Quando eles
chegaram, o time adversário já estava batendo bola no campo de terra batida. O
vento forte levantava uma poeira de terra vermelha que grudava nas narinas,
provocando uma série de espirros entre os jogadores do time visitante, que com
os olhos semi-serrados, devido ao vento empoeirado, procuravam tomar pé da
situação naquele pequeno lugarejo próximo a Itaúna.
Era uma manhã de Domingo e as adversidades do campo, até então estranhas aos jogadores, eram na opinião de todos o pior adversário. Invicto há quinze jogos os jogadores do escrete da Lagoinha estavam mais do que preparados para enfrentar a temida seleção de Itatiaiuçu cujas previsões eram de um jogo difícil e de resultado imprevisível.
A torcida, formada em sua maioria por homens e crianças com uma
ou outra sombrinha colorida, se misturando à multidão, já tomava quase todas as
laterais do acanhado campo de terra.
“Hoje o campo
vai lotá – sussurrou o Vicentão para o Maurino da Barragem”
“Eu gosto é
assim- interveio o ponta Bution que próximo aos dois amigos, escutava toda a
conversa. Pequenino e veloz, o ponta cuja fama já se espalhava por toda a
redondeza, era uma das atrações do jogo. E ao som do apito do Juiz, em meio a
um barulhento foguetório tem início a aguardada partida e o ataque do escrete
da lagoinha formado pelo Dico da rede, Zé Barbeiro e o endiabrado Bution
infernizava a defesa adversária. No final do primeiro tempo o placar indicava 4x0
para a seleção da Lagoinha e o Vicentão e sua turma comemoravam a homérica goleada
devorando um balaio de laranja Pingo d’água na beira do acanhado campinho
coberto de terra vermelha.
“Hoje nós vamos
enfiar uns oito gols nestes pés vermelhos de Itatiaiuçu – vangloriava o
Gaguinho Padeiro, grande goleiro do escrete da Lagoinha, mas que quase não fora
exigido na partida em função do fraco ataque do time local.
No início do
segundo tempo os jogadores e a pequena torcida do time Itaunense foram
surpreendidos pelos gritos da torcida local quando o técnico da seleção de
Itatiaiuçu fez a primeira substituição.
“ Tião Dedão,
Tião Dedão, Tião Dedão..... - gritava em coro a fanática torcida em volta do campo
de terra vermelha, ao mesmo tempo que um jogador, aparentando ter uns 38 para
40 anos, meio desengonçado entrou em campo, ao sinal do árbitro.
“ Uaí, isto num
tá parecendo jogador de futebol não – exclamou o Donda, proprietário do Bar do
Donda lá na Lagoinha , onde os jogadores se reuniam antes e após as partidas de
futebol de Domingo.
“Óia, ele corre é de costa, seu Donda- interveio
o Maurino da Barragem num acesso de riso. E só foi o Maurino acabar de falar
que o jogador desengonçado partiu em velocidade e de costas para a área do
escrete da Lagoinha, que ao receber o cruzamento na altura da grande área
carcou um bicudo na bola, que ao invés de ir para frente foi para trás
estourando no travessão do assustado goleiro Gaguinho Padeiro.
“Jesus, Maria,
José, o homi chuta é para trás – exclamou o lateral Dico da Rede para o
assustado Vicentão ao mesmo tempo que a torcida a pleno pulmões gritava o nome
do seu ídolo: Tião Dedão, Tião Dedão, Tião Dedão, Tião Dedão..................
Imediatamente
todos os olhares dos jogadores Itaunenses se concentraram no pé do crack de
Itatiaiuçu e surpresos viram o saliente dedão do pé direito do desengonçado
atacante rebitado para cima, através de um buraco no couro da velha e surrada
chuteira
“ Desde minino
que o iscumungado é assim. É de nascença – explicou um senhor magrelo e de
bigode fino, torcedor do time local, para a atenta e assustada torcida
Itaunense.
“ Ele tem os
quatro dedos do pé direito pra frente e o dedão arrebitado pro céu. Por isto é
que ele joga de marcha-ré – complementou num sorriso desdentado.
“Como ele é o
mais velho do time, só joga no segundo tempo- complementou o seu colega de lado
um baixinho careca e sorridente. Na defesa o Vicentão com seus 92Kg de puro
músculo e o lateral Quilos-Peixe faziam de tudo para parar o perigoso atacante,
o que era quase impossível para alguém que jogava de costas, chutava para trás
e corria de marcha-ré.
“Segura o homi Vicentão
senão a vaca vai pro brejo – gritava desesperado o Antônio Jiló, quando em uma
de suas perigosas descidas o Tião Dedão, de costas, marcava o terceiro gol do
time local.
Faltando poucos
segundos para terminar a partida, o placar indicava 4x3 a favor do escrete da
Lagoinha quando a bola foi cruzada para o Tião que da entrada da grande área,
mesmo marcado por cinco adversários e de costas, enfiou o dedão na redonda. O
que se viu a seguir foi a multidão invadir o campo e aos gritos de Tião Dedão,
Tião Dedão, Tião Dedão, carregar nos ombros o seu ídolo.Próximo ao gol, e ainda
inconformados por deixar escapar uma vitória tão certa, os jogadores da
Lagoinha ainda puderam ver em meio a eufórica torcida, o crack da seleção de
Itatiaiuçu sendo carregado, bem como, o seu saliente dedão, ainda sujo de terra
vermelha, escapando pelo buraco da velha e surrada chuteira de couro...
Causos do Sérgio Tarefa