domingo, setembro 29, 2024

CARNAVAL GRÊMIO SANTANENSE

Se você curte boas histórias com um toque de humor e personagens únicos, não pode deixar de conferir o "causo" Jerônimo e as Três Solteironas de Santanense! Sérgio Tarefa nos leva a uma madrugada de carnaval inesquecível, com personagens como três irmãs solteiras, que após uma noite frustrante no baile, acabam salvando o conhecido Jerônimo.

Sérgio Tarefa soube capturar muito bem os detalhes culturais e sociais desse universo da época, onde as expectativas das mulheres, as convenções sociais e a espontaneidade do carnaval se entrelaçavam em uma harmonia só — diversão!

Essa narrativa é um ótimo convite para refletir sobre os contrastes entre as aparências que tentamos manter e a realidade que inevitavelmente nos alcança hoje em dia. E também é uma homenagem aos causos simples, mas profundamente humanos, que fazem parte do nosso cotidiano. 

É uma história que certamente faz qualquer um sorrir e imaginar as cenas vívidas no pequeno Grêmio de Santanense nas décadas de 1980. A história é cheia de ironia e carisma, típica da escrita de Tarefa, com aquele toque pitoresco do cotidiano interiorano. Mas será que Jerônimo ficou agradecido por esse "resgate"? Só lendo para descobrir!


JERÔNIMO E AS "TREIS" SOLTEIRONAS DE SANTANENSE

         "Se a canoa não virar

Olê! Olê! Olá!

      Eu chego lá.........."

Quem passou em frente ao Grêmio de Santanense naquela madrugada de domingo de carnaval não deixaria de cair na folia. O pequeno espaço do Grêmio estava lotado até na tampa e, o calor era infernal, com o povão se espremendo, se esfregando e sacolejando em volta do pequeno salão, num coro só:

"Rema, rema, rema, remador

      Quero ver depressa o meu amor

       Se eu chegar depois do sol raiar

   Ela bota outro em meu lugar!

Se a canoa..................."

No palco o pequeno conjunto musical dava o que tinha para manter o rítmo e a empolgação das centenas de pessoas, a maioria fantasiadas, que cantarolavam salão afora.

- “Aposto que o nosso baile está mais animado que o do Automóvel Clube, Flor do Momo e União Operário, lá em Itaúna!” - Exclamou o Freitas enquanto tirava da boca por alguns instantes o seu trombone de vara.

 - “Carnaval igual a este do Grêmio não existe: o povo de Santanense sabe brincar!” - Retrucou o Dico do Alcindo, que não descuidava da marcação do seu surdo de primeira. Em volta da pista, assentadas em cadeiras encostadas nas paredes, ficavam as moças solteiras e descomprometidas, aguardando o convite dos rapazes para dançar. Na época uma moça só ia para o salão dançar, se fosse convidada por algum rapaz. Caso contrário tomava chá de cadeira a noite toda. E era um puxa e senta frenético. Um olhar, um piscar de olhos, um sorriso correspondido e lá ia a moça salão afora toda feliz, cair na folia, sempre sob o olhar atento e severo dos pais.

-“Já são quase duas horas da madrugada”- falou a Marluce, já impaciente, para a irmã caçula Mariluce”- e até agora não fomos convidadas para dançar! -Vamos brincar juntas no salão?”

-“De jeito nenhum!”- Resmungou a Meireluce, a mais velhas das três irmãs solteironas, que acompanhava atentamente a conversa das duas irmãs caçulas, uma com 37 e a outra com 39 anos de idade.

-“Onde já se viu duas donzelas saírem para o salão sem um par para acompanhá-las? -Vocês sabem como este povinho de Santanense é danado de falador, né!”

                 E o baile continuava noite a dentro com toda animação.

"Oh, jardineira por que estás tão triste?

Mas o que que foi que te aconteceu?

Foi a camélia que caiu do galho

Deu dois suspiros e depois morreu

Vem, jardineira..............."

 Com uma bendita chuva que começou a cair a partir das três horas da madrugada, o forte calor foi amenizado e, a animação aumentou no acanhado recinto do Grêmio de Santanense, empurrado pela harmonia do bom conjunto musical. Já começava a clarear o dia quando as três irmãs solteironas, Marluce, Mariluce e Meireluce, fantasiadas de Colombinas, se prepararam para se retirar invíctas do recinto do Grêmio, isto é, sem serem tiradas para dançar uma única vez.

- “Vamos embora deste lugar!” - Falou a Meireluce – “Foi até bom a gente não ser chamada para dançar e se misturar com este povinho daqui de santanense. Aqui eu não piso mais!” -Exclamou com o nariz empinado, tentando aparentar um ar de satisfação.

De sombrinhas em punho rumaram em direção à fazendinha que ficava à uns dois Km do centro do bairro, onde residiam. Quando passavam em frente à portaria da fábrica da Santanense, viram um vulto caído em meio a uma poça d’água. Condoídas e prestativas, mais do que depressa encaminharam em direção ao desconhecido, receosas que o mesmo se afogasse naquele lamaçal. Quando se aproximaram viram que se tratava do Jerônimo, conhecido pinguço do bairro que tinha duas características principais: beber todos os dias e nunca tomar banho. Com muito esforço e repulsa, devido o forte odor que exalava, conseguiram virá-lo e colocá-lo assentado no encosto do meio fio, com a cabeça apoiada no colo da Meiriluce, a mais velha das três irmãs.

-“Isto que é uma boa ação!”- Falou a Meireluce. “O pessoal do Grêmio deveria estar aqui para presenciar isto, e nos dar o valor que merecemos.”

Aos poucos, com ajuda de um lenço, foram tirando o barro grudado na barba do Jerônimo, bem como, limpando a baba que escorria pelo canto da sua imunda boca.

-“Coitadinho, se não fosse nós ele poderia ter morrido afogado!”-Exclamou a Marluce, sob os olhares de aprovação das duas irmãs mais velhas.

-“Quando ele acordar vai ficar muito agradecido e todos aqui no bairro ficarão sabendo! Aposto que até o Padre Luiz Turkenburg, Pároco da Paróquia do Coração de Jesus de Santanense, vai comentar no sermão da missa de logo mais”- complementou  a Mariluce já entusiasmada com o tamanho do seu ato de caridade.

Nisto, o Jerônimo começou a se mexer, resmungou algo incompreensível, abriu os olhos empapuçados de tanta cachaça, passou a mão imunda na barba suja de barro, olhou fixamente para as três sorridentes solteironas em sua volta, suas velhas conhecidas, e fulminou:

“Nossssaaaaa...! Qui isganação por causa de homi, sô!”...........................    



Referências:

Causo: Sérgio Tarefa

Organização e arte: Charles Aquino    

Letra: Marcha do Remador - Emilinha Borba

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