quarta-feira, novembro 20, 2024

PENA ENCANTADA

Em busca da Pena Encantada

Helber era um menino diferente, e essa diferença era um dom. Nascido nas barrancas de Sant’Ana do Rio São João Acima, hoje Itaúna, Minas Gerais, sua sensibilidade parecia transbordar além dos limites do que outros podiam perceber. Afrodescendente, com olhos que refletiam histórias ancestrais e uma quietude que escondia tempestades criativas, ele via o mundo através de detalhes que escapavam ao olhar comum. Para Helber, o simples tremular de uma pena ao vento era mais que movimento — era poesia.

Desde pequeno, ele tinha uma habilidade impressionante de transformar qualquer pedaço de papel, plástico ou tecido em verdadeiras obras de arte. Suas mãos pareciam dançar com uma magia própria, criando formas e figuras que contavam histórias. Mas o que mais o fascinava eram as penas. Ele colecionava penas de todas as cores e tamanhos, conhecia suas texturas, formas e até os sons que produziam ao deslizar pelo vento. Ainda assim, havia uma que ele nunca encontrara: a “Pena Encantada”, uma lenda contada por seus ancestrais.

Na escola, Helber era conhecido por sua paixão por penas. Sua professora e sua auxiliar, sempre atentas e incentivadoras, reconheciam o talento e a sensibilidade do menino. Sempre que encontravam uma pena na rua, no quintal da escola ou em qualquer outro lugar, elas faziam questão de trazê-la para Helber brincar.

A cena era sempre a mesma: assim que ele via a pena, seus olhos brilhavam de pura alegria. Ele largava tudo o que estivesse fazendo e saía correndo, ansioso para pegar aquele pequeno tesouro. Ele girava a pena entre os dedos, admirava sua leveza e beleza, e logo transformava aquele objeto simples em algo mágico, fosse uma composição artística ou apenas uma nova peça para sua coleção. Esse apoio carinhoso ajudava Helber a entender que sua diferença era algo especial, um presente único que ele poderia compartilhar com o mundo.

Os ancestrais de Helber, trazidos do continente africano durante o brutal Comércio Transatlântico de Escravos, preservaram a história através da oralidade. Diziam que a Pena Encantada pertencia ao pássaro mais raro do mundo, que vivia na Costa da Mina, na África Ocidental. Segundo a lenda, quem encontrasse a Pena Encantada teria acesso a todas as respostas que buscava na vida e poderia fazer um único pedido.

Essa lenda enchia Helber de esperança. Ele sentia que a pena poderia ajudá-lo a compreender o que significava o mundo tão acelerado ao seu redor e, talvez, ajudá-lo a expressar aquilo que nem mesmo suas mãos mágicas conseguiam transmitir.

Aos 16 anos, Helber decidiu que era hora de partir. Ele sabia que sua busca o levaria de Itaúna, passando por todo o Estado de Minas Gerais, até atravessar o oceano e chegar à Costa da Mina. Antes de partir, ele recebeu de sua avó, Dona Alzira, uma linha trançada de palha e contas coloridas que representavam a proteção de seus ancestrais.

Sua jornada começou pelas montanhas mineiras, onde conheceu artesãos que o ensinaram a esculpir penas em madeira. Em Ouro Preto, um velho escultor lhe entregou uma pena de ouro, dizendo que ela seria sua guia nos momentos mais difíceis. Seguindo pelo Vale do Jequitinhonha, Helber encontrou uma comunidade quilombola que preservava cantos ancestrais e o ensinou canções que lhe dariam coragem nos momentos de dúvida.

Finalmente, Helber cruzou o Atlântico em um navio. Ao chegar à África, ele foi recebido por um griô, um contador de histórias que parecia já saber de sua chegada. O griô contou que a Pena Encantada estava escondida em um lugar sagrado na Baía de Benim, mas que Helber precisaria provar que era digno dela. A prova não era de força, mas de coração.

Após semanas de caminhada pelas florestas africanas, Helber chegou a um santuário natural onde o pássaro da lenda vivia. Ele ficou parado, em silêncio, observando. Finalmente, o pássaro se aproximou, pousando perto dele. Helber estendeu a mão, mas não tentou pegá-lo. Em vez disso, ofereceu a pena de ouro que havia recebido em Ouro Preto. O pássaro aceitou o presente, deixando cair uma única pena brilhante, pulsando com energia luminosa.

Ao segurar a Pena Encantada, Helber sentiu uma onda de paz e compreensão invadi-lo. Ele sabia que poderia fazer um único pedido. Mas, em vez de pedir algo para si, Helber pediu que o mundo pudesse compreender a beleza e a profundidade do olhar único das pessoas com autismo. Ele desejou que as pessoas parassem de enxergar isso como um "distanciamento" e começassem a ver a riqueza de perspectivas que ele e outros como ele carregavam.

Ao retornar a Itaúna, Helber começou a ensinar sua arte. Ele usava penas e outros materiais simples para ajudar as pessoas a ver o mundo de maneiras diferentes. Sua história inspirou muitos a valorizar o que é único e especial em cada um.

A mensagem de Helber ficou gravada: o mundo das pessoas com transtorno do espectro autista não é distante nem inacessível. É um mundo que guarda segredos sensíveis e profundos, revelando belezas que muitos perdem ao passar rápido demais. Com carinho e aceitação, podemos todos enxergar o mundo com mais curiosidade e amor, abraçando o que é verdadeiramente único e especial.

 

Elaboração, narrativa imaginária e arte: Charles Aquino

Inspiração: APAE – Itaúna/MG - 

Sant'Ana do Rio São João Acima -  Primavera de 2024 - Pedra Negra

 Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.