Se você curte boas histórias com um toque de humor e personagens únicos, não pode deixar de conferir o "causo" Jerônimo e as Três Solteironas de Santanense! Sérgio Tarefa nos leva a uma madrugada de carnaval inesquecível, com personagens como três irmãs solteiras, que após uma noite frustrante no baile, acabam salvando o conhecido Jerônimo.
Sérgio Tarefa
soube capturar muito bem os detalhes culturais e sociais desse universo da
época, onde as expectativas das mulheres, as convenções sociais e a
espontaneidade do carnaval se entrelaçavam em uma harmonia só — diversão!
Essa narrativa é um ótimo convite para refletir sobre os contrastes entre as aparências que tentamos manter e a realidade que inevitavelmente nos alcança hoje em dia. E também é uma homenagem aos causos simples, mas profundamente humanos, que fazem parte do nosso cotidiano.
É uma história que certamente faz qualquer um sorrir e imaginar as cenas vívidas no pequeno Grêmio de Santanense nas décadas de 1980. A história é cheia de ironia e carisma, típica da escrita de Tarefa, com aquele toque pitoresco do cotidiano interiorano. Mas será que Jerônimo ficou agradecido por esse "resgate"? Só lendo para descobrir!
JERÔNIMO E AS "TREIS" SOLTEIRONAS DE SANTANENSE
"Se a canoa não virar
Olê!
Olê! Olá!
Eu chego lá.........."
Quem passou em frente ao Grêmio
de Santanense naquela madrugada de domingo de carnaval não deixaria de cair na
folia. O pequeno espaço do Grêmio estava lotado até na tampa e, o calor era
infernal, com o povão se espremendo, se esfregando e sacolejando em volta do
pequeno salão, num coro só:
"Rema, rema, rema,
remador
Quero ver depressa
o meu amor
Se eu chegar
depois do sol raiar
Ela bota outro
em meu lugar!
Se a
canoa..................."
No palco o pequeno conjunto musical
dava o que tinha para manter o rítmo e a empolgação das centenas de pessoas, a
maioria fantasiadas, que cantarolavam salão afora.
- “Aposto que o nosso baile está mais
animado que o do Automóvel Clube, Flor do Momo e União Operário, lá em Itaúna!”
- Exclamou o Freitas enquanto tirava da boca por alguns instantes o seu
trombone de vara.
- “Carnaval igual a este do Grêmio
não existe: o povo de Santanense sabe brincar!” - Retrucou o Dico do Alcindo,
que não descuidava da marcação do seu surdo de primeira. Em volta da pista, assentadas
em cadeiras encostadas nas paredes, ficavam as moças solteiras e
descomprometidas, aguardando o convite dos rapazes para dançar. Na época uma
moça só ia para o salão dançar, se fosse convidada por algum rapaz. Caso
contrário tomava chá de cadeira a noite toda. E era um puxa e senta frenético. Um
olhar, um piscar de olhos, um sorriso correspondido e lá ia a moça salão afora
toda feliz, cair na folia, sempre sob o olhar atento e severo dos pais.
-“Já são quase duas horas da
madrugada”- falou a Marluce, já impaciente, para a irmã caçula Mariluce”- e até
agora não fomos convidadas para dançar! -Vamos brincar juntas no salão?”
-“De jeito nenhum!”- Resmungou a
Meireluce, a mais velhas das três irmãs solteironas, que acompanhava
atentamente a conversa das duas irmãs caçulas, uma com 37 e a outra com 39 anos
de idade.
-“Onde já se viu duas donzelas
saírem para o salão sem um par para acompanhá-las? -Vocês sabem como este
povinho de Santanense é danado de falador, né!”
E o
baile continuava noite a dentro com toda animação.
"Oh,
jardineira por que estás tão triste?
Mas o
que que foi que te aconteceu?
Foi a
camélia que caiu do galho
Deu dois suspiros e depois morreu
Vem, jardineira..............."
- “Vamos embora deste lugar!”
- Falou a Meireluce – “Foi até bom a gente não ser chamada para dançar e se
misturar com este povinho daqui de santanense. Aqui eu não piso mais!” -Exclamou
com o nariz empinado, tentando aparentar um ar de satisfação.
De sombrinhas em punho rumaram
em direção à fazendinha que ficava à uns dois Km do centro do bairro, onde
residiam. Quando passavam em frente à portaria da fábrica da Santanense, viram
um vulto caído em meio a uma poça d’água. Condoídas e prestativas, mais do que
depressa encaminharam em direção ao desconhecido, receosas que o mesmo se
afogasse naquele lamaçal. Quando se aproximaram viram que se tratava do
Jerônimo, conhecido pinguço do bairro que tinha duas características
principais: beber todos os dias e nunca tomar banho. Com muito esforço e
repulsa, devido o forte odor que exalava, conseguiram virá-lo e colocá-lo
assentado no encosto do meio fio, com a cabeça apoiada no colo da Meiriluce, a
mais velha das três irmãs.
-“Isto que é uma boa ação!”-
Falou a Meireluce. “O pessoal do Grêmio deveria estar aqui para presenciar
isto, e nos dar o valor que merecemos.”
Aos poucos, com ajuda de um lenço, foram tirando o barro grudado na
barba do Jerônimo, bem como, limpando a baba que escorria pelo canto da sua
imunda boca.
-“Coitadinho, se não fosse nós
ele poderia ter morrido afogado!”-Exclamou a Marluce, sob os olhares de
aprovação das duas irmãs mais velhas.
-“Quando ele acordar vai
ficar muito agradecido e todos aqui no bairro ficarão sabendo! Aposto que até o
Padre Luiz Turkenburg, Pároco da Paróquia do Coração de Jesus de Santanense, vai
comentar no sermão da missa de logo mais”- complementou a Mariluce já entusiasmada com o tamanho do
seu ato de caridade.
Nisto, o Jerônimo começou a
se mexer, resmungou algo incompreensível, abriu os olhos empapuçados de tanta
cachaça, passou a mão imunda na barba suja de barro, olhou fixamente para as três
sorridentes solteironas em sua volta, suas velhas conhecidas, e fulminou:
“Nossssaaaaa...! Qui isganação por causa de homi, sô!”...........................
Referências:
Causo: Sérgio Tarefa
Organização e arte: Charles Aquino
Letra: Marcha do Remador - Emilinha Borba