sexta-feira, outubro 13, 2017

BRIGAS DE GALO


Itaúna tinha " galistas" afamados. Nada a ver com o time de futebol. Naqueles tempos, o Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense tinham mais torcedores no interior. Reflexo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, de muita potência, "cast" de artistas renomados e narradores de futebol que marcaram época. Isso é outra história. Torcida do Galo não existia. Só em Belo Horizonte e cidades próximas, nas quais tinham times que disputavam o campeonato mineiro.
Galista era o criador de galos de briga, preparados para rinha, tal e qual se prepara um lutador de boxe. As aves ficavam em cativeiro, em gaiolas de madeira, colocado lado a lado no criadouro. Serviam-se das galinhas com parcimônia, somente para reproduzir. Nada de galinheiro e tampouco quintal para ciscar. Vida de galo de briga era confinamento e treino duro.
Diariamente, o treinador, muitas vezes os próprios donos, tiravam os bichos da gaiola para a ginástica e tratamento. Eram depenados nas pernas, inclusive coxas, até o tronco. Depenados também no pescoço e região do papo e no peito e bucho. Restavam penas nas somente as asas e a parte superior do corpo. Passavam óleo nos animais, faziam massagens nas coxas e eram esfregados com diversas misturas líquidas, visando enrijecer as partes depenadas e o couro.
Diariamente havia uma sessão de ginástica. O galo era jogado para cima, a certa altura. Era para dar força nos músculos das pernas e das asas. Asas e coxas fortes eram requisitos básicos para um matador. As brigas em rinha eram longas e só terminavam com a morte de um dos contendores ou o seu "afinamento". Afinar era o ato de " correr do pau" - fugir da briga, tal qual uma galinha.
As brigas eram feitas na rinha, num círculo acolchoado e estofado, de nome tambor. Brigas com árbitro, tempo marcado para os " rounds" com relógio "timer", à guisa de gongo das lutas de boxe. Os proprietários ou os tratadores, nos intervalos de descanso dos bichos, entravam no tambor e recolhiam os galos para estancar sangrias, passar iodo e vaselina, água para refresco. Aliás, refresco era o nome dado aos intervalos.
Apostava-se muito. De saída, tinha a aposta entre os donos. O público, acomodado em arquibancadas de madeira, tipo circo também apostava. No desenrolar da refrega, as apostas iam acontecendo. Uma cantilena mais ou menos assim: "aposto um conto de reis no barrado" .Se alguém topasse, gritava: " topo e boto mais um conto!"
A troca de apostas continuava até o fim. Não tinha dinheiro "casado". Tudo feito de boca. Terminada a briga, os pagamentos eram efetuados. Nunca ouvi dizer que alguém desse " o cano". Os galistas e aficcionados eram honestos.

Brigas de galo (parte 02)

Meu irmão Antônio de Pádua era apaixonado por galos de briga. Desde adolescente acostumou-se a frequentar a casa do Zé do Gode, um Gonçalves Machado que morava pelas bandas da Lagoinha e tinha dois filhos:  Nilce que não era do ramo e Suer era fanático. Não trabalhava e dedicava a vida a cuidar dos bichos e prepara-los para a rinha. Meu irmão ajudava e dele às vezes ganhava um frango para ser tratado para a rinha.
Outro criador afamado era o Adelino Pereira Quadros. Dono de uma quitanda, apelidada de Mercadinho Quadros, era vizinho do Bazar Itaúna, perto da agência dos Correios. Criava galos e também frequentava rinhas. Morava pelos lados da Estação da Estrada de Ferro. Muitas filhas, todas bonitas. Uma delas foi minha colega no ginásio. O Bismarck barbeiro, também era galista. De menor porte do que os citados acima. Gostava de galos e serenatas.
Montaram certa vez uma rinha na Praça Augusto Gonçalves, numa casa velha, ao lado da Tipografia do Carmelo. Fui lá umas duas vezes. Numa delas, brigou um galo de meu irmão. Morreu no primeiro "round", vitimado por uma esporada mortal. O galo vencedor estava calçado com "arma três" e deu-lhe um golpe fatal. A decepção não serviu para fazer meu irmão perder o gosto pelas rinhas. Depois de formado em Agronomia, foi para o Mato Grosso, ganhou dinheiro e se ligou aos galistas de lá. Certa feita, veio em Itaúna de férias, comprou galos do Inhuca e levou o Suer, filho do Zé do Gode para tratar de seus galos. Não sei quanto tempo durou a aventura.  Era galista e passarinheiro. Acho que é até hoje, malgrado estar velho e cada vez mais mal-humorado. Gostava também de apostas. Em galos, canários chapinha e corrida de cavalo. Perdeu muita grana.

NOTAS
A casa velha, a qual me referi, situava-se onde hoje tem o prédio da Prefeitura. No tocante a " arma três" significa que o galo estava portando esporas artificiais, colocadas no animal, cobrindo a verdadeira, bem amarrada na canela do bicho. Podiam ser esporas de galos já mortos e tratadas para a função, de chifre de boi, de osso e até de aço. Armas mortais. O número três refere-se ao seu tamanho.


ILEGALIDADE DAS BRIGAS DE GALO

DÉCADA 30
Briga de galo no Brasil, assunto bastante complexo e polêmico no âmbito Jurídico. No Brasil, as brigas de galo estão proibidas desde 1934, com a edição do Decreto Federal 24.645 que proíbe "realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes, touradas e simulacro de touradas, ainda mesmo em lugar privado."

DÉCADA 60
Na década de 60 o presidente Jânio Quadros anunciava no Decreto nº 50.620 de 18 de maio de 1961:
Proíbe o funcionamento das rinhas de “brigas de galos” e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o art. 87, nº I, da Constituição, CONSIDERANDO que todos os animais existentes no País são tutelados do Estado; CONSIDERANDO que a lei proíbe e pune os maus tratos infringidos a quaisquer animais, em lugar público ou privado; CONSIDERANDO que as lutas entre animais, estimuladas pelo homem, constituem maus tratos; CONSIDERANDO que os centros onde se realizam as competições denominadas “brigas de galos” converteram-se em locais públicos de apostas e jogos proibidos.
Art. 1º - Fica proibido em todo o território nacional, realizar ou promover “brigas de galo” ou quaisquer outras lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes.
Art. 2º - Fica proibido, realizar ou promover espetáculos cuja atração constitua a luta de animais de qualquer espécie.
Art. 3º - As autoridades promoverão o imediato fechamento das “rinhas de galos” e de outros quaisquer locais onde se realizam espetáculos desta natureza, e cumprirão as disposições referentes à punição dos infratores, e demais medidas legais aplicáveis.
Art. 4º - O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, D.F., 18 de maio de 1961; 140º da Independência e 73º da República.
JÂNIO QUADROS

DÉCADA 90

Na década de 90 é sancionado na Lei de nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
CAPÍTULO V:
DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE:
Dos Crimes contra a Fauna
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Obs.: O galo é considerado um animal doméstico.

DÉCADA 2000

No ano de 2004 o deputado do PFL da Bahia, Fernando de Fabinho propôs o Projeto de Lei para legalização de rinhas no Brasil:
Quem “cria galos ou canários para competição, na realidade, não causa ao animal nenhum maltrato. Pelo contrário, cria-o com todos os cuidados que um atleta merece”.
O assunto voltou à discussão depois da prisão do publicitário Duda Mendonça em um clube que organiza rinhas no Rio de Janeiro. Na ocasião, ele afirmou que não estava fazendo nada de errado.
O deputado propõe a modificação da Lei nº 9.605/98, que trata do assunto. De acordo com ele, “a lei deve andar em consonância com os hábitos do povo e não contra eles, pretendendo modificar uma realidade existente e enraizada na sociedade”. Para Fernando de Fabinho, “leis assim acabam por não serem cumpridas, sendo mais uma das leis que ‘não pegam’.

JUSTIFICAÇÃO
A proposição que ora apresento tem como objetivo descriminalizar uma conduta que faz parte da manifestação cultural de várias regiões. A lei 9.205/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, veda a prática de realização de competições entre animais. Ocorre que é tradicional, em várias partes do país, a realização de alguns tipos de competição entre animais, dentre eles a "briga de galos" e a "a briga de canários".
A lei deve andar em consonância com os hábitos do povo e não contra eles, pretendendo modificar uma realidade existente e enraizada na sociedade. Leis assim acabam por não serem cumpridas, sendo mais uma das leis que "não pegam".
Além do mais, aquele que cria galos ou canários para competição, na realidade, não causa ao animal nenhum maltrato. Pelo contrário, cria-o com todos os cuidados que um atleta merece.
Face ao exposto, conto com o apoio dos ilustres pares para a conversão deste projeto em lei. Sala das Sessões, em 27 de outubro de 2004.
Deputado FERNANDO DE FABINHO



REFERÊNCIAS:
PROJETO DE LEI Nº 4.340, DE 2004. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2004-out-29/projeto_preve_legalizacao_briga_galos_brasil
DECRETO N. 24.645 – DE 10 DE JULHO DE 1934. Disponível em:  http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567

Pesquisa: Charles Aquino
Texto: Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 13/10/2017.
Acervo: Shorpy