Iniciavam-se,
pois, os preparativos para a decisiva 2º Votação do importante Projeto nº
324/63, sendo que, a ele, foram apresentadas 279 emendas.
Solicitamos,
ao prefeito Milton de Oliveira Penido, que fizesse gentileza de procurar-nos,
em Belo Horizonte, em nosso gabinete da Presidência da Associação Comercial de
Minas, no qual ele foi fidalgamente atendido.
Expusemos,
a ele, os contatos mantidos e lhe transmitimos as nossas preocupações quanto à
tramitação, do projeto, visto que, tradicionalmente, semelhantes pleitos eram
tratados, na Assembleia Legislativa, em termos político emocionais, nunca
prevalecendo os critérios técnicos e a tendência predominante era no sentido,
em tese, de atender-se aos pleitos emancipacionistas.
O
projeto separatista da Santanense, muito embora manifestamente ilegal, poderia,
eventualmente, ser aprovado, o que nos conduziria a longo debate judiciário.
Dissemos-lhes,
em síntese, pois que a nossa velha e consolidada amizade nos permitiria
fazê-lo, o que se segue: a) era de seu dever, como prefeito Municipal, tudo
fazer, e já sabíamos de sua enérgica ação neste sentido para que o projeto não
fosse aprovado, na Assembleia Legislativa, sendo que ele, supúnhamos, contaria,
nesta ação, com o apoiamento de pelo menos 90% da população municipal.
b)-ele
deveria procurar manter contato pessoal com as principais lideranças, do bairro
da Santanense, que lutavam em favor da separação, com o propósito de,
eventualmente, atender alguns dos pleitos administrativos santanenses, os quais
nos pareciam justos, com o que ele esvaziaria, necessariamente, o movimento
emancipacionista que nos parecia, no fundo, artificial.
Dissemos-lhes
que, em qualquer circunstância, poderia contar com o nosso modesto e discreto
apoiamento, especialmente junto ao Governador Magalhães Pinto, com o qual
mantínhamos boas relações pessoais e nos encontrávamos, com razoável
frequência, em decorrência de nossos encargos públicos e classistas.
Milton
de Oliveira Penido disse-nos que continuaria a lutar, no limite extremo de suas
possibilidades, contra o projeto, para o que procuraria mobilizar toda a
população itaunense, independentemente de conotações político-partidárias e
que, também, contava com o nosso apoiamento junto ao Governo do Estado e
deputados amigos na Assembleia Legislativa. Informou-nos, também, e a ausência
de adequada dose de flexibilidade política era uma das características de sua
personalidade, de que em nenhuma hipótese teria a iniciativa de manter contatos
com os principais líderes separatistas do bairro Santanense, citando,
nominalmente, os do padre Antônio João Maria Wiemers e do sr. Pedro de
Magalhães, com os quais se demonstrava profundamente ressentido. Viemos a
manter, antes de nossa posse na Secretaria da Fazenda, novos contatos pessoais,
em Belo Horizonte, ao longo do debate legislativo do projeto 324/63.
É
dever do historiador registrar que Milton de Oliveira Penido, como prefeito,
foi combatente valoroso e incansável na luta pela preservação da integridade
física da cidade. Os debates, ao ensejo da segunda votação do projeto, na Assembleia
Legislativa, foram ainda mais acalorados e passionais do que imaginávamos e
havíamos comunicado ao prefeito Milton de Oliveira Penido. Os separatistas
Santanenses encontraram, na pessoa do ilustre deputado Alvimar Mourão, líder
udenista de Divinópolis, e amigo particular das principais lideranças udenistas
itaunenses, valioso apoio, fato que deixou, de início, o diretório udenista
local dominado pelo sentimento da perplexidade. Alvimar Mourão, tipo clássico
do self-made-man, empresário bem sucedido, simpático, inteligente,
dotado de excelente poder de comunicação, além de ser, na luta política,
obstinado e pragmático, “desenvolveu extraordinário trabalho em favor da
emancipação do bairro da Santanense. Ele se utilizou de tática -bastante
eficiente, pois que convidou praticamente todos os deputados estaduais para
visitarem Santanense. Ele os conduzia, através da rodovia MG-050, até o trevo de
entrada do bairro, recentemente construído, e os conduzia através de via
pavimentada, construída no Governo Magalhães Pinto, até a praça Juvenal
Pereira, a principal do bairro, e com excelente aspecto, onde os deputados eram
fidalgamente recebidos pelo padre Antônio Wiermers e, frequentemente, visitavam
as instalações industriais da Companhia de Tecidos Santanense, das mais
modernas do Estado.
O
deputado Alvimar Mourão os conduzia até a estação ferroviária do bairro com o
objetivo de demonstrar, através de um marco da R.M.V., que o espaço entre
Santanense e Itaúna era de exatamente quatro quilômetros, realmente a distância
existente, por via férrea, entre as duas estações ferroviárias. Existiria,
ainda, segundo mostrava, à distância, aos ilustres visitantes, a separar os
dois núcleos urbanos, “uma mata virgem de eucaliptos”. O eminente deputado
Cícero Dumont, parlamentar dos mais dignos do Estado, tradicional líder emancipacionista,
apresentou em setembro de 1963, com o propósito de apressar a sua tramitação,
propostas requerendo, na forma do disposto no artigo 150 do Regimento Interno,
que o projeto nº 324/63, que dispunha sobre a revisão administrativa, viesse a
ser disciplinado pelas “mesmas normas e prazos a que estão sujeitos os projetos
periódicos”. Esta proposição, do preclaro parlamentar, demonstrando a tendência
da Assembleia, foi aprovado, em 25 de setembro de 19683, por 50 votos contra
10.
O
deputado Alvimar Mourão, ao discursar, na reunião de 11-9-1863, para encaminhar
a votação da proposta Cícero Dumont, pronunciou o seguinte discurso, que nos
permitimos transcrever, na íntegra:
“O
sr. Alvimar Mourão - (para encaminhar a votação).
Sr.
Presidente, Srs. Deputados.
Ao
apreciar o requerimento do Deputado Cícero Dumont, quero dizer que estou a
favor do mesmo por achá-lo oportuno. Nesta oportunidade, em que pese a
consideração que tenho para com os meus correligionários de Itaúna, para com o Presidente
e demais membros do P.S.D., quero discordar do Sr. Deputado Hermelindo Paixão e
pedir vênia a S. Excia, para discordar de suas alegações, porquanto é preciso
que todos os srs. Deputados ajam com serenidade, em relação ao caso de
Santanense. Foi distribuído convite a todos os deputados, desta Casa, para: que
comparecessem à localidade de Santanense, e verificar “in loco”; se tinham ou
não razão as seiscentas assinaturas arquivadas no processo de emancipação
daquela localidade, pedido de um povo aflito que deseja a emancipação. Não
somos contra Itaúna, mas somos a favor daqueles que, dentro de uma
prerrogativa, que dentro do direito, estão pedindo a emancipação. Itaúna está distante
de Santanense, como muito bem demonstra um marco da R.M.V. - da estação de
Itaúna à estação de Santanense - 4 quilômetros. Aquele bairro está separado de
Itaúna por uma mata virgem de eucaliptos. Pelo simples fato de a Comissão ter apresentado
um croqui, onde as divisas chegam até o centro de Itaúna, não quer dizer que
não podemos apresentar emendas, modificando esta divisa. Quem pede a emancipação
é o povo de Santanense: é um pedido justo, pois Santanense dispõe de todos os
recursos para tornar-se uma cidade. Somente peço aos srs. Deputados que visitem
Santanense e procurem conhecer a questão dos dois lados, e se faça justiça
àquele povo. Qualquer que seja o veredicto desta Casa, ficarei satisfeito,
porque sei que todos os srs. Deputados são justos e saberão fazer justiça
aqueles que merecem (Discurso publicado no Diário da Assembleia de 17-9-1963.
Os grifos são do autor desta obra).
O
ilustre deputado Alvimar Mourão, no ardor do embate político desconhecia que
quase todo o trecho ferroviário entre as duas estações era habitado e,
sobretudo, sofismava ao dizer da existência de “uma mata virgem de eucaliptos”,
pois já existia, em 1963, uma estreita estrada de “terra batida” ligando o
bairro da Santanense ao centro da cidade de Itaúna.
Como
explicar a ação política, no episódio, do digno deputado Alvimar Mourão,
sabidamente parlamentar sensato e equilibrado? Acreditamos que seu
comportamento político, voluntária ou involuntariamente, foi ditado pelas
razões que se seguem: I) Ele sempre obteve, nas eleições que disputou,
razoável, ainda que não expressivo número de votos, no bairro da Santanense, onde
possuía alguns amigos sinceros e devotados, II) ele, ao longo de todo o
episódio, foi duramente atacado por jornalistas e lideranças
municipais
itaunenses e, como homem combativo, reagiu vigorosamente; III) e, finalmente,
como líder representativo de Divinópolis, interessava-lhe, politicamente, a
divisão urbana de Itaúna, com o seu consequente enfraquecimento, em termos político-econômicos,
pois a cidade de Santanense, a ser criada, passaria, necessariamente, a
gravitar em torno de Divinópolis, naturalmente sob a sua liderança política.
Escreva-se,
a bem da verdade histórica, que o deputado Alvimar Mourão, ao longo de todo o
complexo debate, se portou com esmerada educação, não se excedeu em seu
linguajar e, deveras, defendeu, com muita competência política, a posição que
lhe parecia mais correta e em harmonia com os interesses da região por ele representada,
no parlamento estadual, por delegação de seus eleitores, aos quais sempre foi
absolutamente fiel. Está claro, todavia, que este posicionamento, correto em
termos de seu projeto político pessoal, contrariava, frontalmente, os mais
legítimos e históricos interesses itaunenses, cuja comunidade haveria de
reagir, como de fato aconteceu, com a altivez, sob a liderança natural de seu
prefeito Milton de Oliveira Penido. Os partidos políticos itaunenses, e as
principais lideranças municipais, compreendendo a gravidade da ameaça ao futuro
de Itaúna, se uniram na defesa do patrimônio comum, inclusive algumas personalidades
que, na fase inicial de pugna cívica, pretenderam se manter na inadmissível
posição de neutralidade.
É
de se destacar, ademais, a valiosa ação do jornal “Folha do Oeste”, sob a
direção do jornalista Sebastião Gomide, hoje substituído pelo também combativo
jornal, Brexó; dirigido pelo jornalista Célio Silva que, com o seu
temperamento, não se limitava, apenas, em defender a causa itaunense, mas,
também, investia fortemente contra os principais líderes separatistas. No ardor
destes debates é de se mencionar, também, a ação ativa e radical do jornalista
José Waldemar Teixeira de Mello. Os ânimos se exaltaram. Promoveu-se o enterro simbólico
do deputado Alvimar Mourão e a cidade, por um dia, em sinal de protesto,
paralisou todas as suas atividades. Os líderes separatistas, em número
reduzido, eram, todavia, portadores de grande espírito de luta. Encaminharam,
em 16 de setembro de 1963, memorial, ao deputado Alvimar Mourão, que foi, por
ele, lido da tribuna da Assembleia Legislativa, na 120º reunião ordinária, e
publicado no Diário da Assembleia de 21 do mesmo mês e ano, o qual reproduzimos
a seguir:
“O
sr. Alvimar Mourão — Sr. Presidente e srs. Deputados. Acabo de receber um
ofício de comissão representando a população de Santanense pedindo que se dê
ciência a esta Casa de seu conteúdo, o que ora faço:
“Santanense,
16 de setembro de 1963.
Exmo.
Sr. deputado Alvimar Mourão — Assembleia Legislativa — Belo Horizonte. Nesta
oportunidade, temos o prazer de passar às mãos de V.Exa. cópia do memorial que
os coordenadores do Movimento Pró Emancipação de Santanense endereçaram às altas
autoridades do Estado e do município de Itaúna.
REFERÊNCIA:
Pesquisa
e organização para o blog: Charles Aquino
TEXTO:
Dr. Miguel Augusto Gonçalves de Souza
FONTE IMPRESSA: SOUZA, Miguel Augusto de. Capítulos da história itaunense/Miguel Augusto de Souza – Itaúna: Universidade de Itaúna, 2001.Ed. Impressa Oficial de Minas, p.398 – 402-407.