Itaúna
tinha " galistas" afamados. Nada a ver com o time de futebol.
Naqueles tempos, o Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense tinham mais
torcedores no interior. Reflexo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, de muita
potência, "cast" de artistas renomados e narradores de futebol que
marcaram época. Isso é outra história. Torcida do Galo não existia. Só em Belo
Horizonte e cidades próximas, nas quais tinham times que disputavam o campeonato
mineiro.
Galista
era o criador de galos de briga, preparados para rinha, tal e qual se prepara
um lutador de boxe. As aves ficavam em cativeiro, em gaiolas de madeira, colocado
lado a lado no criadouro. Serviam-se das galinhas com parcimônia, somente para
reproduzir. Nada de galinheiro e tampouco quintal para ciscar. Vida de galo de
briga era confinamento e treino duro.
Diariamente,
o treinador, muitas vezes os próprios donos, tiravam os bichos da gaiola para a
ginástica e tratamento. Eram depenados nas pernas, inclusive coxas, até o
tronco. Depenados também no pescoço e região do papo e no peito e bucho.
Restavam penas nas somente as asas e a parte superior do corpo. Passavam óleo
nos animais, faziam massagens nas coxas e eram esfregados com diversas misturas
líquidas, visando enrijecer as partes depenadas e o couro.
Diariamente
havia uma sessão de ginástica. O galo era jogado para cima, a certa altura. Era
para dar força nos músculos das pernas e das asas. Asas e coxas fortes eram
requisitos básicos para um matador. As brigas em rinha eram longas e só
terminavam com a morte de um dos contendores ou o seu "afinamento".
Afinar era o ato de " correr do pau" - fugir da briga, tal qual uma
galinha.
As
brigas eram feitas na rinha, num círculo acolchoado e estofado, de nome tambor.
Brigas com árbitro, tempo marcado para os " rounds" com relógio
"timer", à guisa de gongo das lutas de boxe. Os proprietários ou os
tratadores, nos intervalos de descanso dos bichos, entravam no tambor e
recolhiam os galos para estancar sangrias, passar iodo e vaselina, água para
refresco. Aliás, refresco era o nome dado aos intervalos.
Apostava-se
muito. De saída, tinha a aposta entre os donos. O público, acomodado em
arquibancadas de madeira, tipo circo também apostava. No desenrolar da refrega,
as apostas iam acontecendo. Uma cantilena mais ou menos assim: "aposto um
conto de reis no barrado" .Se alguém topasse, gritava: " topo e boto
mais um conto!"
A
troca de apostas continuava até o fim. Não tinha dinheiro "casado".
Tudo feito de boca. Terminada a briga, os pagamentos eram efetuados. Nunca ouvi
dizer que alguém desse " o cano". Os galistas e aficcionados eram
honestos.
Brigas de galo (parte 02)
Meu
irmão Antônio de Pádua era apaixonado por galos de briga. Desde adolescente
acostumou-se a frequentar a casa do Zé do Gode, um Gonçalves Machado que morava
pelas bandas da Lagoinha e tinha dois filhos: Nilce que não era do ramo e Suer era fanático.
Não trabalhava e dedicava a vida a cuidar dos bichos e prepara-los para a rinha.
Meu irmão ajudava e dele às vezes ganhava um frango para ser tratado para a
rinha.
Outro
criador afamado era o Adelino Pereira Quadros. Dono de uma quitanda, apelidada
de Mercadinho Quadros, era vizinho do Bazar Itaúna, perto da agência dos
Correios. Criava galos e também frequentava rinhas. Morava pelos lados da
Estação da Estrada de Ferro. Muitas filhas, todas bonitas. Uma delas foi minha
colega no ginásio. O Bismarck barbeiro, também era galista. De menor porte do
que os citados acima. Gostava de galos e serenatas.
Montaram
certa vez uma rinha na Praça Augusto Gonçalves, numa casa velha, ao lado da
Tipografia do Carmelo. Fui lá umas duas vezes. Numa delas, brigou um galo de
meu irmão. Morreu no primeiro "round", vitimado por uma esporada
mortal. O galo vencedor estava calçado com "arma três" e deu-lhe um
golpe fatal. A decepção não serviu para fazer meu irmão perder o gosto pelas
rinhas. Depois de formado em Agronomia, foi para o Mato Grosso, ganhou dinheiro
e se ligou aos galistas de lá. Certa feita, veio em Itaúna de férias, comprou
galos do Inhuca e levou o Suer, filho do Zé do Gode para tratar de seus galos. Não
sei quanto tempo durou a aventura. Era
galista e passarinheiro. Acho que é até hoje, malgrado estar velho e cada vez
mais mal-humorado. Gostava também de apostas. Em galos, canários chapinha e
corrida de cavalo. Perdeu muita grana.
NOTAS
A
casa velha, a qual me referi, situava-se onde hoje tem o prédio da Prefeitura.
No tocante a " arma três" significa que o galo estava portando
esporas artificiais, colocadas no animal, cobrindo a verdadeira, bem amarrada
na canela do bicho. Podiam ser esporas de galos já mortos e tratadas para a
função, de chifre de boi, de osso e até de aço. Armas mortais. O número três
refere-se ao seu tamanho.
ILEGALIDADE
DAS BRIGAS DE GALO
DÉCADA
30
Briga
de galo no Brasil, assunto bastante complexo e polêmico no âmbito Jurídico. No
Brasil, as brigas de galo estão proibidas desde 1934, com a edição do Decreto
Federal 24.645 que proíbe "realizar ou promover lutas entre animais da
mesma espécie ou de espécies diferentes, touradas e simulacro de touradas,
ainda mesmo em lugar privado."
DÉCADA
60
Na
década de 60 o presidente Jânio Quadros anunciava no Decreto nº 50.620 de 18 de
maio de 1961:
Proíbe
o funcionamento das rinhas de “brigas de galos” e dá outras providências. O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o art. 87, nº
I, da Constituição, CONSIDERANDO que todos os animais existentes no País são
tutelados do Estado; CONSIDERANDO que a lei proíbe e pune os maus tratos
infringidos a quaisquer animais, em lugar público ou privado; CONSIDERANDO que
as lutas entre animais, estimuladas pelo homem, constituem maus tratos; CONSIDERANDO
que os centros onde se realizam as competições denominadas “brigas de galos”
converteram-se em locais públicos de apostas e jogos proibidos.
Art.
1º - Fica proibido em todo o território nacional, realizar ou promover “brigas
de galo” ou quaisquer outras lutas entre animais da mesma espécie ou de
espécies diferentes.
Art.
2º - Fica proibido, realizar ou promover espetáculos cuja atração constitua a
luta de animais de qualquer espécie.
Art.
3º - As autoridades promoverão o imediato fechamento das “rinhas de galos” e de
outros quaisquer locais onde se realizam espetáculos desta natureza, e
cumprirão as disposições referentes à punição dos infratores, e demais medidas
legais aplicáveis.
Art.
4º - O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário.
Brasília,
D.F., 18 de maio de 1961; 140º da Independência e 73º da República.
JÂNIO QUADROS
DÉCADA
90
Na
década de 90 é sancionado na Lei de nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe
sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
CAPÍTULO V:
DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE:
Dos Crimes contra a Fauna
Art.
32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses
a um ano, e multa.
§
1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem
recursos alternativos.
§
2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Obs.:
O galo é considerado um animal doméstico.
DÉCADA
2000
No
ano de 2004 o deputado do PFL da Bahia, Fernando de Fabinho propôs o Projeto de
Lei para legalização de rinhas no Brasil:
Quem
“cria galos ou canários para competição, na realidade, não causa ao animal
nenhum maltrato. Pelo contrário, cria-o com todos os cuidados que um atleta
merece”.
O
assunto voltou à discussão depois da prisão do publicitário Duda Mendonça em um
clube que organiza rinhas no Rio de Janeiro. Na ocasião, ele afirmou que não
estava fazendo nada de errado.
O
deputado propõe a modificação da Lei nº 9.605/98, que trata do assunto. De acordo
com ele, “a lei deve andar em consonância com os hábitos do povo e não contra
eles, pretendendo modificar uma realidade existente e enraizada na sociedade”.
Para Fernando de Fabinho, “leis assim acabam por não serem cumpridas, sendo
mais uma das leis que ‘não pegam’.
JUSTIFICAÇÃO
A
proposição que ora apresento tem como objetivo descriminalizar uma conduta que
faz parte da manifestação cultural de várias regiões. A lei 9.205/98, que
dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, veda a prática de realização de
competições entre animais. Ocorre que é tradicional, em várias partes do país,
a realização de alguns tipos de competição entre animais, dentre eles a
"briga de galos" e a "a briga de canários".
A
lei deve andar em consonância com os hábitos do povo e não contra eles,
pretendendo modificar uma realidade existente e enraizada na sociedade. Leis
assim acabam por não serem cumpridas, sendo mais uma das leis que "não
pegam".
Além
do mais, aquele que cria galos ou canários para competição, na realidade, não
causa ao animal nenhum maltrato. Pelo contrário, cria-o com todos os cuidados
que um atleta merece.
Face
ao exposto, conto com o apoio dos ilustres pares para a conversão deste projeto
em lei. Sala das Sessões, em 27 de outubro de 2004.
Deputado FERNANDO DE FABINHO
REFERÊNCIAS:
Decreto
nº 50.620, de 18 de Maio de 1961. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-50620-18-maio-1961-390463-publicacaooriginal-1-pe.html
PROJETO
DE LEI Nº 4.340, DE 2004. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2004-out-29/projeto_preve_legalizacao_briga_galos_brasil
DECRETO
N. 24.645 – DE 10 DE JULHO DE 1934. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567
Pesquisa:
Charles Aquino
Texto:
Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que
viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente
para o blog Itaúna Décadas em 13/10/2017.
Acervo:
Shorpy