terça-feira, outubro 24, 2017

NÃO VOU SAIR DAQUI NUNCA MAIS

Domingo pela manhã. Reunião na praça da Turma do Zulu. Motivo: iam jogar futebol no "Pasto das Éguas. Contra o time do Zico Pé de Chumbo, figura emblemática do lugarejo. Compadre do Athos Jove e dono da equipe.

Ser compadre do Athos era uma glória. Dava status, com direito a aprender algumas palavras em francês. Athos era cultor da língua de Racine e sempre que podia, se comunicava no idioma. Pra caboclada era a glória.

Zico Pé de Chumbo não " batia na pelota". Se intitulava "Capitão de Fora", misto de técnico e capitão reserva. O jogo tinha sido arranjado por intermédio do Jofre, nascido no lugar, sabedor de histórias e mestre em imitar o Zico e o "Dionísio Pretorias".
A turma do Zulu se aboletou na carroceria da "Jorgina", o velho caminhão Studbacker do Zé Eustáquio Paquinha. Na boléia, somente o Sérgio Lacel e um convidado ilustre. 

Cristhiano Barsante, colega de mestrado em oftalmologia do Marcos Lacel, namorado da filha do professor Ilton Rocha. Fora passar o fim de semana em Itaúna e o Sérgio o arrastou para a farra. Ele gostava de um gole.

Na carroceria iam os Zulus mais proeminentes e alguns agregados de estirpe. Entre eles Cassiano Dornas, o "Caxia", excelente figura, mecânico e bebedor como poucos. O povoado estava em festa. 

A caboclada reunida para torcer pelo time do Zico. As moças, de rouge nas bochechas, recendendo a perfume Royal Briar e a rapaziada com a cabeça emplastada de brilhantina Glostora. Um sucesso.

Um lugarzinho típico. O campo de futebol de terra batida, algumas casinhas na vizinhança uma capela e a indefectível vendinha, caiada de pouco, branca com as janelas azuis. 

Antes do jogo começar, Cassiano, de goela seca faz o convite:  "vamos na venda tomar um gole, pois assim que começar a peleja, só no intervalo". O sol de setembro arrebentava mamonas.

Foi seguido por Sérgio Lacel e Cristhiano. Na venda, bem ajeitadinha, rateleiras pequenas de madeira, com garrafas de cerveja e de cachaça. Nada de geladeira. Lacel pediu: " dá pra nós uma cerveja e três pingas."

O vendeiro de pronto respondeu: " cerveja não tem não senhor, só pinga".  Lacel retorquiu: " como não tem cerveja? E aquelas garrafas nas prateleiras?" O vendeiro: " estão cheias d'agua. É só pra enfeitar"

Em face a resposta Lacel assentiu e disse: " bota então três pingas no capricho". O vendeiro perguntou: de cinco, " de dez ou de quinze cruzeiros"?

Cassiano tomou a frente: "bota logo de quinze. Assim reforçamos o bucho". O dono da venda enfileirou três copos "lagoinha" no balcão e encheu todos até a boca.

Continuou com a garrafa na espera. Foi aí que Cassiano indagou:  " O senhor está esperando o que para guardar a garrafa"?

O comerciante solícito respondeu em seguida: " estou esperando vocês beber (sic). Pinga de quinze não cabe numa copada só. Falta ainda botar mais um bocado".  Diante de tanta fartura, Cassiano disse a Lacel e ao Cristhiano: "vocês podem ir para o jogo...  Isso é um céu!!!!!        Não vou sair daqui nunca mais!!!!      



Texto: Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 21/10/2017.
Acervo: Shorpy
Organização: Charles Aquino



Related Posts:

  • ANO NOVO, VELHOS E NOVOS AMIGOS Passei por um atropelo nos últimos dias. O meu coração, safenado, cheio de stents e outras maravilhas da moderna medicina, por pouco não me prega u… Read More
  • QUERMESSE EM SANTANA FESTA DE SÃO SEBASTIÃO E QUERMESSE As festas religiosas em Itaúna nas décadas de cinquenta e sessenta eram uma boniteza. Verdadeiro instrum… Read More
  • SETE ANÕES EM ITAÚNA OS SETE ANÕES EM ITAÚNA  *Urtigão A vida das professoras primárias e das diretoras de grupo escolar era dura. Nada de verbas de qualque… Read More
  • OSSOS NAS ONDAS DO RADIO Prof. William Leão, nunca soubemos se era sírio ou libanês. Naquele tempo, todos os imigrantes vindos do Oriente Médio, na voz do povo eram t… Read More
  • PROFESSORES & URTIGÃO \o/ Sou de um tempo no qual os professores e professoras eram cultuados. Mereciam dos alunos todo o respeito e admiração e nunca eram contestados. Um… Read More