quinta-feira, novembro 02, 2017

VACA ESTOURADA

Nos anos cinquenta do século passado, o matadouro municipal não existia. Havia sim, algo muito precário, bem na entrada da cidade, onde hoje existe uma ponte que cruza o rio São João, um pouco antes da passagem de nível e do começo da rua Silva Jardim.

Ali se matavam as reses destinadas aos açougues. As tripas e outras partes dos bovinos que não eram comerciais, eram jogadas na correnteza e o rio se encarregava de levar. Uma festa para os urubus e para nós, pré-adolescentes.

Era lá que buscávamos a bexigas. Ótimas bolas para o futebol.  Matava-se indiscriminadamente, tanto bois quanto vacas. Se as fêmeas fossem ruins de leite, o que acontecia com frequência, em virtude de gado " pé duro", faca nelas. Sem perdão.

Além das bexigas citadas, a localização do matadouro (sic) era uma benção. Tirante o gado proveniente daquelas area, a maioria vinha de outras bandas. Tocadas pelos vaqueiros, as reses tinham de atravessar a cidade. Diversão certa para a molecada. Diversão maior, quando uma vaca " estourava". Fora do controle dos vaqueiros, disparava pelas ruas, apavoradas com um ou outro carro ou caminhão e até mesmo com a presença de pedestres.

E toca a peãozada a correr atrás dos bichos, a cavalo ou a pé, com a cachorrada ajudando a campear as reses fugitivas. E junto, a molecada.

O aviso de " vaca estourada" corria cidade afora, tal qual rastilho de pólvora. Meninada saindo das casas e correndo para não perder o espetáculo. Com o alarido, os pobres bichos se assustavam mais. Raiva para os vaqueiros e alegria da molecada. Cachorrada a latir, mulheres a correr e o tropel dos cavalos no encalço das fugitivas. Quando alcançadas, às vezes extenuadas, empacavam e nada as fazia mover.

Os cachorros, treinados para tal, latiam em redor, mordiam as orelhas e o rabo do boi ou da vaca, até que se levantassem. Estocadas de ferrão era dada pelos peões e os bichos por fim pegavam a rota. Para os vaqueiros, apenas um aborrecimento a mais na lida diária. Para a cachorrada, parte do serviço de campear gado. Para a meninada, diversão grátis, sem gastar dinheiro. Não tínhamos pena dos pobres animais. Tudo aquilo fazia parte do nosso mundo e fomos acostumados assim. Não sabíamos avaliar o mau trato aos animais e os adultos nem ligavam. Muita coisa mudou daqueles tempos pra cá. Neste caso, para melhor. 


Texto: Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 26/10/2017.

Acervo: Shorpy 

Organização e arte: Charles Aquino





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