quarta-feira, novembro 27, 2024

OURO NO SERTÃO DE SANTANA

No início do século XIX, o Rio São João Acima ainda servia como ponto estratégico de passagem e repouso para tropeiros e sertanistas que desbravavam as trilhas inóspitas rumo aos sertões de Goiás. Essas jornadas, repletas de desafios e perigos, eram marcadas pela resistência e pela determinação dos viajantes, que carregavam em seus ombros não apenas mercadorias e gado, mas também histórias, esperanças e as lendas que alimentavam a imaginação da época.

Entre essas lendas, destacava-se a do lendário Morro do Batatal, também chamado de Morro do Descoberto, em Pitangui. Acreditava-se que suas terras, nas primeiras décadas do século XVII, escondiam pedras de ouro moldadas pela natureza com o formato de batatas, enterradas como tesouros à espera de serem colhidos. O morro, com seu mistério e riqueza, tornou-se um símbolo das promessas e desafios do sertão, inspirando narrativas que perduram até hoje.

Em uma noite abafada e sem lua, um grupo de sertanistas se reuniu em uma pequena hospedaria às margens do rio. Entre eles estavam dois viajantes peculiares: um homem com a aparência endurecida pelas jornadas e uma mulher cujos olhos refletiam um mistério inescrutável. Sobre a mesa de madeira no centro da sala repousava uma pedra de ouro — do tamanho de uma batata — que, segundo diziam, havia sido retirada do Morro do Batatal.

A pedra reluzia suavemente, emitindo um brilho que parecia vivo, como se fosse uma chama interna. Aquilo não era apenas um artefato raro; era um símbolo. Histórias diziam que o Morro do Batatal guardava segredos antigos, e que aqueles que encontravam uma dessas pedras sentiam algo que mudava suas vidas para sempre.

Os viajantes observavam a pedra em silêncio reverente. O homem e a mulher, atraídos pelo estranho objeto, sentaram-se à mesa, frente a frente. Um ar pesado tomou conta do ambiente, e o brilho da pedra parecia pulsar. De repente, era como se o rio, a mata e até o tempo ao redor tivessem congelado. Eles não precisavam falar; uma conexão inexplicável os unia naquele momento.

Era mais do que fascínio pela riqueza prometida pelo ouro. Era como se a pedra canalizasse as esperanças, os medos e a força do sertão, condensando tudo em um único instante. O brilho dourado os fazia lembrar que, mesmo em terras áridas, a natureza tinha o poder de criar algo extraordinário. E naquela noite, ambos entenderam que suas jornadas, por mais desafiadoras que fossem, carregavam um propósito maior.

Com o amanhecer, o encanto parecia ter se dissipado. A pedra continuava ali, imóvel, mas os dois viajantes sabiam que algo profundo havia mudado. O homem retomou seu caminho com a determinação reforçada de atravessar os sertões com seu gado. A mulher, enigmática como sempre, desapareceu na direção de Pitangui, carregando consigo uma história que nunca seria contada por completo.

Os sertanistas que ficavam repetiam as lendas sobre o Morro do Batatal. Diziam que, sob sua terra, havia mais pedras de ouro, escondidas como batatas prontas para serem colhidas. Contudo, não era apenas a riqueza que fascinava, mas a energia inexplicável que parecia emanar daquelas pedras, como se fossem o próprio espírito do sertão.

O Morro das Batatal tornou-se um lugar de histórias e mistérios, onde o ouro não era apenas um tesouro material, mas também um símbolo da luta e da resiliência dos que cruzavam aquelas terras. E a pedra de ouro, esquecida sobre uma mesa simples às margens do Rio São João Acima, tornou-se uma lembrança de que, mesmo nas trilhas mais difíceis, sempre há algo de extraordinário a ser descoberto.

 

Lendas e Narrativas no Sertão Oeste da Capitania de Minas Gerais no século XVIII-XIX

Texto, arte e design: Charles Aquino

Ilustração criada com IA, inspirada no conteúdo do texto.