domingo, setembro 30, 2012

GUIMARÃES ROSA


João Guimarães Rosa  escreve ao amigo, Dr. Antônio A. de Lima Coutinho de Itaúna.

 Assis, 4 de novembro de 1949

Meu Caro Coutinho,

Em viagem de férias pela Itália, estou passando dia e meio nesta bela, estranha e mística cidade de Assis, toda impregnada ainda do grande santo. Vem – nos a ideia de que aqui é uma das portas, um dos lugares onde será mais fácil e direto o caminho da Terra ao Céu.

Pois bem, ontem à tarde, na basílica de São Francisco, ganhei uma relíquia; depois, na igreja de Santa Clara, uma freira, velhinha e boa como se já vivesse entre isto aqui e o Paraíso, incorrupto, da primeira franciscana. Perguntou-me de onde eu era, de onde vinha, e, ao ouvir o nome Brasil, pôs-se a repetir, mansamente: - " De “tão longe ... De tão longe ... Precisa de levar também uma relíquia, para uma pessoa amiga ... “ imediatamente, no instante mesmo, lembrei-me de você, assim sem mais, sem outra explicação.

Por que, logo naquele momento? Não sei. A saudade tem suas surpresas, e há muita coisa misteriosa, que a gente não sabe. Assim decidi-me logo a enviar-lhe as piedosas lembranças, que, estou certo, hão de fazer prazer a Dona Dulce, cujas mãos beijo e de quem guardo sempre uma muito grande recordação. Como você sabe, estou na Embaixada em Paris, para onde estou regressando, hoje, via Perugia, Florença e Pisa.

Lá, estarei sempre a postos, para o que você desejar. Transmita um forte e saudoso abraço meu ao Ary e minhas recordações à Dona Nair. E acolha outro grande abraço, muito amigo do seu

 Guimarães Rosa


Acervo: Prof. Marco Elísio

sexta-feira, setembro 28, 2012

LANÇAMENTO DO LEITE CRIÔLO


Lançamento do Leite Criôlo
Academia Mineira de Letras (AML)
 Rua da Bahia, 1466, Lourdes. Belo Horizonte MG

A reedição completa do suplemento Leite Criôlo foi lançada no dia 3 de dezembro de 2012. Foi um privilégio participar deste significativo evento, onde nosso estimado historiador João Dornas Filho, de Itaúna, foi mais uma vez reconhecido e respeitado.

Testemunha ocular: Charles Aquino


quinta-feira, setembro 27, 2012

LANTERNA NA MÃO



Um senhor, nascido e criado em Santanense, sempre se encontra comigo para um “bate-papo”.  Conhecemo-nos desde crianças. Sempre gostamos de recordar coisas pitorescas de nossa terra. Seu pai, homem bravo e autoritário, criou os filhos num tal respeito e obediência que não mandava duas vezes.

Em certa ocasião, ainda menino, com seus doze anos, tinha que sair a qualquer hora da noite para buscar parteira para sua mãe, a qual todos os anos, fazia repetir o acontecimento. A parteira morava na Fazendinha, a meia légua de distância. Não havia luz elétrica; tudo escuridão completa.

Em uma dessas noites lá foi ele, lanterna na mão, sozinho, muito medo, buscar a tal parteira. Ela se pôs à sua frente, com aquelas saias de três panos; começou a chover uma chuva bem fininha e ela suspendeu as saias pra agasalhar a cabeça. Com a pressa de chegar, nem notou que havia coberto a cabeça, mas descoberto as nádegas.

O menino vinha atrás com a lanterna, iluminando onde não devia iluminar. A vontade de rir era demais, mas não se podia desrespeitar. Chegando em casa, entrou para seu quarto e desatou aquela risada contida no espaço de meia légua. Seu pai incomodado perguntou-lhe se estava doido.

  Respondeu:  “ Estou alegre, porque vou ganhar mais um irmão. ”






Referência:
Texto:  SOUZA. Iracema Fernandes De. Itaúna Através dos Tempos, pg. 99, 1984.
Organização: Charles Aquino




segunda-feira, setembro 24, 2012

PARTEIRAS DE ITAÚNA II

ZITA HONORINA DOS SANTOS NOGUEIRA

 Heroínas Esquecidas

Minha avó, foi uma pessoa excepcional. Era doce, meiga, carinhosa e muito trabalhadora. Nasceu no município de Pequi, mas veio para Itaúna na adolescência, com seus treze para quatorze anos, trazida por seu irmão Ozório Santos, cuja esposa acabara de ter um bebê e coube a ela cuidar do recém-nascido e também da cunhada.
 Com isso tomou gosto por cuidar de parturientes e seus bebês. Casou-se aos quinze anos com Diógenes Nogueira Soares e, alguns anos depois, começou a exercer a profissão de PARTEIRA.

Era considerada uma das melhores de Itaúna, sempre ajudando com presteza e carinho a quem necessitasse dos seus serviços. Residia onde é hoje o Edifício Central Park, depois na Avenida Getúlio Vargas e depois na Rua Agripino Lima. Dali, já sem o marido que havia falecido, mudou-se para Belo Horizonte, onde foi morar com sua filha Jandira Nogueira Gomide e seu genro Orlando Nogueira Gomide.

Mas, antes de se mudar, trabalhou como PARTEIRA em Itaúna nas décadas de 30 e 40. Às vezes exercia sua profissão auxiliando os médicos, que tanto requeriam seus serviços como o Dr. Antônio Augusto de Lima Coutinho (Dr. Coutinho), que era Cirurgião Geral, Ginecologista e Obstetra. Na maioria das vezes atuava sozinha.

Foi PARTEIRA de Dª Odília Antunes Moreira, cujos filhos José Marcus, Márcia Maria e Maria Selma, nasceram por suas mãos. Maria Joaquina Marques Antunes também veio ao mundo com seu auxílio. Esses partos me foram narrados pelas próprias pessoas a quem ela ajudara a nascer. E tantos foram os partos que ela realizou que fica difícil mencionar todos.

Eu mesma e meus irmãos Célio, Márcio Ennio, Péricles e Ana, nascemos por suas mãos eficientes. Ela sempre falava de seu trabalho e se lembrava com carinho de cada criança que ela ajudou a nascer, bem como de suas mães. Era muito conhecida na cidade e sempre lembrada como uma pessoa eficiente, bondosa e boa profissional.

Às vezes encontro com pessoas que me falam dela. Eu convivi com ela até meus dezoito anos e a conheci muito bem e por isso mesmo posso falar da pessoa maravilhosa que ela foi, a amada Zita Honorina dos Santos Nogueira.




Referência:
Texto: Maria Cristina Gomide Amaral
Colaborador: Juarez Nogueira Franco
Organização: Charles Aquino 

quinta-feira, setembro 20, 2012

PARTEIRAS DE ITAÚNA I


Heroínas Esquecidas
Ou simplesmente MARIA DO MENDES, nasceu em Itaúna, filha de Zamiro Lélis Viana e Isaura Viana. Durante toda a sua vida morou na antiga Rua das Viúvas, depois Boa Vista e atualmente Agripino Lima, justamente entre a residência da família do Sr. Antônio Gonçalves Chaves e Sebastião Alves Franco.

Muito cedo ficou órfã de mãe, tendo que assumir a tarefa de ajudar o pai a criar os vários irmãos. Casou-se com José Mendes dos Santos, conhecido Barbeiro, consertador de Sanfona e Clarinetista. Teve quatro filhos: Eunice, Eunísio, Glício e Neusa.

MARIA DO MENDES foi uma mulher de admiráveis virtudes e habilidades. Era excelente dona de casa, exímia costureira, especialmente para noivas e, sobretudo, PARTEIRA, pronta para servir ao próximo, fosse quem fosse. Nas décadas de 40 e princípios da de 50, havia no máximo 3 médicos em Itaúna que faziam partos e eram chamados de médicos parteiros (hoje têm o pomposo título de Ginecologistas e Obstetras). Dr. Ademar Gonçalves de Souza era o mais conhecido.

No entanto, naquela região das atuais Ruas Agripino Lima, Getúlio Vargas e Mardoqueu Gonçalves, era MARIA DO MENDES quem resolvia os problemas. Os médicos cobravam, ela fazia pelo prazer de ajudar. Dedicava-se inteiramente à grávida, antes, durante e depois do parto. Em minha casa, pelo menos 5 de meus irmãos vieram ao mundo amparados (termo comum na época), por ela.

Depois do parto ela continuava assistindo à parturiente até que o umbigo caísse (este era termo usado na época e que ela mesma me dizia). Dezenas e dezenas de pessoas daquela região que são hoje pais, avós e até bisavós, vieram a este mundo pelas mãos abençoadas dessa mulher. Sua outra habilidade era a Costura, como já disse, especialmente vestidos de noivas. Lembro-me perfeitamente de jovens do Córrego do Soldado e Batatas, vir escolher modelos, tirar medidas e, no dia do casamento, vinham se vestir na casa de MARIA DO MENDES, de onde saíam para à Igreja.

Nasci e cresci convivendo com esta pessoa até sua morte, ocorrida em 1965 e que, por ironia do destino, faleceu nos braços de minha mãe. Não houve tempo para socorro. Mesmo já na adolescência eu a visitava diariamente. O simples fato de lembrarmos dela já é uma grande homenagem a mais uma dessas heroínas esquecidas. Lembro sempre dela e guardo com carinho sua foto.





Texto: Juarez Nogueira Franco
Organização: Charles Aquino 


quarta-feira, setembro 19, 2012

GALO DA MATRIZ

Igreja Matriz de Sant´Ana de Itaúna

“Numa das torres da velha matriz existia um galo de lata, de significação litúrgica. Se caso esse galo, por efeito do vento, voltava o bico para o lado do cemitério, grandes mortandades se verificavam na cidade ...”
João Dornas


História Antiga de Itaúna

FILHO, João Dornas. Contribuição para A História do Município, pág, 9, 1936.


domingo, setembro 16, 2012

CHUVAS TORRENCIAIS



 Osório Martins FAGUNDES*

No final de 1948 e até março de 1949 as chuvas foram ininterruptas, e não somente em Itaúna, como em todo o Estado. E como a rodovia era ainda de terra, ficou praticamente intransitável por toda parte e durante uma semana de março, o trecho de Itaúna a Belo Horizonte ficara mesmo paralisado, porque o "Morro Grande" não dava condições para o trânsito de veículos, quer subindo ou descendo. ...

Decorrida uma semana, depois de uns dois dias de estiagem, embora a estrada continuasse intransitável, com lamaçais e atoleiros por toda parte, resolvi tentar trazer o leite à Cooperativa em Itaúna e me arrependi muito daquele meu arrojo, porque, por incrível que pareça, gastei 5 horas de Azurita a Itaúna.

Nas baixadas, formavam-se ali e acolá, atoleiros de até trinta metros de extensão. A caminhoneta era baixa; quando enfrentava aqueles atoleiros, os pneus deslizavam no barro, e não avançavam nem pra a frente nem para trás, em marcha-ré; cada vez que forçava mais o motor da Studebaker, a situação ia piorando sempre. Trouxera comigo um ajudante e um enxadão, mas isto auxiliava pouco.

E assim que conseguia sair de um atoleiro depois de muito cansaço da máquina e do homem, logo à frente aparecia outro lamaçal. Na descida do morro grande a coisa ficara preta de verdade! 

Embora as jardineiras dos Irmãos Lara tivessem deixado de transitar durante uma semana ou mais, caminhões de outras cidades e mesmo daqui tentavam vencer as dificuldades da estrada, apesar da chuvarada.

No morro grande, as rodas dos caminhões formavam aquelas locas profundas na rodovia, ficando no meio e nas laterais do terreno aqueles facões. Na descida eu procurava equilibrar as rodas da camioneta naquele facão central e outro da lateral, mas, como a estrada estava escorregadia, certa hora as rodas da camioneta deslizaram e caíram dentro daquelas valetas profundas.

E sendo baixa a camioneta, o seu eixo agarrou-se no facão central do terreno e pneus passaram a rodar em falso. Eu ainda tive muita sorte, porque subia naquele momento um carro-de-bois do Sr. Juca Gonçalves, que se destinava lá pra as bandas do Morro das Laranjeiras e eu pedira então ao carreiro que fizesse a caridade de me ajudar a sair dali.

Atendendo ao meu pedido, ele encostou o seu carro-de-bois para um lado, cujo local lhe permitia fazer isso e retirando da sua boiada carreira a junta  de bois-de-guia, amarrara a correia do cambão ao para-choque da camioneta e enquanto a junta de ruminantes, ia puxando a  Studebaker morro abaixo, através do volante, eu ia procurando equilibrá-lo sobre os facões da estrada.

Assim fomos descendo até o final do morro grande, onde a estrada se tornou plana. Dei uma gorjeta ao carreiro e lhe fiquei devendo um grande favor, porque se não fora a sua boa vontade em ajudar-me, certamente eu não teria saído dali naquele dia.

Na frente, nas baixadas da estrada, ainda encontramos outros atoleiros, mas aos poucos íamos vencendo um a um. Assim que atingimos o vargedo do Sr. Artur Contagem Vilaça, a gasolina acabara!  

Eu exclamei então: E mais essa! Mandei o ajudante vir até a cidade e levar um pouco de gasolina num balde, o que demorou uma hora mais ou menos. Cheguei à Cooperativa em  já depois das 13 horas e o leite já devia estar azedando.

O ajudante regressou de trem, à tarde até Azurita, enquanto eu pernoitava na cidade. Como não choveu mais naquele dia da tormentosa viagem, no dia seguinte, o meu retorno à fazenda foi menos trabalhoso. 

Realmente fora uma experiência, bastante amarga o ter vindo à cidade daquele dia, quando a estrada se achava intransitável ainda. Como o tempo foi-se firmando, os carros da Empresa Irmãos Lara e caminhões diversos voltaram a transitar novamente pela estrada, embora com certa dificuldade no começo.                              




Referência:
Texto: FAGUNDES. Osório Martins. Fragmentos De Um Passado, pgs. 419/420, 1977.
Organização: Charles Aquino


quinta-feira, setembro 13, 2012

ITAÚNA: GRIPE ESPANHOLA


Ecos da Gripe Espanhola em Itaúna

 No ano de 1918, acabada a grande guerra, como consequência nos veio de sobra a gripe “espanhola”. ...

Aqui em Itaúna mesmo, houve muitas vidas sacrificadas. Eu sofri a gripe, ficando afastada do trabalho por mais de um mês. Quando Dr. Dário me deu alta, fui trabalhar. Mas a fraqueza era tanta, que não dei conta do serviço. Pedi o chefe (Augusto Alves) ordem de voltar para casa.

Ele consentiu. Eu morava na Rua Marechal Deodoro, e no percurso da fábrica até minha casa, descansei por oito vezes. Ainda não havia automóvel, tinha que aguentar era a pé mesmo. A saúde Pública não estava preparada. Não havia meios de enfrentar o surto epidêmico.

Artur Vilaça receitava remédios improvisados, mandava tomar muito mel, chá de folhas de pitanga e outros medicamentos que lhe vinham à ideia, mas estava custoso dar fim à doença. No meio rural, ficava gente morta sem ter quem a sepultasse, pois, os vizinhos mais próximos estavam também acamados, sem condições de prestar qualquer socorro. Nesses meios estava o povoado dos Arrudas, ao deus dará.

Moribundos, impossibilitados de se locomoverem, ficavam entre a agonia e o fim. Senhor Maurício, um fazendeiro simples, mas a quem a gripe não dera conta de derrubar, ficou de certo modo responsável pelos infelizes de seus arredores. Pensou de todo modo como haveria de resolver o problema e teve uma idéia “genial”: tinha que trazer uma carrada de rapaduras à cidade, e traria também os cadáveres para serem enterrados.

Encheu o carro de rapaduras, cobrindo-as com os corpos. Chegando à cidade, um negociante atravessou-lhe o caminho para escolher rapaduras, quase morrendo de espanto! .... Estavam todas cobertas por gente morta. Os negociantes deram alarme, uns aos outros, tendo sido o recurso para o seu Maurício despejar o produto de seu trabalho da ponte ao Rio São João.

Iracema Fernandes de Souza




Referências:
Texto: SOUZA, Iracema Fernandes. Itaúna Através dos Tempos, pg. 93, 1984.
Organização: Charles Aquino

sábado, setembro 08, 2012

MOVIMENTO MODERNISTA MINEIRO

                                        
O que foi Leite Criôlo?

A resposta mais simples é que foi um período modernista, publicado em Belo Horizonte, durante o ano de 1929, dirigido por João Dornas Filho, Guilhermino César e Aquiles Vivacqua.
A primeira edição tomou a forma de tabloide, saindo no dia 13 de maio de 1929, comemorando a abolição da escravatura. As seguintes, foram um suplemento dominical do Jornal Estado de Minas.
Trata-se da primeira publicação modernista a colocar o negro no centro de suas preocupações.

Amilcar Martins Filho, na sede do ICAM
 “Apesar de sua importância, a publicação  ficou completamente esquecida”

Rebento bastardo do modernismo, periódico Leite Criôlo ganha reedição.
Reeditado, o periódico leite criôlo revela como o racismo ainda estava presente no pensamento intelectual dos anos 20.

O s anos 20 do século passado fo­­ram decisivos para a formação da identidade cultural brasileira. No início daquela década feérica, um grupo de artistas causou furor no Teatro Municipal de São Paulo com a Semana de Arte Moderna de 22. Era o começo do desmoronamento do conservadorismo na arte e nas ideias, àquela altura consideradas ultrapassadas para explicar a nação. Mas o velho edifício não iria ao chão da noite para o dia. Foi tombando durante todo o decênio até se tornar um monte de entulho esquecido. E Minas Gerais teve um papel determinante nesse processo.

Foi em Belo Horizonte, em 1925 e 1926, que um jovem e brilhante poeta, Carlos Drummond de Andrade, juntou alguns amigos igualmente talentosos e ateou fogo na paróquia passadista, com o lançamento de A Revista. Outras publicações pipocaram na capital e no interior, a exemplo da Verde, de Cataguases. Algumas, como elas, ingressaram no chamado cânone da arte moderna. Outras afundaram em um injusto esquecimento. É o caso do leite criôlo (grafada assim mesmo, em minúsculas e com circunflexo).

 Agora, felizmente, ela reaparece em uma edição fac-símile pelas mãos do Instituto Amilcar Martins (Icam). O lançamento será no dia 3 de dezembro, às 19 horas, na Academia Mineira de Letras, onde haverá uma homenagem ao sociólogo Fernando Correia Dias, autor do prefácio da reedição, morto aos 86 anos, em setembro. Com 152 páginas, vai custar 60 reais e estará à venda em algumas livrarias. “Apesar da importância da publicação, ela estava completamente esquecida”, diz Amilcar Martins Filho, diretor do Icam.

A leite criôlo não era exatamente uma revista. Com exceção do primeiro número, lançado como um tabloide e distribuído gratuitamente nas ruas no dia 13 de maio de 1929, em comemoração aos quarenta anos da abolição da escravatura, as dezoito edições seguintes circularam aos domingos apertadas em menos de uma página no suplemento literário do jornal Estado de Minas.

O raquitismo era compensado pelo número de colaborações que chegavam de várias cidades do Brasil. Publicaram lá autores como Cyro dos Anjos, João Alphonsus, Marques Rebelo e o próprio Drummond, que colaborou três vezes, em uma delas sob o pseudônimo de Antonio Crispim. A folha era dirigida por três jovens literatos, João Dornas Filho, Guilhermino César e Achilles Vivacqua.

Com um time desses, como explicar a desatenção de estudiosos a leite criôlo? No elucidativo texto crítico que acompanha a reedição, o professor Miguel de Ávila Duarte, um dos poucos acadêmicos a estudar a publicação, lembra que as ideias veiculadas pelo periódico se chocavam com os valores consagrados pelo modernismo. A principal delas dizia respeito ao racismo.

Como sugeria no próprio título, leite criôlo procurava, à maneira como os modernistas paulistas fizeram com o índio, agregar a cultura africana à formação da nossa identidade. Aí esbarrava no pensamento dominante do Brasil naquela época. Era quase unânime considerar o negro inferior e associá-lo a “males da nacionalidade” como luxúria, cobiça, tristeza e preguiça.

“É bom lembrar que a eugenia, a suposta ciência do melhoramento genético da humanidade, era ainda amplamente considerada uma especialidade científica legítima”, afirma Duarte. Em resumo, leite criôlo não negava a importância do legado africano, mas acreditava que uma miscigenação da população brasileira eliminaria os supostos defeitos que ele carregava. “É necessário enfrentar o triste passado racista da intelectualidade brasileira, ” diz Duarte.

Lançamento do Leite Criôlo
Academia Mineira de Letras (AML)
 Rua da Bahia, 1466, Lourdes. Belo Horizonte MG

A reedição completa do suplemento Leite Criôlo foi lançada no dia 3 de dezembro de 2012. Foi um privilégio participar deste significativo evento, onde nosso estimado historiador João Dornas Filho, de Itaúna, foi mais uma vez reconhecido e respeitado.

Testemunha ocular: Charles Aquino

Saiba mais 

Referências:
Texto: André Nigri -  28 de novembro de 2012 -  Revista Veja BH
Organização e pesquisa: Charles Aquino
Fonte impressa:
Miguel Ávila Duarte   - UFMG
Antônio Sérgio Bueno - UFMG
Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa (Setor Hemeroteca Histórica)
Agradecimentos: A Coordenadora Marina Nogueira e Auxiliares de pesquisas.
Organização e pesquisa: Charles Aquino

quarta-feira, setembro 05, 2012

RUA SILVA JARDIM

( Fotografia década: 50)

As Memórias da Rua Silva Jardim

Em 1910, Itaúna estava deixando para trás suas raízes rurais e abraçando um novo tempo de progresso. As vacas que antes vagavam livremente pelas ruas deram lugar ao desenvolvimento que agora florescia na cidade. A Rua Silva Jardim, sempre um marco central, testemunhava a transformação ao seu redor. Com a chegada do grupo escolar, a estrada de ferro e a iminente inauguração da fábrica de tecidos Itaunense, a cidade estava em pleno vapor de crescimento.

Eu, ainda um garoto, via tudo isso com olhos curiosos e cheios de esperança. Participava do cotidiano de maneira simples, mas significativa. Na época do calçamento da Rua Silva Jardim, minha missão era levar refrescos para os trabalhadores. Com um pote de água, rapadura raspada e limões, preparava uma limonada para saciar a sede da turma nas horas mais quentes. Outro pote, com água pura e fresca, era coberto com um pano limpo e deixado à sombra da casa do Sr. João Lucas, sempre pronto para ser apreciado.

A Rua Silva Jardim também guardava lembranças doces da minha infância. Com alguns réis na mão, caminhava até a casa de dona Mariquinhas do Juca Constantino para comprar roscas. Treze roscas por quinhentos réis, com um vintém de porcentagem, eram uma pequena fortuna para um menino. Cada mordida nas roscas macias e açucaradas era um pedaço do céu, um tesouro saboroso que carregava para casa.

Ao longo dos anos, a Rua Silva Jardim permaneceu como um símbolo das minhas memórias mais queridas. A transformação da cidade nunca apagou o encanto daqueles dias simples, onde a inocência e a alegria de viver eram abundantes. Mesmo com o progresso, as lembranças das tardes sob o sol, das limonadas compartilhadas e das roscas saborosas continuaram a iluminar minha alma, um testemunho eterno da minha infância em Itaúna.


Referência:
Narrativa histórica baseada em fatos reais: Charles Aquino
SOUZA, Iracema Fernandes De. Itaúna Através dos Tempos. pág: 64,1984.
Organização: Charles Aquino