele era um viajante silencioso, carregando em si histórias e lembranças de anos. Ela, uma mulher de passos calculados, havia cruzado oceanos em busca de algo que nem sabia definir. Encontraram-se ao acaso — ou assim acreditaram — no saguão do hotel, trocando olhares carregados de mistério e perguntas. A atração era inevitável, como dois polos magnéticos incapazes de resistir.

Na suíte 10, sentados frente a frente, a cadeira parecia pulsar com uma energia invisível. Era mais do que um móvel: um ponto de convergência. Não era apenas a eletricidade estática de um toque acidental; era como se o tempo parasse, o espaço se curvasse, e eles compartilhassem um pensamento, um único desejo.

Eles não precisavam de palavras. Um eco interno os conectava, fazendo o silêncio vibrar com um peso surreal. Sentiam o universo os pressionando, forças avassaladoras tentando sufocar aquele momento. As paredes da suíte 10 pareciam tremer com sussurros, vozes distantes que os incitavam a desistir, a voltar ao caos do mundo lá fora. Mas a cadeira... a cadeira era diferente.

Sentados nela, a energia os envolvia, como se fossem duas partes de uma mesma alma perdida tentando se encontrar novamente. Eles sentiam o peso do universo ao seu redor, mas também a luz crescente que emanava de si mesmos. Era uma batalha entre o que podiam ser e o que o mundo insistia em dizer que eram.

Quando ele segurou as mãos dela, o quarto inteiro pareceu respirar. Era como se tudo tivesse vida: as paredes, o chão, a cadeira. O passado e o futuro se dobravam, e, naquele instante, eles entenderam algo fundamental: precisavam gritar. Precisavam viver. Precisavam deixar a máscara cair e abraçar a verdade do que eram.

A cadeira, agora iluminada por uma luz que parecia vir de lugar nenhum, sussurrava algo incompreensível, mas não para eles. Era um abastecimento de energia, um recomeço. E ali, naquele instante, souberam que nada poderia detê-los. O desejo de vida, de amor, de plenitude, era avassalador demais para ser sufocado.

De pé, abraçados, lançaram um grito primal, libertador. Não era apenas um som; era a vida rasgando o silêncio. O hotel tremeu, as luzes piscaram, e tudo ficou quieto novamente. A cadeira da suíte 10 estava lá, como sempre, mas agora parecia vazia. Eles tinham sido preenchidos com algo maior do que poderiam compreender. E, enquanto caminhavam pelo corredor do hotel, sabiam que nunca mais seriam os mesmos. A cadeira havia feito sua parte: eles haviam renascido.

 

 "Escritoras Contemporâneas"

História narrativa: Lótus Negra

Arte e design: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.  

quarta-feira, novembro 27, 2024

OURO NO SERTÃO DE SANTANA

No início do século XIX, o Rio São João Acima ainda servia como ponto estratégico de passagem e repouso para tropeiros e sertanistas que desbravavam as trilhas inóspitas rumo aos sertões de Goiás. Essas jornadas, repletas de desafios e perigos, eram marcadas pela resistência e pela determinação dos viajantes, que carregavam em seus ombros não apenas mercadorias e gado, mas também histórias, esperanças e as lendas que alimentavam a imaginação da época.

Entre essas lendas, destacava-se a do lendário Morro do Batatal, também chamado de Morro do Descoberto, em Pitangui. Acreditava-se que suas terras, nas primeiras décadas do século XVII, escondiam pedras de ouro moldadas pela natureza com o formato de batatas, enterradas como tesouros à espera de serem colhidos. O morro, com seu mistério e riqueza, tornou-se um símbolo das promessas e desafios do sertão, inspirando narrativas que perduram até hoje.

Em uma noite abafada e sem lua, um grupo de sertanistas se reuniu em uma pequena hospedaria às margens do rio. Entre eles estavam dois viajantes peculiares: um homem com a aparência endurecida pelas jornadas e uma mulher cujos olhos refletiam um mistério inescrutável. Sobre a mesa de madeira no centro da sala repousava uma pedra de ouro — do tamanho de uma batata — que, segundo diziam, havia sido retirada do Morro do Batatal.

A pedra reluzia suavemente, emitindo um brilho que parecia vivo, como se fosse uma chama interna. Aquilo não era apenas um artefato raro; era um símbolo. Histórias diziam que o Morro do Batatal guardava segredos antigos, e que aqueles que encontravam uma dessas pedras sentiam algo que mudava suas vidas para sempre.

Os viajantes observavam a pedra em silêncio reverente. O homem e a mulher, atraídos pelo estranho objeto, sentaram-se à mesa, frente a frente. Um ar pesado tomou conta do ambiente, e o brilho da pedra parecia pulsar. De repente, era como se o rio, a mata e até o tempo ao redor tivessem congelado. Eles não precisavam falar; uma conexão inexplicável os unia naquele momento.

Era mais do que fascínio pela riqueza prometida pelo ouro. Era como se a pedra canalizasse as esperanças, os medos e a força do sertão, condensando tudo em um único instante. O brilho dourado os fazia lembrar que, mesmo em terras áridas, a natureza tinha o poder de criar algo extraordinário. E naquela noite, ambos entenderam que suas jornadas, por mais desafiadoras que fossem, carregavam um propósito maior.

Com o amanhecer, o encanto parecia ter se dissipado. A pedra continuava ali, imóvel, mas os dois viajantes sabiam que algo profundo havia mudado. O homem retomou seu caminho com a determinação reforçada de atravessar os sertões com seu gado. A mulher, enigmática como sempre, desapareceu na direção de Pitangui, carregando consigo uma história que nunca seria contada por completo.

Os sertanistas que ficavam repetiam as lendas sobre o Morro do Batatal. Diziam que, sob sua terra, havia mais pedras de ouro, escondidas como batatas prontas para serem colhidas. Contudo, não era apenas a riqueza que fascinava, mas a energia inexplicável que parecia emanar daquelas pedras, como se fossem o próprio espírito do sertão.

O Morro das Batatal tornou-se um lugar de histórias e mistérios, onde o ouro não era apenas um tesouro material, mas também um símbolo da luta e da resiliência dos que cruzavam aquelas terras. E a pedra de ouro, esquecida sobre uma mesa simples às margens do Rio São João Acima, tornou-se uma lembrança de que, mesmo nas trilhas mais difíceis, sempre há algo de extraordinário a ser descoberto.

 

Lendas e Narrativas no Sertão Oeste da Capitania de Minas Gerais no século XVIII-XIX

Texto, arte e design: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.  

 

segunda-feira, novembro 25, 2024

OS SEGREDOS DE MARIA

Entre Fios e Sonhos: Os segredos de Maria

Maria tinha uma habilidade mágica: onde os outros viam apenas roupas, cadeiras, mochilas, ela via fios soltos. Linhas que, para ela, eram quase como raios de luz, entrelaçados, e às vezes, mal presos, esperando para serem descobertos. Ela observava as cores com fascinação: o verde profundo de uma linha esquecida em uma gola, o vermelho vibrante de um barbante que alguém usava para amarrar um presente, e o azul-marinho que ela tirara da manga de uma camisa com um puxão leve e certeiro.

Na escola, Maria era conhecida por essa habilidade. Seus colegas às vezes riam, achando engraçado vê-la brincar tão concentrada com as linhas, mas a professora e sua auxiliar sabiam que aquele simples ato de puxar e manipular o fio trazia paz e alegria a Maria. Era um momento em que a menina se sentia segura, como se o mundo ao seu redor parasse para que ela o observasse por um pequeno vão, através da linha entre seus dedos. A professora sempre trazia uma linha nova, guardada especialmente para aqueles momentos, e a auxiliar a observava com carinho, como quem entende que o mundo, para Maria, era tecido de pequenas belezas escondidas.

Naquele dia, haveria uma apresentação especial para as crianças. Professores e alunos estavam animados, e todas as turmas foram levadas até a quadra para assistirem às apresentações preparadas com tanto carinho. As crianças sentaram-se em suas fileiras, em meio ao burburinho e à expectativa. Mas enquanto todos os olhares estavam voltados para o palco improvisado, Maria se encantou com algo que só ela parecia notar.

Foi ali que ela avistou uma linha, uma linha amarela e brilhante que saía discretamente da camisa de uma das professoras sentadas à sua frente. Aos olhos dos adultos, quase invisível, mas para Maria, aquele fio era uma preciosidade reluzente. Seus dedos se estenderam automaticamente, e com um puxão leve e hábil, ela pegou o fio amarelo, admirando-o como se tivesse encontrado um tesouro. Ela mal prestava atenção à apresentação, perdida em seu próprio momento mágico com a linha, que pulsava entre seus dedos como o fio de um ioiô, subindo e descendo.

Mais tarde, ao vê-la tão concentrada com sua descoberta, a professora e sua auxiliar, que haviam ajudado a organizar a apresentação, não a interromperam. Elas entendiam que aquele momento de calma, aquela linha amarela que dançava entre os dedos de Maria, era uma forma de conexão, um diálogo silencioso entre a menina e o mundo ao seu redor.

E então, a professora compreendeu algo importante. Talvez Maria visse o mundo de uma forma que os outros não conseguiam ver, capturando detalhes, cores e movimentos que passavam despercebidos. Para Maria, cada linha, cada fio, era uma nova possibilidade de descoberta e tranquilidade.

A história de Maria revela que o mundo das pessoas com autismo não é distante nem inacessível. Eles têm um olhar próprio e guardam segredos sensíveis e profundos, que revelam belezas que muitos perdem ao passar rápido demais por elas. Com carinho e aceitação, como Maria e suas linhas, somos todos convidados a enxergar o mundo de outras formas, com curiosidade e amor pelo que é único e especial.



Referências:

Elaboração, narrativa imaginária e arte: Charles Aquino 

Imagem: Fita quebra-cabeças de conscientização do autismo. Disponível em: Wikipédia

Inspiração: APAE – Itaúna/MG 

 

quarta-feira, novembro 20, 2024

PENA ENCANTADA

Em busca da Pena Encantada

Helber era um menino diferente, e essa diferença era um dom. Nascido nas barrancas de Sant’Ana do Rio São João Acima, hoje Itaúna, Minas Gerais, sua sensibilidade parecia transbordar além dos limites do que outros podiam perceber. Afrodescendente, com olhos que refletiam histórias ancestrais e uma quietude que escondia tempestades criativas, ele via o mundo através de detalhes que escapavam ao olhar comum. Para Helber, o simples tremular de uma pena ao vento era mais que movimento — era poesia.

Desde pequeno, ele tinha uma habilidade impressionante de transformar qualquer pedaço de papel, plástico ou tecido em verdadeiras obras de arte. Suas mãos pareciam dançar com uma magia própria, criando formas e figuras que contavam histórias. Mas o que mais o fascinava eram as penas. Ele colecionava penas de todas as cores e tamanhos, conhecia suas texturas, formas e até os sons que produziam ao deslizar pelo vento. Ainda assim, havia uma que ele nunca encontrara: a “Pena Encantada”, uma lenda contada por seus ancestrais.

Na escola, Helber era conhecido por sua paixão por penas. Sua professora e sua auxiliar, sempre atentas e incentivadoras, reconheciam o talento e a sensibilidade do menino. Sempre que encontravam uma pena na rua, no quintal da escola ou em qualquer outro lugar, elas faziam questão de trazê-la para Helber brincar.

A cena era sempre a mesma: assim que ele via a pena, seus olhos brilhavam de pura alegria. Ele largava tudo o que estivesse fazendo e saía correndo, ansioso para pegar aquele pequeno tesouro. Ele girava a pena entre os dedos, admirava sua leveza e beleza, e logo transformava aquele objeto simples em algo mágico, fosse uma composição artística ou apenas uma nova peça para sua coleção. Esse apoio carinhoso ajudava Helber a entender que sua diferença era algo especial, um presente único que ele poderia compartilhar com o mundo.

Os ancestrais de Helber, trazidos do continente africano durante o brutal Comércio Transatlântico de Escravos, preservaram a história através da oralidade. Diziam que a Pena Encantada pertencia ao pássaro mais raro do mundo, que vivia na Costa da Mina, na África Ocidental. Segundo a lenda, quem encontrasse a Pena Encantada teria acesso a todas as respostas que buscava na vida e poderia fazer um único pedido.

Essa lenda enchia Helber de esperança. Ele sentia que a pena poderia ajudá-lo a compreender o que significava o mundo tão acelerado ao seu redor e, talvez, ajudá-lo a expressar aquilo que nem mesmo suas mãos mágicas conseguiam transmitir.

Aos 16 anos, Helber decidiu que era hora de partir. Ele sabia que sua busca o levaria de Itaúna, passando por todo o Estado de Minas Gerais, até atravessar o oceano e chegar à Costa da Mina. Antes de partir, ele recebeu de sua avó, Dona Alzira, uma linha trançada de palha e contas coloridas que representavam a proteção de seus ancestrais.

Sua jornada começou pelas montanhas mineiras, onde conheceu artesãos que o ensinaram a esculpir penas em madeira. Em Ouro Preto, um velho escultor lhe entregou uma pena de ouro, dizendo que ela seria sua guia nos momentos mais difíceis. Seguindo pelo Vale do Jequitinhonha, Helber encontrou uma comunidade quilombola que preservava cantos ancestrais e o ensinou canções que lhe dariam coragem nos momentos de dúvida.

Finalmente, Helber cruzou o Atlântico em um navio. Ao chegar à África, ele foi recebido por um griô, um contador de histórias que parecia já saber de sua chegada. O griô contou que a Pena Encantada estava escondida em um lugar sagrado na Baía de Benim, mas que Helber precisaria provar que era digno dela. A prova não era de força, mas de coração.

Após semanas de caminhada pelas florestas africanas, Helber chegou a um santuário natural onde o pássaro da lenda vivia. Ele ficou parado, em silêncio, observando. Finalmente, o pássaro se aproximou, pousando perto dele. Helber estendeu a mão, mas não tentou pegá-lo. Em vez disso, ofereceu a pena de ouro que havia recebido em Ouro Preto. O pássaro aceitou o presente, deixando cair uma única pena brilhante, pulsando com energia luminosa.

Ao segurar a Pena Encantada, Helber sentiu uma onda de paz e compreensão invadi-lo. Ele sabia que poderia fazer um único pedido. Mas, em vez de pedir algo para si, Helber pediu que o mundo pudesse compreender a beleza e a profundidade do olhar único das pessoas com autismo. Ele desejou que as pessoas parassem de enxergar isso como um "distanciamento" e começassem a ver a riqueza de perspectivas que ele e outros como ele carregavam.

Ao retornar a Itaúna, Helber começou a ensinar sua arte. Ele usava penas e outros materiais simples para ajudar as pessoas a ver o mundo de maneiras diferentes. Sua história inspirou muitos a valorizar o que é único e especial em cada um.

A mensagem de Helber ficou gravada: o mundo das pessoas com transtorno do espectro autista não é distante nem inacessível. É um mundo que guarda segredos sensíveis e profundos, revelando belezas que muitos perdem ao passar rápido demais. Com carinho e aceitação, podemos todos enxergar o mundo com mais curiosidade e amor, abraçando o que é verdadeiramente único e especial.

 

Elaboração, narrativa imaginária e arte: Charles Aquino

Inspiração: APAE – Itaúna/MG - 

Sant'Ana do Rio São João Acima -  Primavera de 2024 - Pedra Negra

 Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.

segunda-feira, novembro 18, 2024

NOS CONFINS DA MEMÓRIA

Mary caminhava sozinha pela estrada deserta, o som de seus passos ecoando nas ruas vazias. A noite estava calma, mas algo em seu interior a inquietava. Ela sentia que havia algo a ser desvendado, algo a ser encontrado. Ouvia vozes que a chamavam para além do alcance da luz da cidade, vozes que a conduziam para o desconhecido. Não era apenas a curiosidade que a motivava, mas um pressentimento de que algo importante estava prestes a acontecer.

Ao longe, ela avistou a entrada da floresta. As árvores, altas e imponentes, formavam uma cortina de sombras densas que escondiam os mistérios por trás delas. Mary sabia que não devia entrar, mas seus pés a conduziram, e as vozes insistiam para que ela entrasse: "Venha, Mary", diziam as vozes. Ela estava com medo, mas continuou caminhando.

Quando entrou na floresta, o silêncio tomou conta de seu ser. Era um silêncio pesado, que parecia pesar sobre seus ombros e penetrar seus ouvidos como um pano escuro. Ela sentiu o ar fresco da noite, carregado de odores terrosos e de algo inusitado que não sabia definir. A vegetação ao redor estava densa, mas o caminho à frente parecia aberto, como se estivesse sendo preparado para ela, um convite sutil para seguir em frente.

Ela deu o primeiro passo, depois outro, e logo percebeu que estava imersa na escuridão suave da floresta. Cada folha farfalhava com o vento, mas, no fundo, ela sabia que não estava sozinha. De repente, as vozes voltaram, e a cada passo que ela dava ficavam ainda mais altas. Algo a observava, algo que parecia conhecê-la mais do que ela mesma. Assustada, Mary olhou para frente.

Uma figura apareceu diante dela. Era uma presença inconfundível, misteriosa e intensa, com olhos que brilhavam como estrelas na noite. Ela não sabia o que era, mas sentiu uma força indescritível emanando daquela figura, e percebeu que as vozes vinham dela.

A figura falou com uma voz suave, mas firme:

— Você chegou, Mary. Eu sabia que viria. O que a trouxe até aqui?

Embora assustada, Mary não conseguiu recuar. Algo dentro dela dizia que precisava ficar. Havia uma urgência em sua alma que a impedia de ir embora.

— Eu... não sei exatamente — disse Mary, a voz tremendo levemente. — Algo me trouxe aqui. Algo que não consigo explicar.

A figura sorriu levemente, mas seus olhos permaneciam fixos, como se observassem todos os detalhes da alma de Mary.

— Você pensa que não sabe, mas sempre soube. Cada passo que deu até aqui foi guiado por algo que você não entende. Já se perguntou por que a vida parece sempre desviar-se para este ponto? Está à procura de respostas, não está?

Mary engoliu em seco. As palavras da figura eram como flechas acertando seu coração, atingindo pontos vulneráveis. Ela sempre buscou respostas sobre sua própria vida, sobre a perda de seu pai, Gael, e as questões que envolviam sua mãe, Estela. Sentia que algo estava escondido delas, algo que nunca havia sido dito, algo que ainda precisava ser revelado.

— O que você sabe sobre mim? — Mary perguntou, a voz quase inaudível.

A figura não respondeu de imediato. Apenas olhou profundamente nos olhos de Mary, como se lesse cada pensamento, cada emoção. Então, falou quase num sussurro:

— Sei o que você guarda dentro de si. Vejo o que não diz, o que esconde até de si mesma. Pensa em seu pai, Gael, com tanta saudade... Sente a falta dele todos os dias, não é? Mas há algo mais, Mary. Você carrega a dor da perda, o peso da ausência. Cada vez que fecha os olhos, ainda sente a presença dele, mas como se fosse uma ilusão. E sua mãe, Estela... você a observa, tentando entender os segredos que ela guarda. Ela é forte, mas você sente que há algo que nunca compartilhou. Algo do passado, que a consome e a afasta de você. E você quer saber o que é, não quer? Quer respostas, mas quanto mais busca, mais se perde.

Mary sentiu um frio percorrer sua espinha. Era impossível negar o que a figura dizia. Cada palavra atingia seus sentimentos mais profundos, suas inseguranças, seus medos.

— Como sabe disso? — Mary perguntou, agora sentindo um calafrio mais forte. — Como sabe tudo isso sobre mim?

A figura sorriu, a expressão mais enigmática.

— Não preciso de respostas, Mary. Vejo tudo. Vejo o que você não consegue ver, o que está oculto dentro de você. Sou as árvores, o vento, o chão sob seus pés. Sou a memória das coisas que foram perdidas, das coisas que deixou de lado.

Mary sentiu a pressão aumentar. O medo tomava conta dela, mas algo dentro dela parecia despertar. Sabia que não podia permitir que aquela figura invadisse ainda mais sua mente. Precisava ser forte.

Respirou fundo e, com firmeza, disse:

— Saia da minha cabeça! Não aceito que vasculhe minha mente! Eu sou a dona dos meus pensamentos! Você não tem acesso a mim! Saia agora!

Os olhos da figura se estreitaram, cheios de uma fúria silenciosa. O ar ao redor de Mary parecia vibrar com a intensidade de suas palavras, como se a própria floresta reagisse à sua determinação. As vozes vindas da floresta aumentaram, agora parecendo um apoio à sua coragem.

— Continue, Mary! — diziam as vozes. — Continue assim!

Mary não hesitou. Deu um passo à frente e, com um grito firme, disse:

— Saia agora! Acha que tenho medo de você? Não tenho! Só sei que você está nos meus pensamentos, e meus pensamentos quem controla sou eu. Eu te expulso agora!

A figura, antes tão poderosa, começou a recuar. Seus olhos estavam cheios de surpresa e fúria, mas, conforme Mary continuava a gritar, sua silhueta começou a se desfazer, como se estivesse perdendo a força que a sustentava, sendo empurrada para longe pela mente de Mary.

Com um último grito, a figura desapareceu completamente, deixando Mary sozinha na floresta. O silêncio tomou conta novamente, mas desta vez era acolhedor, como se a floresta permitisse que ela se restabelecesse.

Mary ficou ali por um momento, respirando pesadamente. Sentia a presença da figura desaparecer, mas também sentia que algo dentro dela havia mudado. Uma sensação de clareza, de liberdade, tomou conta de seu ser. Olhou ao redor e viu que o caminho à sua frente estava mais claro. As árvores pareciam afastar-se, dando-lhe passagem. Era como se a floresta estivesse esperando por ela para tomar a próxima decisão.

Mary começou a caminhar, os passos agora mais firmes. Sabia que sua jornada não havia terminado. Estava pronta para descobrir mais, para enfrentar o que fosse necessário e, talvez, finalmente encontrar as respostas que tanto procurava.

A história termina aqui, mas a jornada de Mary continua. A floresta tem muitos segredos a revelar, e Mary está pronta para desvendar cada um deles.


"Escritoras Contemporâneas"

História e direção narrativa: Josyane Mara

Arte e design: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.

terça-feira, novembro 12, 2024

FRAGMENTOS DE UM ENCONTRO

Charo era uma jovem mexicana de sorriso sereno e olhar profundo, sempre à procura de encantos escondidos nos cantos mais inesperados do mundo. Sua busca a levou a Ouro Preto, essa cidade brasileira esculpida em história e encanto, onde as ladeiras contavam segredos, e cada pedra parecia sussurrar as lembranças de quem já havia passado por ali.

Ao caminhar por Ouro Preto, Charo se perdia nas ruas estreitas e íngremes, ladeadas por casarões antigos que pareciam guardar, em suas paredes, o peso de séculos de história. A cidade pulsava uma beleza singular, onde o antigo e o novo coexistiam em harmonia, criando um universo onde o tempo parecia suspenso. Charo pensava nas ruas de Ouro Preto como fragmentos de um passado que, de alguma forma, sobrevivera e ainda estava vivo ali, resistindo, florescendo em meio ao presente.

Numa dessas caminhadas, numa noite estrelada, Charo chegou à Praça Tiradentes, onde a iluminação fazia brilhar o cenário com um toque quase mágico. A praça estava cheia de vida e de um silêncio profundo ao mesmo tempo. Foi então que ela encontrou um jovem que também parecia encantado pelo cenário ao redor. Ele era um estudante de Pedagogia, e seus olhos brilhavam com a mesma curiosidade que ela sentia. Ele se aproximou e, com um sorriso tímido, ofereceu-lhe uma flor e perguntou: De onde você é? A moça, com um sorriso, respondeu: ¡Soy de México!

— Esta flor me recuerda los colores de tu tierra — disse, com um suave acento-¿Aceptado?

Charo aceitou a flor, e ali, sentados na calçada da praça, trocaram histórias sobre suas terras, suas vidas e o que os havia levado até aquele lugar mágico. Ele falava sobre como o estudo e a preservação da memória cultural podiam fazer com que a história de um povo nunca se perdesse. Cada palavra reforçava a crença de Charo de que ela estava em um lugar onde o tempo era um guardião cuidadoso, sempre atento ao passado e acolhendo o presente com afeto.

No dia seguinte, o jovem estudante a levou para conhecer os tesouros de Ouro Preto. Começaram pelo Mirante do Morro São Sebastião, de onde puderam ver a cidade inteira em seu esplendor, cercada pelas montanhas verdes e banhada pela luz suave da manhã. Charo sentiu ali uma paz indescritível, como se pudesse enxergar sua própria alma refletida naquela paisagem imensa. 

Visitando o Museu da Inconfidência, ela conheceu as histórias dos que lutaram pela liberdade, e a Igreja São Francisco de Assis a envolveu com sua arquitetura barroca, cheia de detalhes e com o toque de um Brasil antigo, que Charo sentia em cada esquina. No topo do Pico do Itacolomi, ela encontrou algo mais que uma paisagem: encontrou um pedaço de si mesma, uma certeza de que ali sempre haveria um lugar onde o tempo, o passado e o presente, poderiam conviver.

Quando chegou a hora de retornar ao México, Charo levou consigo muito mais do que apenas lembranças. Ouro Preto havia lhe mostrado o valor de preservar, não apenas as coisas materiais, mas também as histórias, as pessoas e as emoções. Ela compreendeu que o verdadeiro legado de um lugar não são apenas suas construções ou suas paisagens, mas a memória de um povo que luta para manter sua identidade viva, mesmo com o passar dos anos.

De volta à sua terra natal, Charo mantinha viva em sua mente, coração e alma os detalhes daquela viagem. Em suas lembranças, Ouro Preto sempre seria um pedaço de eternidade, uma cidade onde o tempo se tornou aliado da história, guardando os sonhos e as lutas de quem ali viveu. E, de uma maneira mágica, Charo soube que um pouco dela também ficara naquela cidade, nos fragmentos de histórias que ela agora conhecia e carregava consigo, com a promessa de que, onde quer que estivesse, preservaria a memória e a beleza de um povo.


"Escritoras Contemporâneas"

História narrativa: Lótus Negra

Arte e design: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.  

domingo, novembro 03, 2024

RESGATE DA HISTÓRIA

O blog "Resgate da História" apresenta um acervo valioso de documentos "históricos-paleográficos", com foco nos séculos XVIII e XIX, especialmente da região Centro-Oeste de Minas Gerais.

Desenvolvido e administrado pelo historiador Charles Aquino, o blog é um projeto colaborativo que conta com o apoio de especialistas em paleografia e genealogia, incluindo o Dr. Alan Penido e Aureo Nogueira da Silveira. 

Essa equipe se dedica a transcrições precisas de textos antigos, preservando a ortografia e estrutura originais, o que permite ao leitor experimentar a autenticidade linguística e cultural da época.

O objetivo principal do blog é preservar, divulgar e democratizar o acesso a um patrimônio documental que revela aspectos pouco explorados da história mineira e brasileira. 

Documentos como testamentos, inventários, registros de compra e venda, além de relatos de cotidiano, compõem o acervo e oferecem uma visão sobre a organização social, econômica e familiar da época. Cada transcrição acompanha um breve contexto histórico que auxilia na compreensão do documento, facilitando o trabalho de pesquisadores e interessados na genealogia, na paleografia e no estudo histórico.

Além do foco em documentos de Minas Gerais, o blog também oferece acesso a registros de outras regiões, ampliando o leque de possibilidades para estudos comparativos e para uma compreensão mais abrangente da vida colonial e imperial brasileira. A página, através da paleografia dos documentos, oferece, ainda, traços dos textos originais, permitindo que o leitor explore as nuances da caligrafia e da gramática da época. Essa abordagem semidiplomática é um dos pontos altos do blog, pois combina o rigor acadêmico com uma apresentação acessível e visualmente atraente.

O "Resgate da História" se destaca como um recurso didático e subsídio para pesquisa, sendo utilizado por professores, estudantes e historiadores. Sua organização é intuitiva, com seções categorizadas por tipos de documentos e períodos históricos, o que facilita a navegação e a busca por temas específicos.

A criação de corpora inéditos de textos antigos é outro pilar importante do projeto, contribuindo para o estudo da evolução da língua portuguesa no Brasil. Os registros linguísticos e as particularidades regionais preservadas nos documentos ajudam a traçar a formação de dialetos, as mudanças no vocabulário e até as influências culturais nas expressões locais. Esse trabalho, além de preservar o patrimônio linguístico, apoia a construção de uma identidade cultural e histórica que pode ser acessada por futuras gerações.

O blog "Resgate da História" é, portanto, um espaço de memória e preservação, que une tecnologia e história para garantir que documentos fundamentais à identidade mineira e brasileira continuem vivos e acessíveis. É uma iniciativa que não só valoriza o passado, mas o mantém relevante para o presente e o futuro. 

RESGATE DA HISTÓRIA ✅

sábado, novembro 02, 2024

EMILY EM UM MUNDO PARALELO

Era uma noite fria e silenciosa. Emily andava por uma rua estreita, cercada por prédios antigos que pareciam se inclinar sobre ela. A iluminação era fraca, e as sombras dançavam sob os poucos postes de luz. O coração dela batia acelerado; algo naquela rua parecia errado, como se ela não estivesse mais em seu mundo.

De repente, Emily parou. Diante dela, algo inexplicável: um muro invisível bloqueava sua passagem. Ela estendeu a mão para frente e sentiu uma resistência firme, como se houvesse vidro ali, mas nada visível estava entre ela e o resto da rua. Emily pressionou o muro, empurrando com força, mas ele não cedia.

Curiosa, ela tentou ver o que havia do outro lado. Ali, a paisagem era dividida em duas metades distintas: à sua esquerda, um lado negro, profundo e sombrio, onde tudo parecia distorcido, como se a escuridão tivesse vida própria. Do outro lado, um clarão branco, quase ofuscante, emanava uma sensação de calma e tranquilidade. Era como se dois mundos opostos coexistissem, separados apenas pelo misterioso muro.

Emily sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ela sabia que precisava descobrir o que aquilo significava e por que esse muro a impedia de seguir adiante. Mas uma pergunta insistente ecoava em sua mente: para qual lado ela deveria ir?

Emily ouviu um sussurro em sua mente, suave como uma brisa, que a chamava para o lado claro. Era uma voz familiar, quase maternal, que parecia envolver seu coração com uma sensação de paz. "Venha... aqui é seguro, Emily. Você encontrará respostas, luz e o caminho de volta", dizia a voz, insistente e acolhedora, como se o lado claro a esperasse há muito tempo.

Mas, então, outra sensação tomou conta dela. Uma atração sombria e poderosa a puxava para o lado negro, como se algo invisível estivesse tentando envolvê-la. "Não confie na luz", uma voz profunda sussurrava. Era enigmática e um tanto sedutora, prometendo respostas que Emily sabia que não encontraria em nenhum outro lugar. "Aqui está a verdade... o que você realmente precisa ver."

O coração de Emily batia mais rápido; a cabeça girava entre os chamados opostos. Ela sentia-se dividida, incapaz de resistir à força que cada lado exercia sobre ela. A atração para o lado escuro era quase irresistível, intensa e misteriosa, mas o lado claro oferecia a paz que tanto desejava. Ela sabia que a escolha que faria poderia mudar tudo — e não apenas para ela.

Ali, diante daquele muro invisível e de um mundo dividido, Emily percebeu que essa decisão não era só sua. Era como se algo a esperasse dos dois lados, algo que conhecia seus medos, seus desejos e que estava pronto para testá-la.

Emily respirou fundo, sentindo a tensão se acumular em seu peito. A luz suave emanava calor e esperança, enquanto a sombra pulsava com promessas de poder e conhecimento. Ela fechou os olhos por um momento, tentando se conectar com seu verdadeiro eu, com o que realmente desejava.

"Eu não posso ser consumida pela escuridão", sussurrou para si mesma. A voz da luz era um farol em meio à tempestade e, apesar do medo e da dúvida, ela sabia que a escuridão apenas a atraía com ilusões.

Abrindo os olhos, Emily dirigiu-se para a luz, permitindo que a sensação de paz a envolvesse completamente. A cada passo que dava, as sombras começavam a recuar, e a voz profunda tornava-se cada vez mais distante, como um eco que perdia força.

Quando finalmente cruzou o limite entre os dois mundos, a luz a envolveu, e ela sentiu uma conexão renovada com tudo ao seu redor. Era como se amor e sabedoria lhe fossem concedidos, com a verdade se desdobrando diante de seus olhos. Ela percebeu que não estava sozinha nessa jornada; outros estavam lá, prontos para apoiá-la.

Emily, agora cercada pela luz, virou-se para encarar as sombras que a perseguiam. "Eu não tenho medo de você", disse, com uma nova confiança. "Eu escolho a luz e a verdade que ela traz." As sombras hesitaram e, então, lentamente começaram a dissipar-se, como névoa ao amanhecer.

Com o coração leve, Emily sentiu que, ao escolher a luz, também estava se escolhendo. Ela sabia que a jornada estava apenas começando, mas estava pronta para enfrentar o que viesse, guiada pela força que havia encontrado em si mesma. Afinal, a verdadeira luz não apenas iluminava o caminho; também ajudava a encontrar a coragem necessária para caminhar.

E assim, Emily seguiu adiante, não apenas como uma viajante, mas como uma guerreira da luz, pronta para enfrentar o mundo com um novo propósito e clareza.


"Escritoras Contemporâneas"

História e direção narrativa: Mary J.

Arte e design: Charles Aquino

Apoio à leitura e inspiração para novos escritores: Professora Camila Queiroz

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto. 

sexta-feira, novembro 01, 2024

PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE II)

O texto oferece um recorte detalhado de uma reunião sobre o destino do antigo hospital de Itaúna/MG. A reportagem é do jornal Ita Vox, publicada entre 29 de dezembro de 1987 e 5 de janeiro de 1988, com uma manchete que destaca a ameaça de demolição do imóvel então conhecido como Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira. 

O título impactante "HOSPITAL SERÁ “TOMBADO” A PICARETA" transmite a ideia de uma destruição iminente, em vez de um "tombamento" que garantiria sua preservação histórica.

A reportagem tem como pauta principal “o destino do prédio velho do Hospital, a seção examinou duas propostas: A demolição até o limite de segurança e a interdição até realização das obras, mas somente da fachada”. 

Essa análise apresenta argumentos e posições dos participantes, que variam entre a demolição completa e a preservação parcial do prédio, destacando as complexidades técnicas e financeiras envolvidas.

 Participantes e suas Posições

Antônio Peres Guerra - Provedor da Fundação Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Souza Moreira decidiu pela demolição do "Hospital Velho". Ele argumenta que o edifício ficou inativo por mais de 50 anos, o que torna inviável a restauração completa. Segundo Guerra, o prédio se encontra em condições estruturais insustentáveis, e os recursos financeiros disponíveis são insuficientes para um projeto de preservação. Ele sugere que a verba existente seja direcionada para a expansão do "Hospital Novo", enfatizando uma visão pragmática, onde a funcionalidade e segurança são prioridades sobre a preservação histórica.

Irdevan Nogueira Júnior - Arquiteto presente na reunião, que sugere uma solução intermediária: manter a fachada do prédio e reconstruir o restante. Ele defende a ideia de preservar ao menos uma parte do patrimônio, conciliando a preservação histórica com a necessidade de modernização e uso prático. Sua sugestão representa um ponto de equilíbrio, tentando atender tanto às demandas dos defensores do patrimônio quanto às limitações financeiras.

Doutor José Campos: Médico que também contribuiu com um ponto de vista prático, afirmando que o problema é "técnico, embora de ligações afetivas". Ele reconhece o valor afetivo do hospital, especialmente para o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA), mas coloca a questão estrutural como prioridade. Sua posição sugere uma preocupação com a segurança, embora reconheça a importância simbólica do prédio.

Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA): Embora não tenha sido representado diretamente na reunião, o IEPHA é mencionado pelo Dr. Campos como uma entidade que vê o prédio como patrimônio de “muito valor”. Isso reflete o interesse do instituto em preservar a estrutura como parte da memória cultural de Itaúna, contrastando com a posição dos gestores locais que priorizam a viabilidade técnica e financeira.

Juarez Campos (Diretor do ITA VOX): Como diretor do jornal que publicou a matéria, sua presença pode indicar um interesse em documentar e divulgar o debate sobre o destino do hospital. A cobertura jornalística enfatiza a importância do hospital para a comunidade e pode refletir uma visão crítica à falta de políticas de preservação do patrimônio histórico da cidade.

Dr. Peri Tupinambás, médico, se posiciona firmemente contra a demolição do antigo hospital Manoel Gonçalves em Itaúna, fazendo uma crítica incisiva às decisões que, segundo ele, refletem uma falta de respeito pela história e memória da cidade. Ele considera a demolição como uma "profanização" da história de Itaúna, enfatizando a importância de manter o prédio como um símbolo da identidade e do passado coletivo dos itaunenses.

Principais Pontos da Crítica de Peri Tupinambás:

Desvalorização da História: Peri Tupinambás destaca que a decisão de demolir o hospital é uma violação ao patrimônio cultural de Itaúna. Para ele, o hospital não é apenas um edifício antigo, mas uma peça fundamental da história da cidade, construída com propósito e valor emocional. A ideia de "profanizar" a história ao demolir o prédio demonstra a sua visão de que esse ato representa um desrespeito aos valores e tradições locais.

Crítica ao Abandono e às Decisões do Passado: Peri afirma que o "erro começou quando resolveram tirar de lá o hospital" e transferi-lo para outro edifício, deixando o antigo hospital ao abandono. Segundo ele, a decisão de construir um novo prédio e deixar o anterior à própria sorte foi um sinal claro da falta de compromisso dos governantes com o patrimônio e a história. Essa crítica revela sua visão de que, se o antigo hospital tivesse sido mantido em funcionamento ou restaurado na época, a discussão sobre demolição não estaria ocorrendo.

Ausência de Cidadania e Participação Popular: Tupinambás destaca a falta de envolvimento da população nas decisões sobre o hospital, sugerindo que a demolição foi decidida de maneira arbitrária, sem ouvir a voz dos cidadãos. Ele acredita que o poder público deveria ter consultado a comunidade e promovido um debate mais amplo, ao invés de impor uma decisão sem levar em conta o desejo coletivo de preservação histórica.

Potencial de Restauração: Ao declarar que “ainda poderia se fazer de novo o que era, bastando que houvesse a vontade de executar”, Tupinambás deixa claro que ele acredita na viabilidade de restaurar o edifício. Ele indica que, com empenho e investimento adequado, o prédio poderia ser revitalizado, preservando sua importância histórica e cultural.

Críticas à Administração Local: Peri critica a atitude das autoridades municipais da época, acusando-as de "calhordas" e de falta de comprometimento com Itaúna. Ele vai além e critica a "classe dominante e intelectualidade" que, segundo ele, apoiavam a demolição, questionando seu compromisso com os interesses culturais e patrimoniais da cidade.

Menção a Outros Defensores do Tombamento: No final, Peri menciona o professor Marco Elísio e Dona Arthurina como vozes que também defendem o tombamento e preservação do hospital. Isso indica que ele não está sozinho em sua posição e que há outros cidadãos influentes que compartilham a mesma visão de proteção ao patrimônio histórico.

Crítica ao Conselho do Hospital: Tupinambás também se refere de forma crítica ao conselho do hospital, que teria mantido uma postura inflexível contra o tombamento, evidenciando que a batalha pela preservação do prédio envolvia conflitos não apenas de opinião, mas de status e poder na cidade.

No encerramento dos debates, os participantes concluíram que a recuperação do edifício já deveria ter ocorrido há cerca de 30 anos. Estiveram presentes na sessão: o médico Helênio Eustáquio, o vice-provedor Dalmo Coutinho, o membro do Conselho Consultivo Waldemar Gonçalves de Souza e os conselheiros Ary Carvalho, Petrônio Nogueira Guimarães, José Joarez Silva, Afonso Henrique Silva Lima, Roberto Soares Nogueira, Affonso Cerqueira Lima, Mério Alves de Souza, Délcio Drummond, Elisa Tarabal, João Afonso Guimarães, Sebastião Miamoto, Professor Marco Elias, Augusto Machado, Luiz Guimarães, Meroveu Camargos e Geraldo Augusto Silveira.

Ao que tudo indica, a decisão de não demolir o antigo Hospital Velho prevaleceu. Passados aproximadamente 37 anos desde a publicação da matéria, o edifício permanece de pé, embora não tenha recebido nenhuma intervenção de restauração até o presente momento. Sua permanência sugere um compromisso com a preservação do patrimônio, mesmo que ainda não tenha se concretizado em ações de revitalização.

Aparentemente, a comunidade e os administradores da época reconheceram a importância cultural do prédio, ainda que a restauração tenham sido indefinidamente adiados. A estrutura permanece até hoje como testemunho do patrimônio histórico de Itaúna e de seu fundador, Manoel Gonçalves de Souza Moreira, carregando consigo um valor simbólico de resistência e memória para as gerações presentes e futuras.

PRESERVAR X DEMOLIR (PARTE III) ✅


Referências:

Organização, arte e pesquisa: Charles Aquino

Fonte impressa: Jornal Ita Vox, 29 de dezembro de 1987 a 05 de janeiro de 1988

Reportagem original disponível no blog: Casa de Caridade Manoel Gonçalves

Imagem: Meramente ilustrativa