segunda-feira, junho 24, 2019

HISTÓRIA DA SAÚDE EM ITAÚNA (PARTE I)

A história da saúde pública do Arraial de Sant'Ana do Rio São João Acima, hoje Itaúna, se dá em tempos bem remotos ao século XIX. Importantes prestadores de serviços à saúde do arraial, seriam também os farmacêuticos/boticários práticos ou formados — “peritos no desenvolvimento, produção, manipulação, seleção e dispensação de medicamentos”.

Em 1875, o farmacêutico Manoel Hilário Pires Ferrão proferiu uma conferência intitulada “Da farmácia no Brasil e de sua importância: meios de promover a seu adiantamento e progresso”. Nessa ocasião, chamou a atenção para a distinção que deveria ser feita entre boticário e farmacêutico.

 O boticário podia ser qualquer um que resolvesse abrir uma botica e comercializar a retalho vários remédios sem ter direito para isso. Sobre o farmacêutico, Manoel citou a França como exemplo a ser seguido, pois, desde finais do século XVIII adotara o nome farmacêutico para designar aqueles que eram formados em cursos regulares de farmácia.

A designação “boticário” continuou a ser usada pela população para se referir ao farmacêutico diplomado. Apesar da lei de 03 de outubro de 1832 estabelecer que ninguém poderia “curar, ter botica, ou patejar” sem título conferido ou aprovado pelas faculdades de medicina, muitos proprietários de boticas pagavam farmacêuticos diplomados para dar nome a seus estabelecimentos, prática que se estendeu até o século XX.

As boticas ou farmácias, mesmo nos centros urbanos da época, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Ouro Preto e Recife, acabavam funcionando como locais de assistência médica e farmacêutica, incluindo a prescrição e manipulação dos medicamentos e, provavelmente, a aplicação de procedimentos terapêuticos usuais na época, tais como sangrias, com o emprego de ventosas, lancetas ou sanguessugas, instrumentos que se encontravam à venda nas próprias farmácias (Texto 1).

Aureliano Nogueira Machado

O primeiro farmacêutico formado que se tem notícia no arraial de Sant'Ana, seria Aureliano Nogueira Machado. O historiador Dr. Guaracy de Castro Nogueira nos diz:

Trata-se de ilustre personalidade de tradicional família de Itaúna. Ele era filho de Justino José Machado e de dona Purcina Nogueira Duarte. Esta descendente dos fundadores de Itaúna, bisneta de Tomas Teixeira e sobrinha bisneta de Gabriel da Silva Pereira, os portugueses que aqui se estabeleceram nas primeiras décadas do século XVIII.

Aureliano Nogueira Machado foi o primeiro farmacêutico filho de Itaúna formado na antiga Escola de Ouro Preto, fundada pelo Imperador Dom Pedro II. Estabeleceu com sua farmácia alopática no alto da antiga rua direita, perto do Mirante, no sobrado de sua mãe Purcina, passando-se depois para um sobradinho, na mesma rua Direita, que existiu junto ao antigo local da Fundição Corradi (hoje Av. Getúlio Vargas). Por último, funcionou na antiga Rua do Rosário, em casa que depois foi residência do dentista Gustavo de Matos e estabelecimento do senhor José Rosa dos Santos.

Exerceu com sucesso sua profissão, não só por causa de sua competência, como também pelos conhecimentos que tinha de farmacologia e das disciplinas básicas comuns dos formados em medicina. Receitava e manipulava medicamentos o que despertou ciúme de quantos viam nele um concorrente.

 Foi acusado de não ser formado. Indo a Ouro Preto buscar o seu diploma, hospedou-se no Hotel Tófolo, e lá foi envenenado quando tomava sua refeição. Não compareceu à formatura, porque era republicano.

Não se fez a apuração para se punir o culpado pelo crime e tudo caiu no esquecimento, sob a hipótese de que o mandante era pessoa de muito prestígio em Santana do São João Acima. Analisando sua curta e proveitosa vida, conclui-se que viveu sob ameaças por causa da forma como exercia sua profissão. 

Daí, cauteloso, sentindo-se perseguido, fez seu testamento em 12 de julho de 1887. Seu pai já era falecido. Deixou seus bens para sua mãe Purcina, salvo um legado no valor de um terço dos bens para sua filha única Carolina, filha de Carolina Fernandes de Sousa, sua companheira e que o ajudou ao longo de sua vida. Seu testamento foi aberto após sua morte em 16 de agosto de 1891.

Zacarias Ribeiro de Camargos, seu tio, tornou-se tutor da menor Carolina. Os três testamenteiros indicados por ele para procederem ao cumprimento do testamento, Manoel Gonçalves de Sousa Moreira, doutor José Gonçalves de Sousa Moreira e doutor Augusto Gonçalves de Sousa Moreira, pela ordem, recusaram a tarefa, desistindo da incumbência quando citados pelo meirinho.

Em 15 de dezembro de 1891, seu irmão Josias Nogueira Machado aceitou ser seu testamenteiro dativo. O inventário só foi requerido em 5 de setembro de 1899, 8 anos depois de seu falecimento. Sua mãe herdou bens no valor de 2 contos, 738 mil, 826 réis e sua filha Carolina a importância de um conto, 369 mil e 413 réis, sendo que o total de sua herança era de 4 contos, 108 mil, 239 réis.

 Carolina nasceu aos 30 de março de 1885 e foi batizada, em Carmo do Cajuru, pelo vigário Guilherme Nunes de Oliveira em 12 de janeiro de 1886. Mais tarde casou-se com o ilustre técnico têxtil Augusto Alves de Sousa, um dos primeiros operários da Santanense e da Itaunense, dando origem a numerosa família itaunense, que tanto tem contribuído para o desenvolvimento de nossa terra.

A homenagem que hoje o  prestamos a tão importante personalidade, tem duplo objetivo: fazer justiça, ainda que tardia, ao primeiro farmacêutico formado de Itaúna e resgatar sua memória, colocando-a em evidencia para o aplauso e o reconhecimento dos itaunenses, que mais uma vez se colocam ao lado dos injustiçados. Esta é uma homenagem muito justa (Texto 2).


No decreto de número 9.554 do dia 3 de fevereiro do ano de 1886 reorganizava os serviços Sanitários do Império para conceder licenças aos farmacêuticos formados ou práticos, conforme os artigos 65 a 68:

 Art. 65 - Nas localidades em que não houver pharmacia dirigida por profissional habilitado, a Inspectoria Geral de hygiene poderá conceder licença a praticos para abrirem pharmacia, dadas as seguintes condições: 1ª Ser a abertura da pharmacia julgada necessaria pela Camara Municipal do termo; 2ª Apresentar o pratico documentos que certifiquem as suas habilitações e probidade.

Art. 66 - Requerida a licença de que trata o artigo precedente, a Inspectoria Geral fará publicar, á custa do requerente, por oito dias successivos, no Diario Official e no jornal official da Provincia onde o pratico pretender estabelecer-se, o teor do requerimento; declarando que, si nesse prazo nenhum pharmaceutico formado communicar á mesma Inspectoria ou ao Inspector de hygiene provincial a resolução de estabelecer pharmacia na localidade, será concedida ao pratico a licença requerida.

Si algum pharmaceutico communicar que pretende estabelecer-se na referida localidade, o Inspector Geral de hygiene ou o Inspector provincial o intimará a comparecer na Repartição e assignar um termo, no qual se comprometta a abrir a sua pharmacia dentro do prazo que fôr marcado.

Art. 67. Realizado o estabelecimento do pharmaceutico, nos termos do artigo antecedente, o Inspector Geral o fará declarar pelo Diario Official; no caso contrario, será concedida licença ao pratico que a tiver requerido em primeiro logar.

Art. 68. Concedida a um pratico licença para abrir pharmacia, subsistirá ella por todo o tempo, ainda mesmo que na localidade venham a estabelecerse pharmaceuticos formados; mas só terá effeito na mesma localidade ou em outra que se achar nas condições mencionadas no art. 65 e para onde poderá ser transferida a pharmacia, com autorização da Inspectoria Geral. (Texto 3)




REFERÊNCIAS: 

Pesquisa e Organização: Charles Aquino


Texto 2: Guaracy de Castro Nogueira (In Memoriam)  

Texto 3: Coleção de Leis do Império do Brasil - 1886, Página 57 Vol. 1 (Publicação Original). Disponível em< http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-9554-3-fevereiro-1886-543197-publicacaooriginal-53270-pe.html  Acesso em< 15/06/2019.


Acervo 2: ICMC - Instituto Cultural Maria de Castro Nogueira. 



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