segunda-feira, junho 13, 2022

EMANCIPAÇÃO SANTANENSE PARTE VI

Aproveitamos o ensejo para levar ao conhecimento de V. Exa. alguns reparos à margem do que vem acontecendo nesse tão falado caso de Santanense. Nossa formal repulsa ao movimento suspeito partido de descontentes e agitadores que em Itaúna chegaram até a promover o enterro simbólico de V.Exa. num evidente desrespeito à sua pessoa de homem de bem e trabalhador. E essa repulsa ganha mais campo e evidência, quando sabemos quanto o ilustre deputado tem feito para amparar e ajudar as indústrias siderúrgicas daquele município, quer pleiteando melhores preços para seus produtos, quer conseguindo melhoria através da concessão e amparo de crédito para as mesmas.

Bem sabemos que, passados os movimentos de agitações, aqueles círculos responsáveis vão saber quão erradas e injustamente agiram em relação à pessoa de V.Exa. que tem pautado a sua vida apenas em fazer o bem. Ademais, não podemos concordar em absoluto e protestamos energicamente contra os insultos e injúrias lançados contra as pessoas dos eminentes e ilustres colegas de V.Exa. que aqui vieram para conhecer Santanense naquele memorável domingo.

De fato a visita da caravana de deputados naquele domingo foi a maior honra que se poderia prestar ao humilde povo de Santanense e a todos nós foi dado presenciar talvez um dos maiores acontecimentos democráticos de todos os tempos. Estavam ali o prestígio e a independência do Poder Legislativo verificando “in loco” as condições para a prática de um ato de sua exclusiva competência e soberania. Por isso mesmo deixamos aqui bem claro o nosso protesto contra o modo descortês e desrespeitoso com que foram tratados pelos agitadores em Itaúna que, em praça pública, lançaram toda a sua ira contra o Poder Legislativo mineiro, na pessoa daqueles eminentes deputados.

Senhor deputado, os interesses de nossos opositores são inconfessáveis. Daí a violência de seus ataques injustos. Na realidade, queremos uma coisa muito simples: o direito de um governo municipal próprio. Essa oposição violenta tem origem na nossa capacidade tributária e no aspecto evidente de nossa prosperidade. V.Exa. tem nos ajudado e muito. Mas, enganam-se aqueles que julgam ter nascido o movimento por injunção pessoal de V.Exa. Esse movimento é legitimamente popular e nasceu de nossas próprias condições geográficas e sociais.

Não somos bairro de Itaúna, nem o é também a vizinha localidade de Garcias. Se estamos assim classificados é por artificialismo de uma lei municipal votada em Itaúna que assim nos considerou antes do último recenseamento. Talvez tal lei visasse a tola finalidade de demonstrar o progresso de Itaúna que assim apareceu com porcentagem enorme de crescimento demográfico.

Mas, na verdade não somos de fato bairro de Itaúna, como podem os senhores deputados verificar, somos sim um próspero povoado próximo de Itaúna e claro, cerca de quatro quilômetros, mas não ligado é à mesma como acontece com os bairros.

Outrossim, passamos às mãos de V. Exa. a transcrição de um editorial publicado em O Diário, edição de 13.9.63, relativo à rebelião dos sargentos, acontecimento semelhante ao verificado em Itaúna, quando da sabida agitação social. Pedimos a V.Exa. a divulgação do - mesmo relacionando-o com o nosso movimento pela emancipação.

Ao terminar, fazemos aqui um apelo a V.Exa. para ser transmitido aos ilustres deputados: “Conheçam a Santanense, antes do pronunciamento final dessa egrégia Assembleia”.

Com os nossos cumprimentos.

(a) Pe. Antônio João Maria Wiemers, Vigário.

(a) João de Souza Barbosa, escriturário.

(a) Geraldo Lopes de Magalhães, jornalista.

(a) Dorvil Rocha, técnico em contabilidade e professor.

(a) Pedro de Magalhães, comerciante.

(a) Dorvil Rocha, membro do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis.

(a) Atacílio Henriques, vereador pelo PTB.

(a) Nivaldo José da Silva, industriário.

(a) Aníbal Nogueira dos Santos, comerciante.

(a) Herzaide de Souza Franco, industriário.

(a) Antônio Gonzaga da Rocha, vereador pela UDN.

(a) Vicente Amâncio de Oliveira, industriário.

(a) Nilo Magalhães, técnico em contabilidade.

P.S.: Já tendo assinado várias listas de adesões encaminhadas à Cedaje e à Assembleia Legislativa praticamente toda a população de Santanense, somente assinaram a presente os coordenadores do movimento.

(a.) João de Sousa Barbosa, escriturário.”

O debate, na segunda e decisiva votação do Projeto de nova divisão administrativa do Estado, atingiria o seu clímax. Ergueu-se, na Assembleia Legislativa, em oposição à do deputado Alvimar Mourão, a voz do parlamentar natural de. Itaúna, João Gomes Moreira, cuja personalidade já tivemos oportunidade de analisar. O Diário da Assembleia, de 14 de setembro de 1963, publica o seu discurso de seguinte teor:

“O sr. Gomes Moreira — Sr. Presidente e srs. Deputados. Ocupamos esta Tribuna para encaminhar a votação do Requerimento do nobre Deputado Cícero Dumont, no qual S. Excia. solicita rito periódico para a tramitação da proposição que trata da emancipação dos novos distritos de Minas Gerais.

Nesse instante, Sr. Presidente, em que assumamos a Tribuna desta Casa, levamos a nossa modesta palavra ao povo mineiro, lamentando profundamente que nestes últimos anos nosso País tenha vivido momentos tão tumultuados. Ainda para agravar a situação, lamentamos também profundamente o que vem ocorrendo no Estado do Paraná, onde terríveis incêndios têm levado o luto, a orfandade, a viuvez, a miséria a muitos lares dos nossos patrícios paranaenses.

Julgamos, sr. Presidente, de nosso dever, da nossa obrigação, como lídimo representante do povo mineiro nesta Assembleia, estarmos na obrigação de procurar e envidar esforços no sentido de que a paz, a tranquilidade e o sossego público, possam voltar a reinar no seio da família mineira, no seio da família brasileira. Infelizmente, sr. Presidente, há certos problemas que surgem da parte, muitas vezes, de uma minoria absoluta que não representa a vontade da maioria, que procura dividir a opinião pública, concorrendo, ainda mais para proporcionar mais intranquilidade, maior desassossego, e afastar o espírito de fraternidade que deve ser mantido entre todos nós mineiros e todos nós brasileiros.

Refiro-me, Sr. Presidente, à emancipação proposta a esta Assembleia de um dos bairros de minha terra natal; refiro-me ao Bairro Santanense, que fora criado pela Câmara Municipal de Itaúna, lei essa que recebeu o número 169, cujo texto diz: “O povo do Município de Itaúna, por seus representantes decreta e em seu nome sanciona a seguinte lei:

“Art. 1º - Fica a sede do município de Itaúna, além da zona urbana já limitada em lei, dividida em sete (7) bairros, a saber: - Lourdes, Vargem da Olaria, Graça, Santanense, Serrado, Mirante e Garcia.”

Este é o texto da lei, sr. Presidente, subdividindo o município de Itaúna em 7 bairros. O único distrito que Itaúna possuía emancipou-se recentemente — Distrito de Itatiauçú. — Hoje, o município de Itaúna tem um território restrito e, ainda mais, para se emancipar é condição “sine qua non” que tenha, primeiro, a condição de Distrito, para depois poder pleitear a sua emancipação. Esta qualidade, Santanenses não a têm, porque ela é apenas um bairro, criado pela Lei 169. Outro dispositivo inconstitucional, é a população que consta, apenas, de dois mil novecentos e doze habitantes e, sobretudo, sr. Presidente e srs. Deputados, destes 2.912 habitantes que constituem a honrada e progressista classe operária de Santanense, 95% é constituída de operários daquele bairro que não têm, absolutamente, o mínimo interesse de emancipação, porque Itaúna começou, exatamente, em Santanense. O povo de Santanense e de Itaúna estão absolutamente unidos pelo laço de fraternidade e não desejam, constitucional, nova discussão da matéria, no segundo semestre de 1964 ou no ano de 1965.

5.5 - Itaúna, na luta pela preservação da integridade física de seu território, para usar expressão popular, havia ganho duas importantes batalhas, na CEDAJE, órgão presidido pelo Secretário de Estado do Interior, e no Plenário da Assembleia Legislativa, com a não aprovação do Projeto nº 324/63, mas ainda não havia vencido a guerra, pois restavam a ameaça da Emenda Constitucional proposta pelo deputado Jorge Vargas, transferindo a revisão administrativa para o segundo semestre de 1964 ou o ano de 1965, e o forte ressentimento existente entre as ativas lideranças do bairro da Santanense que contavam com majoritário apoiamento dos deputados que compunham a Legislatura a encerrar-se em dezembro de 1966, sob o comando de Alvimar Mourão.

Ao ser convidado, pelo eminente Governador Magalhães Pinto, para a missão de Secretário do Estado a Fazenda, em momento dos mais difíceis da vida nacional, dissemos que aceitaríamos, honrados, o encargo, mas em nenhuma circunstância poderíamos concordar com a criação do município de Santanense, pretensão ilegal, que mutilaria nossa terra natal de Itaúna, e para isso, usaríamos de todos os poderes legítimos que o cargo colocaria à nossa disposição, para o que pedíamos a prévia aprovação. O Governador, após dizer-nos que o homem político tem o dever de colaborar para o progresso de sua cidade natal, aprovou nossa atitude e recomendou-nos agir com discrição, pois grandes eram os interesses políticos envolvidos na questão, como já lhe fora dito por influentes deputados, seus amigos e correligionários.

Coube-nos, como Secretário de Estado da Fazenda e Secretário de Estado de Governo e Coordenação Política, no segundo semestre de 1964 e ano de 1965, superar estes dois obstáculos e encerrar, em definitivo, o litígio, com a eliminação das tensões e da ameaça à integridade física do município, tarefa que o destino nos reservara, obtendo-se o consenso e a paz, tão necessários ao desenvolvimento de Itaúna, e afastando-se, para sempre, o sombrio amanhã anunciado pelo deputado Alvimar Mourão. Relataremos, a seguir, como isto foi alcançado.

Ficara evidente, em meados de março de 1964, que não haveria tempo hábil para aprovação da projetada Revisão Administrativa, tema apaixonadamente discutido na Assembleia. As Reuniões Extraordinárias se sucediam, pela manhã e à noite, improficuamente, e com negativas repercussões perante a opinião pública, tendo-se em vista o ônus financeiro acarretado para os cofres estaduais. A situação nacional, por outro lado, se agravava e estávamos na antevéspera do movimento revolucionário que se iniciaria exatamente em Minas Gerais, na madrugada do dia 31 de março. O Parlamento mineiro necessitava de tempo para se concentrar no debate dos grandes temas nacionais. Surgiu, então, como fórmula para adiar o debate da Revisão Administrativa, conforme já exposto, a Emenda Constitucional de autoria do deputado Jorge Vargas, apoiada por todas as principais lideranças do Legislativo mineiro, independentemente de coloração partidária. Esta Emenda Constitucional foi apresentada na 66º Reunião Extraordinária, realizada em 18 de março de 1964, e era do seguinte teor:

Emenda Constitucional.

Artigo 1º - O artigo 80 da Constituição do Estado de Minas Gerais passa a ter a seguinte redação "Artigo 80 — São condições essenciais para a criação do município:

I - população mínima de dez mil habitantes;

II - renda anual mínima de trezentos mil cruzeiros;

III- existência, na sede, de, pelo menos, duzentos moradores, edifícios com capacidade e condições para o Governo Municipal, instrução pública, posto sanitário e matadouro, bem como terreno para cemitério.

Artigo 2º - O artigo 81 da Constituição do Estado de Minas Gerais passa a ter a seguinte redação: “ Artigo 81 — São condições essenciais para a criação do Distrito:

I - População mínima de três mil habitantes;

II - renda anual mínima de cinquenta mil cruzeiros;

III - existência, na sede, de, pelo menos, cinquenta moradores, edifícios para instrução pública e terreno para cemitério para 27 de fevereiro de 1.985.

Permanecemos, por todo dia, no aeroporto de Amsterdam, pois ali chegamos pela manhã, aguardando o avião da Varig que nos conduziria, á noite, para o Brasil. Recordamo-nos do Padre Antônio Wemers e, realmente, tivemos desejo de visitá-lo, mas não nos foi possível, pois não localizamos o seu endereço, que imaginávamos constar de nossas anotações. Teria sido boa oportunidade de debater, com ele, os angustiantes problemas do mundo moderno, que se refletem sobre a Igreja de Cristo, sobretudo para quem retornava, como era o nosso caso, deste país-mártir que é a Polônia.

Julgamos, ademais, ser de justiça, escrevermos algumas palavras sobre a personalidade do Deputado Alvimar Mourão, também figura central deste dramático episódio da moderna história itaunense. Trata-se de cidadão de grandes méritos, empresário vitorioso, chefe de família exemplar é uma das riais expressivas lideranças divinopolitanas, nas últimas décadas.

Somos testemunhas, como ex-Secretário de Estado e ex-Presidente de importantes Empresas Públicas, que ele, como Deputado Estadual, por várias legislaturas, prestou, a Divinópolis e ao Estado de Minas Gerais, relevantes serviços. No caso específico da tentativa malograda de emancipação, do bairro de Santanense, todavia, agiu, com a sua inata sagacidade, induzido por razões político eleitorais e informações deformadas que “lhe foram transmitidas. Foi combatido, frontalmente, como não poderia deixar de acontecer, por lideranças itaunenses e, assim, não poderia obter êxito, como, de fato, aconteceu. A vida pública é assim mesmo: uma sucessão de vitórias e derrotas, razão pela qual ela é tão atraente. Alvimar Mourão soube assimilar, com elegância, o insucesso inevitável da tese separatista. Manteve seu habitual “sense of humor”, sua maneira cavalheiresca de tratar indistintamente todas as pessoas e soube preservar, no plano pessoal, as suas amizades itaunenses, entre as quais honrosamente nós incluímos.

Consideramos nossa viril ação, nos anos de 1.963, 1.964 e 1.965, com o objetivo de manter a integridade física da cidade de Itaúna, decisiva em decorrência das altas missões que exercíamos, muito embora nossas limitações humanas, a segunda maior contribuição que, através dos tempos, nos foi possível prestar á nossa terra natal, precedida, em importância, tão somente, pela criação da Universidade de Itaúna, obra de inigualável significação.

O Governo do Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, a partir de 1.966, adotou diversas medidas centralizadoras, em detrimento dos Estados da Federação e respectivas Assembleias Legislativas, e a capacidade de legislar em matéria de revisões administrativas, tendo-se em vista abusos e condenáveis atos de liberalidade praticados, foi, praticamente, eliminada, razão pela qual não se realizou qualquer revisão administrativa até o ano de 2.000, como aquela prevista para 1.965. Hoje, ao lermos, no noticiário da imprensa itaunense, notícias como as da inauguração da Avenida Albino Santos, ligando Santanense e Garcias, bem como os demais bairros que inevitavelmente surgiram, na região, ao longo dos últimos vinte anos, no natural processo de crescimento urbano da cidade, sentimo-nos extremamente felizes com a cordialidade reinante entre os habitantes dos dois bairros citados, pois ela contrasta, felizmente, com o espírito de animosidade suscitado, há trinta e cinco anos atrás, pelo lamentável movimento separatista que, em boa hora, superamos. (Vide, edição de 21 de setembro de 1963, do jornal “Folha do Oeste”).

O Congresso Nacional, recentemente, revogou a legislação originária do presidente Castelo Branco, permitindo, às Assembleias Legislativas Estaduais, com facilidades, criar novos municípios, no ano de 2000. Estes, com o acontecido, se elevaram para o número de 813, e, em sua maioria, no Estado de Minas Gerais, não dispõem condições de autossustentação.

Quanto à Itaúna, definitivamente continuará a progredir e, no máximo dentro de 15 anos, superará o número de 100.000 habitantes, enquadrando-se, como cidade de médio porte, mesmo em termos nacionais, em harmonia com os ditames dos planejadores federais, fato que, em muito lhe facilitará a obtenção de recursos para áreas clássicas, com prioridade para o saneamento básico, saúde, educação e segurança.

 

REFERÊNCIA:

Pesquisa e organização para o blog: Charles Aquino

TEXTO: Dr. Miguel Augusto Gonçalves de Souza

FONTE IMPRESSA: SOUZA, Miguel Augusto de. Capítulos da história itaunense/Miguel Augusto de Souza – Itaúna: Universidade de Itaúna, 2001.Ed. Impressa Oficial de Minas, p.408-411,420-421, 440-441.