No início do século XIX, o Rio São João Acima ainda servia como ponto estratégico de
passagem e repouso para tropeiros e sertanistas que desbravavam as trilhas
inóspitas rumo aos sertões de Goiás. Essas jornadas, repletas de desafios e
perigos, eram marcadas pela resistência e pela determinação dos viajantes, que
carregavam em seus ombros não apenas mercadorias e gado, mas também histórias,
esperanças e as lendas que alimentavam a imaginação da época.
Entre essas
lendas, destacava-se a do lendário Morro do Batatal, também chamado de Morro
do Descoberto, em Pitangui. Acreditava-se que suas terras, nas primeiras décadas do século XVII, escondiam pedras de
ouro moldadas pela natureza com o formato de batatas, enterradas como tesouros
à espera de serem colhidos. O morro, com seu mistério e riqueza, tornou-se um
símbolo das promessas e desafios do sertão, inspirando narrativas que perduram
até hoje.
Em uma noite
abafada e sem lua, um grupo de sertanistas se reuniu em uma pequena hospedaria
às margens do rio. Entre eles estavam dois viajantes peculiares: um homem com a
aparência endurecida pelas jornadas e uma mulher cujos olhos refletiam um
mistério inescrutável. Sobre a mesa de madeira no centro da sala repousava uma
pedra de ouro — do tamanho de uma batata — que, segundo diziam, havia sido
retirada do Morro do Batatal.
A pedra reluzia
suavemente, emitindo um brilho que parecia vivo, como se fosse uma chama
interna. Aquilo não era apenas um artefato raro; era um símbolo. Histórias
diziam que o Morro do Batatal guardava segredos antigos, e que aqueles que
encontravam uma dessas pedras sentiam algo que mudava suas vidas para sempre.
Os viajantes
observavam a pedra em silêncio reverente. O homem e a mulher, atraídos pelo
estranho objeto, sentaram-se à mesa, frente a frente. Um ar pesado tomou conta
do ambiente, e o brilho da pedra parecia pulsar. De repente, era como se o rio,
a mata e até o tempo ao redor tivessem congelado. Eles não precisavam falar;
uma conexão inexplicável os unia naquele momento.
Era mais do que
fascínio pela riqueza prometida pelo ouro. Era como se a pedra canalizasse as
esperanças, os medos e a força do sertão, condensando tudo em um único
instante. O brilho dourado os fazia lembrar que, mesmo em terras áridas, a
natureza tinha o poder de criar algo extraordinário. E naquela noite, ambos
entenderam que suas jornadas, por mais desafiadoras que fossem, carregavam um
propósito maior.
Com o amanhecer,
o encanto parecia ter se dissipado. A pedra continuava ali, imóvel, mas os dois
viajantes sabiam que algo profundo havia mudado. O homem retomou seu caminho
com a determinação reforçada de atravessar os sertões com seu gado. A mulher,
enigmática como sempre, desapareceu na direção de Pitangui, carregando consigo
uma história que nunca seria contada por completo.
Os sertanistas
que ficavam repetiam as lendas sobre o Morro do Batatal. Diziam que, sob sua
terra, havia mais pedras de ouro, escondidas como batatas prontas para serem
colhidas. Contudo, não era apenas a riqueza que fascinava, mas a energia
inexplicável que parecia emanar daquelas pedras, como se fossem o próprio
espírito do sertão.
O Morro das
Batatal tornou-se um lugar de histórias e mistérios, onde o ouro não era apenas
um tesouro material, mas também um símbolo da luta e da resiliência dos que
cruzavam aquelas terras. E a pedra de ouro, esquecida sobre uma mesa simples às
margens do Rio São João Acima, tornou-se uma lembrança de que, mesmo nas
trilhas mais difíceis, sempre há algo de extraordinário a ser descoberto.
Lendas e Narrativas no Sertão Oeste da Capitania de Minas Gerais no século XVIII-XIX
Texto, arte e
design: Charles Aquino
Ilustração criada
com IA, inspirada no conteúdo do texto.