sexta-feira, junho 07, 2024

ITAUNENSE LATINO-AMERICANO

     Em meio ao movimentado coração da cidade de Itaúna, comumente chamada de Praça da Matriz, sob o sol escaldante de uma terça-feira típica de verão da década de 1970, um “rapaz latino-americano” expressou seu desinteresse pelas ideias teóricas paralelas em torno de uma existência predeterminada que ocupavam a mente de muitos — “no escritório em que eu trabalho e fico rico, quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor.” Em vez disso, a sua aspiração era abraçar os aspectos da vida quotidiana e mergulhar em experiências genuínas.

   Os intensos raios do sol pareciam liquefazer o pavimento sob seus passos apressados, como se ele estivesse correndo em direção a um destino desconhecido, apesar de ter plena consciência de que não havia um ponto final específico à frente. No caminho, ele se deparou com o Cine Rex, vizinho a um botequim que parecia ser acolhedor por nome “Bar Azul” com todas as paredes internas realmente adornadas com tom azul. Entrou e se acomodou em um dos bancos altos. 

   O dono do bar, um senhor de cabelos brancos e sorriso fácil, serviu-lhe um gole de conhaque pensando que poderia trazer algum alívio. Em tom abafado, ele murmurou para si mesmo, tentando convencer sua própria mente de que não sucumbia mais ao nervosismo. O “toque do cetim” da sua camisa contra a pele suada era um dos poucos confortos que sentia naquele momento. 

   Enquanto tomava pequenos goles de conhaque, uma melodia emanou da vitrola do “Bar Azul” naquele momento dizendo que "tudo é lindo, tudo é maravilhoso." A música, que antes era um pano de fundo para ocasiões alegres, agora parecia zombar dele com sua amarga ironia. No entanto, ele compreendeu o fluxo e refluxo da vida, reconhecendo que ela estava repleta de altos e baixos, e que a existência muitas vezes poderia ser muito mais desafiadora do que o previsto.

   A entrada de uma mulher no bar fez com que ele experimentasse um nível de surpresa e angústia comparável ao “de um goleiro na hora do gol” e, naquele momento, o mundo pareceu congelar. Foi como se o próprio tempo lhes tivesse concedido um cessar-fogo temporário. Sem pronunciar uma única palavra, ela se aproximou e sentou-se ao lado dele. A fragrância inebriante de seu perfume misturou-se ao poderoso aroma de conhaque no ar. "Posso tomar uma cerveja?" ela pediu ao dono do bar, que prontamente a serviu com sua eficiência habitual.

   A mera presença dela ao lado dele dizia muito, mesmo sem palavras trocadas. Embora estivesse ansioso para abraçar as aventuras da vida, naquele momento específico, tudo o que ansiava era simplesmente estar ali. Quando olhou nos olhos dela, percebeu uma compreensão que refletia a sua. Talvez ela possuísse a capacidade de compreender a natureza tumultuada da existência, a busca incansável pela vida e o abandono constante da certeza.

   Assim, empurrando seu banco para mais perto da moça sussurrou rapaz: “meu bem, talvez você possa compreender, o meu som e a minha fúria e essa pressa de viver e esse jeito de deixar sempre de lado a certeza e arriscar tudo de novo com paixão”. Um sorriso enfeitou seus lábios quando ela abraçou sua oferta, e unidos eles avançaram, ousadamente aventurando-se mais uma vez com fervor, desviando-se do caminho convencional apenas pelo puro prazer vibrante de existir. 

   À medida que a escuridão descia, uma brisa refrescante chegou, aliviando o calor persistente do dia. Saindo do pitoresco bar de paredes azuis, eles vagaram pelas ruas iluminadas, banhados pelo brilho dos postes de luz. O “rapaz latino-americano e sem dinheiro no banco”, tinha uma sede insaciável de “viver a divina comédia humana onde nada é eterno”.  Ele persistiu em compartilhar suas histórias, reconhecendo que “amar e mudar as coisas” interessava muito mais.

Um itaunense... C. Aquino, 07/06/2024.


"BAR AZUL"

A APRIVADA TURCA DO BAR AZUL

PORQUE O NOME BAR AZUL?

ZÉ DA RAMIRA

Referências:

Texto e adaptação à semelhança do homem fictício de dentro de trechos das canções do cantor e compositor Belchior: Alucinação, Divina Comédia Humana, Coração Selvagem, Apenas um rapaz latino-americano, Paralelas.

Imagem meramente ilustrativa: Disponível em: musique - se

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