sexta-feira, novembro 16, 2018

ITAÚNA E SUA GENTE

Charmosa Rua Direita, hoje Avenida Getúlio Vargas

O grande escritor, dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues cunhou uma frase antológica: “ o mineiro só é solidário no câncer”. Tenho setenta e três anos vividos, vivi fora de Minas Gerais e concordo com ele quase na sua totalidade. Tive muitas decepções com mineiros.  
No entanto, tomo a liberdade de acrescentar o seguinte: mineiro só é solidário no câncer, exceto os mineiros de Itaúna. Acho difícil encontrar no Brasil povo mais solidário. Relato alguns exemplos: durante toda a vida de trabalho de minha mãe na cidade o pagamento de seus vencimentos saia direto da Coletoria Estadual. Graças às indústrias de tecidos, fundições e altos-fornos de gusa, a arrecadação de impostos no município era muito boa.
Resultado: não havia atraso de pagamento. Até aí, ótimo. Mas ficava melhor quando o coletor estadual, o saudoso Morzart Machado, adiantava o salário dos funcionários públicos mais precisados. Acontecia sempre com minha mãe. Ele sabia que dela dependia a manutenção da família.
Atos de pura e sincera solidariedade. Não existia nenhum outro motivo. Aliás, atos parecidos aconteciam através do seu Alfredo da Farmácia Nogueira, que além de debitar as contas na caderneta, algumas vezes emprestava dinheiro para ajudar-nos a chegar ao fim do mês. O mesmo se dava com o Messias, do Armazém Assis, e seu Armando Prado, dono da padaria. Atrasos no aluguel eram revelados pelo Djair Gonçalves, nosso senhorio na rua Cassiano Dornas, e o Severino Lara, homem grandalhão, agradável e prestativo.
Atos de pura solidariedade vinham também dos médicos Thomaz Andrade e José Campos. Atendiam em domicílio, nas urgências e só recebiam honorários quando o paciente pudesse pagar. Mais relevantes ainda se tornam tais atitudes se levarmos em conta que não tínhamos raízes na cidade. O mesmo pode-se dizer do padre José, eterno vigário, e o padre Waldemar, ensimesmado e resmungão.
Até nos inúmeros males feitos que marcaram a minha adolescência em Itaúna, houve compreensão e condescendência. Só num lugar de gente boa, ordeira e prestativa, tais gestos puderam ser observados. O que dizer do prefeito Milton Penido e dos políticos locais, que possibilitaram um enorme progresso na carreira de minha mãe. Em certa parte dessa narrativa eu disse que ao escolher Itaúna para trabalhar e morar, minha família tinha acertado na loteria e não percebeu. Nenhum dinheiro, nenhuma riqueza poderia se igualar com os ganhos que tivermos em Sant’Ana de São João Acima.

*Urtigão é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nos anos cinquenta e sessenta. 

REFERÊNCIA:
SILVÉRIO, José. Dona Graciana: biografia / José Silvério -  Itaúna/MG: Folha do Povo, 2018, p.106.
Organização: Charles Aquino
Acervo: José Silvério (In memoriam)