Entre Fios e
Sonhos: Os segredos de Maria
Maria tinha uma
habilidade mágica: onde os outros viam apenas roupas, cadeiras, mochilas, ela
via fios soltos. Linhas que, para ela, eram quase como raios de luz,
entrelaçados, e às vezes, mal presos, esperando para serem descobertos. Ela
observava as cores com fascinação: o verde profundo de uma linha esquecida em
uma gola, o vermelho vibrante de um barbante que alguém usava para amarrar um
presente, e o azul-marinho que ela tirara da manga de uma camisa com um puxão
leve e certeiro.
Na escola, Maria
era conhecida por essa habilidade. Seus colegas às vezes riam, achando
engraçado vê-la brincar tão concentrada com as linhas, mas a professora e sua
auxiliar sabiam que aquele simples ato de puxar e manipular o fio trazia paz e
alegria a Maria. Era um momento em que a menina se sentia segura, como se o
mundo ao seu redor parasse para que ela o observasse por um pequeno vão,
através da linha entre seus dedos. A professora sempre trazia uma linha nova,
guardada especialmente para aqueles momentos, e a auxiliar a observava com
carinho, como quem entende que o mundo, para Maria, era tecido de pequenas
belezas escondidas.
Naquele dia,
haveria uma apresentação especial para as crianças. Professores e alunos
estavam animados, e todas as turmas foram levadas até a quadra para assistirem
às apresentações preparadas com tanto carinho. As crianças sentaram-se em suas
fileiras, em meio ao burburinho e à expectativa. Mas enquanto todos os olhares
estavam voltados para o palco improvisado, Maria se encantou com algo que só
ela parecia notar.
Foi ali que ela
avistou uma linha, uma linha amarela e brilhante que saía discretamente da
camisa de uma das professoras sentadas à sua frente. Aos olhos dos adultos,
quase invisível, mas para Maria, aquele fio era uma preciosidade reluzente.
Seus dedos se estenderam automaticamente, e com um puxão leve e hábil, ela
pegou o fio amarelo, admirando-o como se tivesse encontrado um tesouro. Ela mal
prestava atenção à apresentação, perdida em seu próprio momento mágico com a
linha, que pulsava entre seus dedos como o fio de um ioiô, subindo e descendo.
Mais tarde, ao
vê-la tão concentrada com sua descoberta, a professora e sua auxiliar, que
haviam ajudado a organizar a apresentação, não a interromperam. Elas entendiam
que aquele momento de calma, aquela linha amarela que dançava entre os dedos de
Maria, era uma forma de conexão, um diálogo silencioso entre a menina e o mundo
ao seu redor.
E então, a
professora compreendeu algo importante. Talvez Maria visse o mundo de uma forma
que os outros não conseguiam ver, capturando detalhes, cores e movimentos que
passavam despercebidos. Para Maria, cada linha, cada fio, era uma nova
possibilidade de descoberta e tranquilidade.
A história de Maria revela que o mundo das pessoas com autismo não é distante nem inacessível. Eles têm um olhar
próprio e guardam segredos sensíveis e profundos, que revelam belezas que
muitos perdem ao passar rápido demais por elas. Com carinho e aceitação, como Maria
e suas linhas, somos todos convidados a enxergar o mundo de outras formas, com
curiosidade e amor pelo que é único e especial.
Referências:
Elaboração, narrativa imaginária e arte: Charles Aquino
Imagem: Fita
quebra-cabeças de conscientização do autismo. Disponível em: Wikipédia
Inspiração: APAE – Itaúna/MG