segunda-feira, junho 13, 2022

EMANCIPAÇÃO SANTANENSE PARTE V

Iniciavam-se, pois, os preparativos para a decisiva 2º Votação do importante Projeto nº 324/63, sendo que, a ele, foram apresentadas 279 emendas.

Solicitamos, ao prefeito Milton de Oliveira Penido, que fizesse gentileza de procurar-nos, em Belo Horizonte, em nosso gabinete da Presidência da Associação Comercial de Minas, no qual ele foi fidalgamente atendido.

Expusemos, a ele, os contatos mantidos e lhe transmitimos as nossas preocupações quanto à tramitação, do projeto, visto que, tradicionalmente, semelhantes pleitos eram tratados, na Assembleia Legislativa, em termos político emocionais, nunca prevalecendo os critérios técnicos e a tendência predominante era no sentido, em tese, de atender-se aos pleitos emancipacionistas.

O projeto separatista da Santanense, muito embora manifestamente ilegal, poderia, eventualmente, ser aprovado, o que nos conduziria a longo debate judiciário.

Dissemos-lhes, em síntese, pois que a nossa velha e consolidada amizade nos permitiria fazê-lo, o que se segue: a) era de seu dever, como prefeito Municipal, tudo fazer, e já sabíamos de sua enérgica ação neste sentido para que o projeto não fosse aprovado, na Assembleia Legislativa, sendo que ele, supúnhamos, contaria, nesta ação, com o apoiamento de pelo menos 90% da população municipal.

b)-ele deveria procurar manter contato pessoal com as principais lideranças, do bairro da Santanense, que lutavam em favor da separação, com o propósito de, eventualmente, atender alguns dos pleitos administrativos santanenses, os quais nos pareciam justos, com o que ele esvaziaria, necessariamente, o movimento emancipacionista que nos parecia, no fundo, artificial.

Dissemos-lhes que, em qualquer circunstância, poderia contar com o nosso modesto e discreto apoiamento, especialmente junto ao Governador Magalhães Pinto, com o qual mantínhamos boas relações pessoais e nos encontrávamos, com razoável frequência, em decorrência de nossos encargos públicos e classistas.

Milton de Oliveira Penido disse-nos que continuaria a lutar, no limite extremo de suas possibilidades, contra o projeto, para o que procuraria mobilizar toda a população itaunense, independentemente de conotações político-partidárias e que, também, contava com o nosso apoiamento junto ao Governo do Estado e deputados amigos na Assembleia Legislativa. Informou-nos, também, e a ausência de adequada dose de flexibilidade política era uma das características de sua personalidade, de que em nenhuma hipótese teria a iniciativa de manter contatos com os principais líderes separatistas do bairro Santanense, citando, nominalmente, os do padre Antônio João Maria Wiemers e do sr. Pedro de Magalhães, com os quais se demonstrava profundamente ressentido. Viemos a manter, antes de nossa posse na Secretaria da Fazenda, novos contatos pessoais, em Belo Horizonte, ao longo do debate legislativo do projeto 324/63.

É dever do historiador registrar que Milton de Oliveira Penido, como prefeito, foi combatente valoroso e incansável na luta pela preservação da integridade física da cidade. Os debates, ao ensejo da segunda votação do projeto, na Assembleia Legislativa, foram ainda mais acalorados e passionais do que imaginávamos e havíamos comunicado ao prefeito Milton de Oliveira Penido. Os separatistas Santanenses encontraram, na pessoa do ilustre deputado Alvimar Mourão, líder udenista de Divinópolis, e amigo particular das principais lideranças udenistas itaunenses, valioso apoio, fato que deixou, de início, o diretório udenista local dominado pelo sentimento da perplexidade. Alvimar Mourão, tipo clássico do self-made-man, empresário bem sucedido, simpático, inteligente, dotado de excelente poder de comunicação, além de ser, na luta política, obstinado e pragmático, “desenvolveu extraordinário trabalho em favor da emancipação do bairro da Santanense. Ele se utilizou de tática -bastante eficiente, pois que convidou praticamente todos os deputados estaduais para visitarem Santanense. Ele os conduzia, através da rodovia MG-050, até o trevo de entrada do bairro, recentemente construído, e os conduzia através de via pavimentada, construída no Governo Magalhães Pinto, até a praça Juvenal Pereira, a principal do bairro, e com excelente aspecto, onde os deputados eram fidalgamente recebidos pelo padre Antônio Wiermers e, frequentemente, visitavam as instalações industriais da Companhia de Tecidos Santanense, das mais modernas do Estado.

O deputado Alvimar Mourão os conduzia até a estação ferroviária do bairro com o objetivo de demonstrar, através de um marco da R.M.V., que o espaço entre Santanense e Itaúna era de exatamente quatro quilômetros, realmente a distância existente, por via férrea, entre as duas estações ferroviárias. Existiria, ainda, segundo mostrava, à distância, aos ilustres visitantes, a separar os dois núcleos urbanos, “uma mata virgem de eucaliptos”. O eminente deputado Cícero Dumont, parlamentar dos mais dignos do Estado, tradicional líder emancipacionista, apresentou em setembro de 1963, com o propósito de apressar a sua tramitação, propostas requerendo, na forma do disposto no artigo 150 do Regimento Interno, que o projeto nº 324/63, que dispunha sobre a revisão administrativa, viesse a ser disciplinado pelas “mesmas normas e prazos a que estão sujeitos os projetos periódicos”. Esta proposição, do preclaro parlamentar, demonstrando a tendência da Assembleia, foi aprovado, em 25 de setembro de 19683, por 50 votos contra 10.

O deputado Alvimar Mourão, ao discursar, na reunião de 11-9-1863, para encaminhar a votação da proposta Cícero Dumont, pronunciou o seguinte discurso, que nos permitimos transcrever, na íntegra:

“O sr. Alvimar Mourão - (para encaminhar a votação).

Sr. Presidente, Srs. Deputados.

Ao apreciar o requerimento do Deputado Cícero Dumont, quero dizer que estou a favor do mesmo por achá-lo oportuno. Nesta oportunidade, em que pese a consideração que tenho para com os meus correligionários de Itaúna, para com o Presidente e demais membros do P.S.D., quero discordar do Sr. Deputado Hermelindo Paixão e pedir vênia a S. Excia, para discordar de suas alegações, porquanto é preciso que todos os srs. Deputados ajam com serenidade, em relação ao caso de Santanense. Foi distribuído convite a todos os deputados, desta Casa, para: que comparecessem à localidade de Santanense, e verificar “in loco”; se tinham ou não razão as seiscentas assinaturas arquivadas no processo de emancipação daquela localidade, pedido de um povo aflito que deseja a emancipação. Não somos contra Itaúna, mas somos a favor daqueles que, dentro de uma prerrogativa, que dentro do direito, estão pedindo a emancipação. Itaúna está distante de Santanense, como muito bem demonstra um marco da R.M.V. - da estação de Itaúna à estação de Santanense - 4 quilômetros. Aquele bairro está separado de Itaúna por uma mata virgem de eucaliptos. Pelo simples fato de a Comissão ter apresentado um croqui, onde as divisas chegam até o centro de Itaúna, não quer dizer que não podemos apresentar emendas, modificando esta divisa. Quem pede a emancipação é o povo de Santanense: é um pedido justo, pois Santanense dispõe de todos os recursos para tornar-se uma cidade. Somente peço aos srs. Deputados que visitem Santanense e procurem conhecer a questão dos dois lados, e se faça justiça àquele povo. Qualquer que seja o veredicto desta Casa, ficarei satisfeito, porque sei que todos os srs. Deputados são justos e saberão fazer justiça aqueles que merecem (Discurso publicado no Diário da Assembleia de 17-9-1963. Os grifos são do autor desta obra).

O ilustre deputado Alvimar Mourão, no ardor do embate político desconhecia que quase todo o trecho ferroviário entre as duas estações era habitado e, sobretudo, sofismava ao dizer da existência de “uma mata virgem de eucaliptos”, pois já existia, em 1963, uma estreita estrada de “terra batida” ligando o bairro da Santanense ao centro da cidade de Itaúna.

Como explicar a ação política, no episódio, do digno deputado Alvimar Mourão, sabidamente parlamentar sensato e equilibrado? Acreditamos que seu comportamento político, voluntária ou involuntariamente, foi ditado pelas razões que se seguem: I) Ele sempre obteve, nas eleições que disputou, razoável, ainda que não expressivo número de votos, no bairro da Santanense, onde possuía alguns amigos sinceros e devotados, II) ele, ao longo de todo o episódio, foi duramente atacado por jornalistas e lideranças

municipais itaunenses e, como homem combativo, reagiu vigorosamente; III) e, finalmente, como líder representativo de Divinópolis, interessava-lhe, politicamente, a divisão urbana de Itaúna, com o seu consequente enfraquecimento, em termos político-econômicos, pois a cidade de Santanense, a ser criada, passaria, necessariamente, a gravitar em torno de Divinópolis, naturalmente sob a sua liderança política.

Escreva-se, a bem da verdade histórica, que o deputado Alvimar Mourão, ao longo de todo o complexo debate, se portou com esmerada educação, não se excedeu em seu linguajar e, deveras, defendeu, com muita competência política, a posição que lhe parecia mais correta e em harmonia com os interesses da região por ele representada, no parlamento estadual, por delegação de seus eleitores, aos quais sempre foi absolutamente fiel. Está claro, todavia, que este posicionamento, correto em termos de seu projeto político pessoal, contrariava, frontalmente, os mais legítimos e históricos interesses itaunenses, cuja comunidade haveria de reagir, como de fato aconteceu, com a altivez, sob a liderança natural de seu prefeito Milton de Oliveira Penido. Os partidos políticos itaunenses, e as principais lideranças municipais, compreendendo a gravidade da ameaça ao futuro de Itaúna, se uniram na defesa do patrimônio comum, inclusive algumas personalidades que, na fase inicial de pugna cívica, pretenderam se manter na inadmissível posição de neutralidade.

É de se destacar, ademais, a valiosa ação do jornal “Folha do Oeste”, sob a direção do jornalista Sebastião Gomide, hoje substituído pelo também combativo jornal, Brexó; dirigido pelo jornalista Célio Silva que, com o seu temperamento, não se limitava, apenas, em defender a causa itaunense, mas, também, investia fortemente contra os principais líderes separatistas. No ardor destes debates é de se mencionar, também, a ação ativa e radical do jornalista José Waldemar Teixeira de Mello. Os ânimos se exaltaram. Promoveu-se o enterro simbólico do deputado Alvimar Mourão e a cidade, por um dia, em sinal de protesto, paralisou todas as suas atividades. Os líderes separatistas, em número reduzido, eram, todavia, portadores de grande espírito de luta. Encaminharam, em 16 de setembro de 1963, memorial, ao deputado Alvimar Mourão, que foi, por ele, lido da tribuna da Assembleia Legislativa, na 120º reunião ordinária, e publicado no Diário da Assembleia de 21 do mesmo mês e ano, o qual reproduzimos a seguir:

“O sr. Alvimar Mourão — Sr. Presidente e srs. Deputados. Acabo de receber um ofício de comissão representando a população de Santanense pedindo que se dê ciência a esta Casa de seu conteúdo, o que ora faço:

“Santanense, 16 de setembro de 1963.

Exmo. Sr. deputado Alvimar Mourão — Assembleia Legislativa — Belo Horizonte. Nesta oportunidade, temos o prazer de passar às mãos de V.Exa. cópia do memorial que os coordenadores do Movimento Pró Emancipação de Santanense endereçaram às altas autoridades do Estado e do município de Itaúna.


REFERÊNCIA:

Pesquisa e organização para o blog: Charles Aquino

TEXTO: Dr. Miguel Augusto Gonçalves de Souza

FONTE IMPRESSA: SOUZA, Miguel Augusto de. Capítulos da história itaunense/Miguel Augusto de Souza – Itaúna: Universidade de Itaúna, 2001.Ed. Impressa Oficial de Minas, p.398 – 402-407. 

0 comentários:

Postar um comentário