Em busca da Pena Encantada
Helber era um
menino diferente, e essa diferença era um dom. Nascido nas barrancas de
Sant’Ana do Rio São João Acima, hoje Itaúna, Minas Gerais, sua sensibilidade
parecia transbordar além dos limites do que outros podiam perceber.
Afrodescendente, com olhos que refletiam histórias ancestrais e uma quietude
que escondia tempestades criativas, ele via o mundo através de detalhes que
escapavam ao olhar comum. Para Helber, o simples tremular de uma pena ao vento
era mais que movimento — era poesia.
Desde pequeno,
ele tinha uma habilidade impressionante de transformar qualquer pedaço de
papel, plástico ou tecido em verdadeiras obras de arte. Suas mãos pareciam
dançar com uma magia própria, criando formas e figuras que contavam histórias.
Mas o que mais o fascinava eram as penas. Ele colecionava penas de todas as
cores e tamanhos, conhecia suas texturas, formas e até os sons que produziam ao
deslizar pelo vento. Ainda assim, havia uma que ele nunca encontrara: a “Pena
Encantada”, uma lenda contada por seus ancestrais.
Na escola, Helber
era conhecido por sua paixão por penas. Sua professora e sua auxiliar, sempre
atentas e incentivadoras, reconheciam o talento e a sensibilidade do menino.
Sempre que encontravam uma pena na rua, no quintal da escola ou em qualquer
outro lugar, elas faziam questão de trazê-la para Helber brincar.
A cena era sempre
a mesma: assim que ele via a pena, seus olhos brilhavam de pura alegria. Ele
largava tudo o que estivesse fazendo e saía correndo, ansioso para pegar aquele
pequeno tesouro. Ele girava a pena entre os dedos, admirava sua leveza e beleza,
e logo transformava aquele objeto simples em algo mágico, fosse uma composição
artística ou apenas uma nova peça para sua coleção. Esse apoio carinhoso
ajudava Helber a entender que sua diferença era algo especial, um presente
único que ele poderia compartilhar com o mundo.
Os ancestrais de
Helber, trazidos do continente africano durante o brutal Comércio
Transatlântico de Escravos, preservaram a história através da oralidade. Diziam
que a Pena Encantada pertencia ao pássaro mais raro do mundo, que vivia na
Costa da Mina, na África Ocidental. Segundo a lenda, quem encontrasse a Pena
Encantada teria acesso a todas as respostas que buscava na vida e poderia fazer
um único pedido.
Essa lenda enchia
Helber de esperança. Ele sentia que a pena poderia ajudá-lo a compreender o que
significava o mundo tão acelerado ao seu redor e, talvez, ajudá-lo a expressar
aquilo que nem mesmo suas mãos mágicas conseguiam transmitir.
Aos 16 anos,
Helber decidiu que era hora de partir. Ele sabia que sua busca o levaria de
Itaúna, passando por todo o Estado de Minas Gerais, até atravessar o oceano e
chegar à Costa da Mina. Antes de partir, ele recebeu de sua avó, Dona Alzira,
uma linha trançada de palha e contas coloridas que representavam a proteção de
seus ancestrais.
Sua jornada
começou pelas montanhas mineiras, onde conheceu artesãos que o ensinaram a
esculpir penas em madeira. Em Ouro Preto, um velho escultor lhe entregou uma
pena de ouro, dizendo que ela seria sua guia nos momentos mais difíceis.
Seguindo pelo Vale do Jequitinhonha, Helber encontrou uma comunidade quilombola
que preservava cantos ancestrais e o ensinou canções que lhe dariam coragem nos
momentos de dúvida.
Finalmente,
Helber cruzou o Atlântico em um navio. Ao chegar à África, ele foi recebido por
um griô, um contador de histórias que parecia já saber de sua chegada. O griô
contou que a Pena Encantada estava escondida em um lugar sagrado na Baía de
Benim, mas que Helber precisaria provar que era digno dela. A prova não era de
força, mas de coração.
Após semanas de
caminhada pelas florestas africanas, Helber chegou a um santuário natural onde
o pássaro da lenda vivia. Ele ficou parado, em silêncio, observando.
Finalmente, o pássaro se aproximou, pousando perto dele. Helber estendeu a mão,
mas não tentou pegá-lo. Em vez disso, ofereceu a pena de ouro que havia
recebido em Ouro Preto. O pássaro aceitou o presente, deixando cair uma única
pena brilhante, pulsando com energia luminosa.
Ao segurar a Pena
Encantada, Helber sentiu uma onda de paz e compreensão invadi-lo. Ele sabia que
poderia fazer um único pedido. Mas, em vez de pedir algo para si, Helber pediu
que o mundo pudesse compreender a beleza e a profundidade do olhar único das pessoas
com autismo. Ele desejou que as pessoas parassem de enxergar isso como um
"distanciamento" e começassem a ver a riqueza de perspectivas que ele
e outros como ele carregavam.
Ao retornar a
Itaúna, Helber começou a ensinar sua arte. Ele usava penas e outros materiais
simples para ajudar as pessoas a ver o mundo de maneiras diferentes. Sua
história inspirou muitos a valorizar o que é único e especial em cada um.
A mensagem de
Helber ficou gravada: o mundo das pessoas com transtorno do espectro autista
não é distante nem inacessível. É um mundo que guarda segredos sensíveis e
profundos, revelando belezas que muitos perdem ao passar rápido demais. Com
carinho e aceitação, podemos todos enxergar o mundo com mais curiosidade e
amor, abraçando o que é verdadeiramente único e especial.
Elaboração,
narrativa imaginária e arte: Charles Aquino
Inspiração: APAE
– Itaúna/MG -
Sant'Ana do Rio São João Acima - Primavera de 2024 - Pedra Negra
Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.