sábado, novembro 30, 2019

ISAURINO DO VALE


 Lei Municipal 1286/76 / CEP 35680-071
Denomina logradouro público: Rua Isaurino do Vale / Bairro Vila Tavares


Pedreiro, arquiteto, cartógrafo, topógrafo, músico ...

Isaurino do Vale, vibrante personalidade humana e pioneiro do abastecimento d’agua potável em Itaúna, era um cidadão que impressionava a todos pela sua bondade altruística, pela maneira oculta que praticava a caridade.
Nasceu aos 21 de janeiro de 1899 em Queluz de Minas, hoje Conselheiro Lafaiete. Foram seus pais o sr. Manoel do Vale e Dona Maria Petrina Menezes do Vale, possuindo quatro irmãos, com os quais se entendia muito bem e com afinidades fraternais: José Miguel do Vale, Dolores do Vale Gomes, Augusto do Vale e Maria do Vale.
Em 1925 a convite do então Prefeito Municipal, Dr. Dario Gonçalves de Souza, saiu de sua terra natal para o município de Itaúna, com a importante missão de construir uma represa para captação de um novo manancial de água potável para a cidade.
Firmara contrato com o engenheiro Dr. José da Silva Brandão, que recrutara o Dr. Miguel e este, por sua vez, arrebatara daquelas encostas e ladeiras os irmãos Vale — Isaurino e Augusto, para que o auxiliassem na missão da grande empreitada.
A comitiva instalara-se na Rua Direita, hoje, avenida Getúlio Vargas, no casarão azulado e antigo do Vigário Pe. João Pereira, que o alugara para aqueles benfeitores. Dona Maria Petrina de Menezes, mãe dos irmãos Vale, vinha como administradora do lar. Excelente “relações públicas”, logo fez um vasto círculo de amizades na cidade, tornando-se muito admirada.
Daquela equipe fazia parte: pedreiros, cabouqueiros, um carroceiro, um ferreiro, além do carroção que trouxeram para tração da represa. Formavam todos uma só família, obedecendo ordens e aos comandos de Dona Maria Petrina Menezes Vale.
Com muitos sacrifícios até mesmo riscos de vida, iam edificando a represa, dinamitando a pedreira, batendo brocas ferrando bigornas; material transportado à distância pela caravana.
Isaurino e Augusto eram pedreiros competentes. Isaurino chefiava a turma com grande empenhado em um serviço rápido, mas, com segurança. Simpáticos, logo caíram nas graças do povo itaunense, que os acolheram com grande hospitalidade. 
Durante o dia, prestavam serviços à represa. À noite, reunidos no solar antigo, encantavam os moradores com seus instrumentos. Isaurino era exímio ao violão, violino e bandolim. Augusto era igualmente, dedilhava o violão. Um cunhado de ambos, que viera em visita à família ali permanecendo por algum tempo, era clarinetista. Os demais cantavam inclusive Dona Petrina.
Assim, uma orquestra se formara naquela casa para embevecimento de seus vizinhos. Era corrente afinar instrumentos e valsas que enchiam o ar com a harmonia. Modinhas eram ali revividas para alegria geral dos coirmãos. As composições românticas deleitavam ouvidos e corações. Os chorinhos estridentes e brejeiros, como “Sururu na cidade” e “Tico-Tico no Fubá”, eram igualmente interpretadas. Aqueles homens que, durante o dia ofereciam as mãos às marretas, colheres de pedreiro, alavancas e brocas, à noite dedilhavam instrumentos com sabedoria e sensibilidade.
Na luta do homem contra a natureza, conseguiram aproveitar da rocha o que desejavam — perfurações foram obtidas através de explosões e alimentadas pelo grande açude, amparada pelos “ladrões” mecânicos, avançando para as valas previamente abertas e para o paredão levantado. A represa nascia consciente de sua maternal tarefa de alimentar com águas puras, a população da cidade. 
Isaurino, sempre atento no comando de seus homens, liderava ao mesmo tempo, dois grupos diferentes — durante o dia a força física e o cérebro e a noite as emoções com sua música.
Desde o início de seu trabalho na represa fora admitido como funcionário da Prefeitura Municipal. Terminados os trabalhos, não mais voltou a residir em Queluz de Minas. Permaneceu em Itaúna. Seu irmão Augusto mudou-se para o Japão de Oliveira, hoje Carmópolis de Minas, onde casou-se e constituiu família.
Isuarino continuava laborioso, nos quadros da Prefeitura. Era um urbanizador admirável. Autodidata em engenharia. Sempre em ascensão em seus postos, prestava relevantes serviços à comunidade com eficiência e brilhantismo.
Casara-se com Dona Raquel Nogueira do Vale filha de Antônio Esteves Gaio e de Dona Osória Nogueira Soares, nascendo-lhes, apenas uma filha —Inês Antunes do Vale, professora primária, casada com o sr.  Walter Antunes, próspero comerciante e fazendeiro abastado, sendo filhas deste casal, Soraya Antunes do Vale e Silvana Antunes do Vale.
Isaurino do Vale ocupou os mais expressivos cargos na Câmara Municipal de Itaúna:
Ø    1925 — Admitido como Encarregado dos Serviços de Abastecimento de Água e esgoto;
Ø    1928 — Assume a direção dos referidos serviços como administrador;
Ø    1937 — Legalizado para o exercício da profissão, caderneta nº 131;
Ø    1938 — Designado par servir como membro do Diretório Municipal de Geografia;
Ø    1940 — Designado para proceder à revisão da Carta Geográfica do Território do Município e Auxiliar do Serviço de Recenseamento Geral do Brasil;
Ø    1941 —Designado para elaborar uma monografia do Município, no concurso instituído pelo Conselho Nacional de Geografia. Concluído este trabalho e entregue para julgamento, foi aprovado ainda no mesmo ano e foi designado para proceder ao Recenseamento com Base para Elaboração da Monografia Histórico Corográfico do Município de Itaúna. Realizada a obra que deu entrada no Departamento estadual de Estatística de Belo Horizonte. Foi muito felicitado pelo Diretor do Departamento;
Ø    1942   — Designado para as funções de Fiscal do Distrito da Cidade, pelo falecimento do antigo ocupante do cargo. Também neste ano foi designado para chefiar os serviços de Estatística Municipal;
Ø    1944 — Volta a ocupar a chefia dos Serviços de Obras;
Ø    1945 — Designado por ordem do sr. Prefeito para auxiliar ao engenheiro topógrafo, no levantamento da Planta Cadastral da cidade;
Ø    1946 — Assume o cargo de Chefe de Serviços de Obras, por haver concluído os trabalhos designados por Portaria Oficial;
Ø    1954 — Aposenta-se de acordo com as leis vigentes na época.

Isaurino do Vale foi um grande benemérito e Itaúna muito lhe deve. Um precursor do progresso local, colocou todas as suas energias ao labor constante da edificação do município. Faleceu aos 3 de outubro de 1969, em Belo Horizonte, havendo sido trasladado para Itaúna, onde foi sepultado segundo seu desejo. A figura inesquecível do batalhador permanece — pedreiro, arquiteto, cartógrafo, topógrafo, músico e funcionário público de inédito valor e de invulgar talento.


REFERÊNCIAS:
PAULA. Almênio José de. Figuras Notáveis de Minas Gerais, 1973, p.230,231.
Pesquisa: Charles Aquino, Patrícia Gonçalves Nogueira.
Organização & Fotografia: Charles Aquino
Acervo: Instituto Cultural Maria Castro Nogueira
Projeto de Lei dos Logradouros: Prefeitura Municipal de Itaúna
Texto 1: Guaracy de Castro Nogueira  (In Memoriam)


INFORMAÇÕES SOBRE O RESERVATÓRIO E BARRAGEM:

SOBRE O RESERVATÓRIO: Nos anos de 1925 e 1926 foi construído o primeiro reservatório da cidade, localizado na antiga Rua das Viúvas, hoje Agripino Lima, esquina com Rua São Vicente. Os responsáveis pela construção foram Isaurino do Vale e Dr. Alcindo Vieira. Pela Portaria nº 137 de 1928 o Sr. Isaurino do Vale foi nomeado Fiscal de Obras Públicas Municipais. Além de trabalhar na Prefeitura o Sr. Isaurino fazia projetos. Dezenas de casas em Itaúna, inclusive duas para meu pai, foram projetadas pelo mesmo. Isaurino era sogro do Sr. Walter Antunes, proprietário da Granja Maçaranduba.
SOBRE A BARRAGEM: Logo acima do Bairro Nogueirinha, na estrada para o Córrego do Soldado, há ainda hoje, os restos de uma pequena barragem que servia para captação das águas do Ribeirão do Sumidouro donde vinha por gravidade, em grossos tubos de ferro até o Reservatório da Rua das Viúvas.

Pesquisa: Charles Aquino
Fonte: Arquivo Municipal Câmara de Itaúna
Revisão: Prof. Marco Elísio Chaves Coutinho
Texto 2: Juarez Nogueira Franco (In Memoriam)

quarta-feira, novembro 27, 2019

ITAÚNA: SEGUNDA GUERRA MUNDIAL


Muitos foram até a Itália, ficando outros no Rio de Janeiro, aguardando a ordem de partir. José Soares Filho foi um dos que esperavam no depósito do Rio de Janeiro para seguir.

A hora de despedir-se de sua mãe, sua garganta apertava de pena por vê-la chorar, sem saber se ele voltaria a seu lado ou se tombaria ao lado dos outros, em defesa do Brasil.
Mas, partindo de Itaúna, só um pensamento o devorava: “lutar e vencer”, cumprindo sua missão patriótica.

Afinal, não foi preciso seguir, porque os que o precederam, já haviam vencido, e voltaram cheios de glórias para suas cidades de origem.
Como José Soares, foram muitos itaunenses mas só alguns seguiram à frente da batalha.

Até a Itália foram os seguintes; Antônio Lopes de Morais, Elídio Afonso Guimarães, José Ferreira de Matos, Valdemar e AmadoE também os radicados em Itaúna: Major Rui Machado, Geraldo Rodrigues China e Inácio Campos Cordeiro.

Valdemar e um outro, apelidado por “Mula Manca”, acabaram seus dias sofrendo das faculdades mentais, ou melhor dizendo, de neuroses de guerra.

“Mula Manca” vivia cantando pelas ruas da cidade coisas desconexas, mas que lembravam os dias de combate. Por exemplo: “o navio de guerra quer falar contigo”, ou então: “o navio de guerra e o paraquedista”. E assim, esses dois foram-se desaparecendo, no turbilhão da vida.

Maria Magdalena Carneiro e Geralda Garcia Braz Também se ofereceram “voluntárias”, como enfermeiras da Cruz Vermelha, mas só ficaram em Belo Horizonte tratando dos soldados feridos que regressavam da frente de batalha.

Afinal, no dia 18 de julho de 1945, chegavam à Itaúna. Foi uma apoteose. A cidade soube receber os filhos que souberam honrar seu nome.

O povo se aglomerava na praça Dr. Augusto, dando vivas, ao som da banda de música, toques de sinos, todos cantando o Hino dos Pracinhas: “Você sabe de onde eu venho? É de uma pátria que eu tenho”.

Antônio Lopes de Morais e José Ferreira de Matos foram carregados aos ombros por populares, desde a praça da estação até a Praça da Matriz.

Soldado Amado
Soldado Antônio Lopes de Moraes
Soldado Elídio Afonso Guimarães
Enfermeira Geralda Garcia Braz
Soldado Geraldo Rodrigues China
Soldado Inácio Campos Cordeiro
Soldado José Ferreira de Matos
Soldado José Soares Filho
Enfermeira Maria Magdalena Carneiro
Soldado Mula Manca
Soldado Jovelino Olympio Guimarães
Soldado Paulo da Fonseca
Major Rui Machado
Soldado Valdemar
Soldado Antunes Pinto



COMEMORAÇÃO DO FIM DA GUERRA EM ITAÚNA

Na praça da matriz, foi armado um belíssimo altar da Pátria, ricamente ornado com as cores nacionais. A praça, toda estava enfeitada com bandeirolas e com as bandeiras das Nações Unidas.

Celebrei a Santa Missa às 8 horas. Compareceram todos os sacerdotes presentes na paróquia, autoridades civis e militares, Escola Normal, Ginásio e Academia Comercial Santana, Grupo escolar, destacamento militar e grande massa de povo.

Na hora segunda — consagração das duas bandas, itaunense e Santanense que cantavam festivamente o Hino Nacional, enquanto, o destacamento apresentava às suas armas ao Deus infinitamente poderoso.

À noite, solene procissão do Santíssimo Sacramento até ao altar, onde teve lugar a oração congratulatória de Ação de Graças pelo Revmo. Pe. José Nobre e em seguida, Te Deum e benção do Santíssimo Sacramento.

Foi um momento de entusiasmo pelas aclamações ao Santíssimo Sacramento e pelo povo agitando os seus lenços brancos. Quase cinco mil pessoas agrupavam a praça da Matriz.


REFERÊNCIAS:
Texto 1: Iracema Fernandes de Sousa
Fonte Impressa: SOUSA, Iracema Fernandes de. Itaúna através dos tempos, Ed. LEMI S.A., BH, 1984, págs. 105,106
Pesquisa, Elaboração e Arte 1: Charles Aquino
Texto 2: Padre José Ferreira Netto
Fonte Impressa: Livro do Tombo da Paróquia de Sant’Anna de Itaúna - 1902 a 1947, p. 84v,85.
Acervo: Charles Aquino
Pesquisa & Elaboração 2: Charles Aquino.
Informações sobre Óbitos: Prefeitura Municipal de Itaúna: https://www.itauna.mg.gov.br/portal/servicos/402/cemit%C3%A9rios-municipais


terça-feira, novembro 26, 2019

quinta-feira, novembro 21, 2019

CENSO 1831



A freguesia foi dividida em 16 quarteirões, cada um com 25 fogos, totalizando 400 fogos. Em cada fogo[1] fazia-se o levantamento de todos residentes, inclusive filhos casados e escravos.

O recenseamento buscava conseguir os seguintes dados:

Número de quarteirões em cada freguesia; 25 fogos em cada quarteirão; nome dos habitantes de cada fogo; a qualidade do habitante, se era branco, pardo, preto, africano, crioulo ou cabra; sua condição, se era livre ou escravo; legítimo ou exposto[2]; idade, estado, se casado ou solteiro e ocupação.

BRANCOSA
843
MULATOSB
869
CRIOULOSC
552
PRETOSD
448
AFRICANOSE
45

TOTAL

2.757

A: Descendentes de portugueses;
BMiscigenação brancos/africanos;
CFilhos de africanos ou pretos nascidos no Brasil;
D: Africanos trazidos em navios negreiros contrabandeados;
E: Nascidos no continente africano trazidos em navios e registrados.



[1] Casa de residência ou que pertencia à casa ou família, lareira, fogão e por extensão, lar ou domicílio.

[2] Recém-nascido abandonado pela mãe em outra casa; enjeitado. Geralmente eram colocados na portas das casas, entregues a orfanatos administrados por freiras.  


Referências:

Fonte/texto impresso: ITAÚNA: Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Itaúna em Detalhes. 2003, p.22.

Fonte: http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/

Acervo: Shorpy ( Fotografia meramente ilustrativa)

Pesquisa & Organização: Charles Aquino

quinta-feira, novembro 14, 2019

REPUBLICANOS EM ITAÚNA

REPÚBLICA
Itaúna, foi dos primeiros lugares em Minas que se manifestou republicano e, pela ocasião da proclamação da República, talvez o único que não tivesse um monarquista sequer. O entusiasmo chegava a tal ponto, que em 1885, em plena vigência da Monarquia, o tenente – coronel Zacharias Ribeiro de Camargos denominava “REPÚBLICA” a sua fazenda e Aureliano Nogueira Machado, diretor da banda de música local, escrevia no lombo, a letras garrafais, a frase — “VIVA A REPÚBLICA!!”

A 21 de Abril de 1889, o Dr. Augusto Gonçalves, Manoel Gonçalves, Francisco Manoel Franco, João Dornas dos Santos, Josias Nogueira Machado, João de Araújo Santiago, Cassiano Dornas dos Santos e outros, fundara, o “CLUB REPUBLICANO 21 DE ABRIL” filiado ao Centro Republicano de Ouro Preto.

E quando chegou a Sant'Ana a notícia da proclamação, grandes festas se realizaram, de regozijo pelo grande acontecimento. Contam que o ardoroso republicano Cassiano Dornas dos Santos sacou o paletó e fez de tapete para o burro que conduzia as malas do Correio, que nesse tempo vinha do Bonfim ... E tal foi a alegria com que o povo cercou o comboio do Correio, que o estafeta, sem saber o motivo de tanto delírio, pensou se tratasse de agressão à sua pessoa ...

Na noite de 20 de novembro promoveram uma grande passeata cívica, em que havia um andor enfeitado com as cores da bandeira e sobre o qual uma filhinha de Arthur de Mattos se ostentava, vestida de República. Esse andor serviu, também, no mesmo dia, para conduzir uma parteira velha e trôpega, que não podia atender a um chamado com a necessária urgência ... O “Club Republicano 21 de Abril” foi dos primeiros em Minas gerais.



FONTE: FILHO, João Dornas. Itaúna: Contribuição para a História do Município. Belo Horizonte. 1936, p.33-34.
FOTOGRAFIA ORIGINAL: Wikipédia
ACERVO:https://pt.wikipedia.org/wiki/Deodoro_da_Fonseca 
PESQUISA, ORGANIZAÇÃO E ARTE: Charles Aquino

segunda-feira, novembro 11, 2019

sexta-feira, novembro 08, 2019

AFRESCOS DE SANT'ANA


A matriz foi iniciada como capela do Rosário em 1840, sendo vigário o padre Antônio Domingues Maia; a sua ampliação teve começo com o vigário João Batista de Miranda em 1854;
em 1875 o vigário Antônio Campos a concluía; em 1916 o padre João Ferreira Álvares fazia-lhe grande reparos, assim como o vigário Cornélio Pinto da Fonseca em 1926; e em 1934 o padre Ignácio Campos demolia-a, para edificação da nova matriz à altura do desenvolvimento de Itaúna (DORNAS, págs. 24,25).

Numa das torres da velha matriz existia um galo de lata, de significação litúrgica. Se caso esse galo, por efeito do vento, voltava o bico para o lado do cemitério, grandes mortandades se verificavam na cidade ... (DORNAS, pág. 99).

Os sinos e relógio da torre foram adquiridos por subscrição pública, iniciada por um grande benemérito de Sant’Anna — João Antônio da Fonseca ... (DORNAS, pág. 24).

Antiga Igreja Matriz Sant'Ana de Itaúna(MG)

A ampliação da matriz custou a vida de João Júlio Cesar Silvino, carpinteiro, que trabalhava nas obras de cobertura, em 1857, e que precipitara ao solo. No Livro de óbitos nº 1 consta o lançamento do seu enterramento no interior da igreja, em homenagem ao fato de trabalhar nas obras, parecendo ser o primeiro sepultado ali (DORNAS, pág. 24).
(clicar para ampliar)

Só em 1875 é que terminaram as obras com a pintura interna feita pelo artista Pedro Campos, de Sabará, auxiliado por Antônio José dos Santos (Tonho do Bá, como o chamavam).  Era uma pintura medíocre, que os consertos de 1916 e 1926 fizeram desaparecer (DORNAS, pág. 24).

Era uma igreja de linhas simples por fora, não tendo nada de arte. Simples por fora, mas pomposa por dentro; era bem pintada, com lindas telas, tinha no teto anjinhos e medalhões nas paredes do lado direito do altar-mor era a tela da degolação dos inocentes, a fuga para o Egito e, do lado esquerdo, o casamento de Nossa Senhora ... (Sousa, pág.37).


No ano de 1917, quando o pintor Otávio Vítor (o Otavinho) restaurou a pintura da igreja, não quis tocar nem de leve na tela, por se tratar de obra de arte de algum pintor famoso como mestre Ataíde. Ele ignorava quem havia pintado um azul tão parecido como o desse mestre. Só ele sabia misturar aquela cor, só ele conhecia o segredo (Sousa, pág.37).

Passados muitos anos da demolição da velha Matriz, encontrei no Lar Católico a estampa do casamento de Nossa Senhora com São José. O quadro é o mesmo da pintura de nossa igreja. É de *Rafael e foi pintado para a igreja de São Francisco em Cittá di Castello no ano de 1504 (Sousa, pág.38).


*Raffaello Sanzio


As colinas vão ser abaixadas / Memórias Sonoras e Afetivas

Referências:
Organização, Pesquisa e Arte: Charles Aquino
TEXTOS DE: João Dornas Filho e Iracema Fernandes de Sousa.
FILHO, João Dornas. Itaúna: Contribuição para a história do município, 1936, págs. 25,99.
SOUSA, Iracema Fernandes de. Itaúna através dos tempos, Ed. LEMI S.A., BH, 1984, págs. 37,38.
Fotografias meramente ilustrativas disponíveis em : Anjos& Medalhões, Casamento da Virgem, Massacre dos Inocentes e Fuga para oEgito.
Acervo:  Charles Aquino, Paróquia Sant'Anna de Itaúna.
Family Search disponível em:
"Brasil, Minas Gerais, Registros da Igreja Católica, 1706-1999," database with images, FamilySearch (https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:939N-D791-R9?cc=2177275&wc=M5FD-2NP%3A370882003%2C369941902%2C370938801: 22 May 2014), Itaúna > Santana > Óbitos 1840, Jan-1888, Fev > image 78 of 92; Paróquias Católicas (Catholic Church parishes), Minas Gerais.

quinta-feira, novembro 07, 2019

BOAS FESTAS, COTINHA

Molhando a pena no poço de emoções que a tua trágica morte me causou, Cotinha, aqui estou a felicitar-te, sincera e calorosamente, trazendo-te as minhas “Boas Festas”, pelo novo ano que aí vem!

Nova vida novo ambiente! Novas paisagens para teus olhos deslumbrados! Novo mundo para teus sentidos! Alegrias novas para teu coração! Uma festa de luz para a tua sensibilidade!

Tu, que feriste os pés nas pedras da rua, encontrarás uma estrada luminosa e limpa nos caminhos da amplidão! As pedrinhas, que catavas pelas ruas da cidade, transformar-se-ão em diamantes e safiras para coroar-te a cabeça.

Terás rosas, aquelas rosas que tanto admiravas, a atapetar-te o caminho! Não mais precisarás colhê-las nos jardins da terra! Tê-las-ás em profusão nos vergéis do céu! Quando passavas desapercebida dos perigos que te rodeavam monologando, toda entregue às belezas do seu mundo interior, chamavam-te Coitada!

E tu te exaltavas em altos protestos! E que — mistérios da alma humana! — te julgavas nobre e te sentias feliz! Os farrapos que mal te cobriam o corpo eram mantos de rainha a cobrir-te os ombros!

Diziam que te faltara a razão, Cotinha! Mas, entre os loucos que contigo cruzaram nos caminhos do mundo, eras a mais inofensiva e feliz! Não fazias mal a ninguém. Vivias no teu mundo, à parte. E mostravas, também, uma faceta delicada de teu espírito, um vislumbre de estética espiritual, no teu amor às flores!

Quando as colhias nos jardins alheios, era com a maior naturalidade que o fazias! Pois não eram teus todos os jardins da terra? Que mal havia em colheres as rosas vermelhas que ali desabrochavam? E como apreciavas as cousas finas e agradáveis ao paladar mais requintado!

Gostavas do vinho! E como raramente te molhou ele os lábios! Pois é, Cotinha! Deves estar Feliz! Não mais os perigos da rua! Não mais te chamarão de coitada.

A ambrosia, néctar dos deuses, ao alcance de teus lábios! Rosas e mais rosas ao seu alcance de tua mão! Mas o que mais certamente te encantou foi a homenagem que te prestaram! O teu nome, antes tão pequenino, tão esquecido, falado aos quatro cantos do Brasil!

O teu nome, Cotinha, a embargar a voz dos locutores, a fazer chorar o povo que te queria! Já foste notícia na imprensa da cidade; o teu retrato já emoldurou os jornais da terra, uma vez!

Mas nem soubeste disso! Agora, tudo viste! Sabes que chorei a tua morte! Sabes que todos choraram! O teu caixão todo de branco e, tu toda de branco vestida! Os teus funerais! A emoção de tua gente! Talvez tivesses dito: Coitados deles!

Agora, Cotinha, me penitencio, arrependida de não te haver colocado à minha mesa para que comigo comesses do meu pão e bebesses comigo do meu vinho!

Felicidades, Cotinha!

E até lá!

Análise do texto"Boas Festas, Cotinha"

"Boas Festas, Cotinha", escrito por Nise Campos, é um texto que mergulha profundamente nas emoções e reflexões sobre a vida e a morte de Cotinha, uma figura aparentemente marginalizada pela sociedade.

O texto aborda temas de solidão, marginalização social, transcendência e redenção após a morte. Está estruturado em forma de uma carta ou mensagem dirigida diretamente a Cotinha, evocando uma atmosfera íntima e pessoal. O tom do texto é emotivo e contemplativo. A autora expressa sentimentos genuínos de pesar pela morte de Cotinha, ao mesmo tempo em que oferece votos de felicidade e redenção em sua nova jornada após a vida terrena. O estilo é marcado por uma linguagem poética e simbólica, com metáforas que ressaltam a beleza e a transformação.

Cotinha é retratada como uma figura incompreendida e marginalizada, mas também como alguém que encontrava beleza e felicidade em seu próprio mundo interior. Sua morte é celebrada como uma libertação dos perigos e do sofrimento terreno, enquanto sua jornada após a vida é imaginada como repleta de luz, beleza e reconhecimento.

O texto lança uma crítica implícita à maneira como a sociedade trata os marginalizados e os considera "coitados". Cotinha é apresentada como uma pessoa feliz e inofensiva em seu próprio mundo, apesar de ser rotulada como louca ou desafortunada pelos outros. Essa crítica social é intensificada pelo contraste entre a visão dos outros sobre Cotinha e a maneira como ela é descrita pela autora. O uso de símbolos, como as rosas, o vinho e a imagem de Cotinha vestida de branco em seu funeral, adiciona profundidade ao texto. As rosas representam a beleza e a fragilidade da vida, enquanto o vinho pode simbolizar tanto prazer quanto sofrimento. O branco pode evocar pureza, paz ou até mesmo uma nova vida após a morte.

A autora demonstra uma profunda empatia por Cotinha, reconhecendo sua humanidade e dignidade mesmo em meio à adversidade. As emoções sinceras expressas no texto, como o pesar pela morte de Cotinha e o arrependimento por não ter interagido mais com ela em vida, ressoam com o leitor e evocam reflexões sobre a natureza da compaixão e da conexão humana.

Em resumo, "Boas Festas, Cotinha" é um texto que transcende as barreiras da vida e da morte, oferecendo uma reflexão comovente sobre a dignidade e a beleza encontradas mesmo nas margens da sociedade. Através de uma linguagem poética e simbólica, a autora convida o leitor a contemplar a profundidade da experiência humana e a encontrar significado na redenção e na transcendência.

 


Cotinha sobre o olhar de Maria Lúcia Mendes


A ex-diretora do Museu Municipal Francisco Franco de Itaúna e escritora Maria Lúcia Mendes também nos deixa um texto sobre a Cotinha:

Cotinha ...
Em tamanha naturalidade que parece ter vida. Ah, se me lembro dela ... A Cotinha Pereira, como a chamávamos. Magrinha, estatura média, sempre descalça, era vista aqui e ali peregrinando pelas ruas, absorta em monólogos que ninguém entendia.

Quando alguém lhe dizia! “Coitadinha da Cotinha! Caiu no azeite”, ela contraía o rosto em enormes caretas e protestava: Coitadinha é ...

E a meninada corria assustada ante uma enxurrada de palavrões e pedras. Tinha a mania de andar beirando o meio-fio, revirando tudo que encontrasse pelo chão como que à procura de um objeto perdido.

Segundo diziam, Cotinha em verdes anos, perdera uma agulha com a qual sua mãe costurava e, por causa disso, recebera dela uma praga: haveria de procurar essa agulha, enquanto vivesse.

Verdade ou não, continuava sempre sua estranha procura, catando aqui e ali. Às vezes, parava em plena rua e, entregue àquele universo singular, que criara para si mesma, erguia os braços em gestos descompassados, falando sozinha.

Amante das flores, Cotinha as colhia nos jardins por onde passava e, sob uma chuva de pérolas, coroava-se toda dizendo: Sou moça donzela, sou rainha ...


Análise do texto “Cotinha

 Cotinha é apresentada como uma personagem singular, cujo comportamento excêntrico e aparência peculiar a tornam notável entre os habitantes da cidade. Ela é descrita como magra, de estatura média, frequentemente descalça e absorta em monólogos incompreensíveis para os outros.

A interação de Cotinha com os outros habitantes da cidade é marcada por momentos de estranheza e incompreensão. O diálogo relatado, onde ela protesta contra o apelido de "coitadinha", revela sua personalidade forte e a falta de conformidade com as expectativas sociais.

A história da maldição lançada pela mãe de Cotinha, relacionada à perda de uma agulha, adiciona um elemento de realismo fantástico à narrativa. Esse aspecto contribui para a construção da atmosfera misteriosa e folclórica em torno da personagem. Cotinha é retratada como uma pessoa imersa em sua própria realidade imaginativa. Seus gestos descompassados, a busca incessante por uma agulha perdida e sua declaração de ser uma "moça donzela, rainha", simbolizam sua fuga da realidade cotidiana para um mundo interior fantasioso e poético.

O texto sugere uma crítica implícita à forma como a sociedade lida com aqueles que são considerados diferentes ou excêntricos. Cotinha é marginalizada e até mesmo temida pela criançada, refletindo a intolerância e a falta de compreensão em relação às diferenças. A escrita de Maria Lúcia Mendes é direta e descritiva, utilizando uma linguagem acessível e vívida para retratar a vida de Cotinha. O uso de expressões regionais e a caracterização detalhada dos hábitos da personagem contribuem para a autenticidade e vivacidade da narrativa.

Em suma, "Tipos Populares" é mais do que uma simples descrição de um personagem excêntrico; é uma reflexão sobre a marginalização social, a imaginação e a singularidade humana, apresentada através de uma prosa envolvente e ricamente detalhada.

 


TIPOS POPULARES

O saudoso Osvaldo fotógrafo tinha um hobby de fotografá-los.... Assim, conseguiu uma galeria dos Tipos Populares de Itaúna, o qual se encontra nos registros do jornalista Hamilton quando visitou o Museu Municipal Francisco Franco em Itaúna/MG. 


Referências:
Organização, pesquisa e análise: Charles Aquino
Texto 1: Nise Campos 
Fonte impressa: Jornal Voz Operária, pág.6, Itaúna/MG.
Texto 2: CARVALHO, David de. Anuário dos Aspectos Históricos de Itaúna. Ano II. Vile editora e Escritório de Cultura. 2001, pá.61.
Vídeo: Registro do Museu Municipal Francisco Manoel Franco em Itaúna realizado por Hamilton Pereira.  Em 2014 o museu foi fechado para visitação e  somente em 2019 iniciou sua reforma. 
Acervo: Shorpy