Charmosa Rua Direita, hoje Avenida Getúlio Vargas
O
grande escritor, dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues cunhou uma frase
antológica: “ o mineiro só é solidário no câncer”. Tenho setenta e três anos
vividos, vivi fora de Minas Gerais e concordo com ele quase na sua totalidade.
Tive muitas decepções com mineiros.
No
entanto, tomo a liberdade de acrescentar o seguinte: mineiro só é solidário no
câncer, exceto os mineiros de Itaúna. Acho difícil encontrar no Brasil povo
mais solidário. Relato alguns exemplos: durante toda a vida de trabalho de
minha mãe na cidade o pagamento de seus vencimentos saia direto da Coletoria
Estadual. Graças às indústrias de tecidos, fundições e altos-fornos de gusa, a
arrecadação de impostos no município era muito boa.
Resultado:
não havia atraso de pagamento. Até aí, ótimo. Mas ficava melhor quando o
coletor estadual, o saudoso Morzart Machado, adiantava o salário dos
funcionários públicos mais precisados. Acontecia sempre com minha mãe. Ele
sabia que dela dependia a manutenção da família.
Atos
de pura e sincera solidariedade. Não existia nenhum outro motivo. Aliás, atos
parecidos aconteciam através do seu Alfredo da Farmácia Nogueira, que além de
debitar as contas na caderneta, algumas vezes emprestava dinheiro para ajudar-nos
a chegar ao fim do mês. O mesmo se dava com o Messias, do Armazém Assis, e seu
Armando Prado, dono da padaria. Atrasos no aluguel eram revelados pelo Djair
Gonçalves, nosso senhorio na rua Cassiano Dornas, e o Severino Lara, homem
grandalhão, agradável e prestativo.
Atos
de pura solidariedade vinham também dos médicos Thomaz Andrade e José Campos.
Atendiam em domicílio, nas urgências e só recebiam honorários quando o paciente
pudesse pagar. Mais relevantes ainda se tornam tais atitudes se levarmos em
conta que não tínhamos raízes na cidade. O mesmo pode-se dizer do padre José,
eterno vigário, e o padre Waldemar, ensimesmado e resmungão.
Até
nos inúmeros males feitos que marcaram a minha adolescência em Itaúna, houve
compreensão e condescendência. Só num lugar de gente boa, ordeira e prestativa,
tais gestos puderam ser observados. O que dizer do prefeito Milton Penido e dos
políticos locais, que possibilitaram um enorme progresso na carreira de minha
mãe. Em certa parte dessa narrativa eu disse que ao escolher Itaúna para
trabalhar e morar, minha família tinha acertado na loteria e não percebeu.
Nenhum dinheiro, nenhuma riqueza poderia se igualar com os ganhos que tivermos
em Sant’Ana de São João Acima.
*Urtigão é pseudônimo de José Silvério
Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nos anos cinquenta e sessenta.
REFERÊNCIA:
SILVÉRIO, José. Dona Graciana: biografia / José
Silvério - Itaúna/MG: Folha do Povo,
2018, p.106.
Organização: Charles Aquino
Acervo: José Silvério (In memoriam)
Acervo: José Silvério (In memoriam)