A história da saúde pública do
Arraial de Sant'Ana do Rio São João Acima, hoje Itaúna, se dá em tempos bem
remotos ao século XIX. Importantes prestadores de serviços à saúde do arraial,
seriam também os farmacêuticos/boticários práticos
ou formados — “peritos no
desenvolvimento, produção, manipulação, seleção e dispensação de medicamentos”.
Em 1875, o farmacêutico Manoel Hilário Pires Ferrão proferiu uma
conferência intitulada “Da farmácia no Brasil e de sua importância: meios de
promover a seu adiantamento e progresso”. Nessa ocasião, chamou a atenção para
a distinção que deveria ser feita entre boticário
e farmacêutico.
O boticário
podia ser qualquer um que resolvesse abrir uma botica e comercializar a retalho
vários remédios sem ter direito para isso. Sobre o farmacêutico, Manoel citou a França como exemplo a ser seguido, pois,
desde finais do século XVIII adotara o nome farmacêutico para designar aqueles
que eram formados em cursos regulares de farmácia.
A designação “boticário” continuou a ser usada pela população para
se referir ao farmacêutico diplomado. Apesar da lei de 03 de outubro de 1832
estabelecer que ninguém poderia “curar, ter botica, ou patejar” sem título
conferido ou aprovado pelas faculdades de medicina, muitos proprietários de
boticas pagavam farmacêuticos diplomados para dar nome a seus estabelecimentos,
prática que se estendeu até o século XX.
As boticas ou farmácias, mesmo nos centros urbanos da época, como
Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Ouro Preto e Recife, acabavam funcionando
como locais de assistência médica e farmacêutica, incluindo a prescrição e
manipulação dos medicamentos e, provavelmente, a aplicação de procedimentos
terapêuticos usuais na época, tais como sangrias, com o emprego de ventosas,
lancetas ou sanguessugas, instrumentos que se encontravam à venda nas próprias
farmácias (Texto 1).
O primeiro farmacêutico
formado que se tem notícia no arraial de Sant'Ana, seria Aureliano Nogueira Machado. O historiador Dr. Guaracy de Castro Nogueira
nos diz:
Trata-se de ilustre personalidade de tradicional família de
Itaúna. Ele era filho de Justino José Machado e de dona Purcina Nogueira
Duarte. Esta descendente dos fundadores de Itaúna, bisneta de Tomas
Teixeira e sobrinha bisneta de Gabriel da Silva Pereira, os portugueses que
aqui se estabeleceram nas primeiras décadas do século XVIII.
Aureliano Nogueira Machado foi o primeiro farmacêutico filho de
Itaúna formado na antiga Escola de Ouro Preto, fundada pelo Imperador Dom Pedro
II. Estabeleceu com sua farmácia alopática no alto da antiga rua direita, perto
do Mirante, no sobrado de sua mãe Purcina, passando-se depois para um
sobradinho, na mesma rua Direita, que existiu junto ao antigo local da Fundição
Corradi (hoje Av. Getúlio Vargas). Por último, funcionou na antiga Rua do Rosário, em casa que depois foi
residência do dentista Gustavo de Matos e estabelecimento do senhor José Rosa
dos Santos.
Exerceu com sucesso sua profissão, não só por causa de sua
competência, como também pelos conhecimentos que tinha de farmacologia e das
disciplinas básicas comuns dos formados em medicina. Receitava e manipulava
medicamentos o que despertou ciúme de quantos viam nele um concorrente.
Foi
acusado de não ser formado. Indo a Ouro Preto buscar o seu diploma, hospedou-se
no Hotel Tófolo, e lá foi envenenado quando tomava sua refeição. Não compareceu
à formatura, porque era republicano.
Não se fez a apuração para se punir o culpado pelo crime e tudo
caiu no esquecimento, sob a hipótese de que o mandante era pessoa de muito
prestígio em Santana do São João Acima. Analisando sua curta e proveitosa vida,
conclui-se que viveu sob ameaças por causa da forma como exercia sua profissão.
Daí, cauteloso, sentindo-se perseguido, fez seu testamento em 12 de julho de
1887. Seu pai já era falecido. Deixou seus bens para sua mãe Purcina, salvo um
legado no valor de um terço dos bens para sua filha única Carolina, filha de
Carolina Fernandes de Sousa, sua companheira e que o ajudou ao longo de sua
vida. Seu testamento foi aberto após sua morte em 16 de agosto de 1891.
Zacarias Ribeiro de Camargos, seu tio, tornou-se tutor da menor Carolina. Os
três testamenteiros indicados por ele para procederem ao cumprimento do
testamento, Manoel Gonçalves de Sousa Moreira, doutor José Gonçalves de Sousa
Moreira e doutor Augusto Gonçalves de Sousa Moreira, pela ordem, recusaram a
tarefa, desistindo da incumbência quando citados pelo meirinho.
Em 15 de
dezembro de 1891, seu irmão Josias Nogueira Machado aceitou ser seu testamenteiro
dativo. O inventário só foi requerido em 5 de setembro de 1899, 8 anos depois
de seu falecimento. Sua mãe herdou bens no valor de 2 contos, 738 mil, 826 réis
e sua filha Carolina a importância de um conto, 369 mil e 413 réis, sendo que o
total de sua herança era de 4 contos, 108 mil, 239 réis.
Carolina nasceu aos 30 de
março de 1885 e foi batizada, em Carmo do Cajuru, pelo vigário Guilherme Nunes
de Oliveira em 12 de janeiro de 1886. Mais tarde casou-se com o ilustre técnico
têxtil Augusto Alves de Sousa, um dos primeiros operários da Santanense e da
Itaunense, dando origem a numerosa família itaunense, que tanto tem contribuído
para o desenvolvimento de nossa terra.
A homenagem que hoje o prestamos a tão importante personalidade, tem duplo objetivo: fazer
justiça, ainda que tardia, ao primeiro farmacêutico formado de Itaúna e
resgatar sua memória, colocando-a em evidencia para o aplauso e o
reconhecimento dos itaunenses, que mais uma vez se colocam ao lado dos
injustiçados. Esta é uma homenagem muito justa (Texto 2).
No decreto de número 9.554 do
dia 3 de fevereiro do ano de 1886 reorganizava os serviços Sanitários do
Império para conceder licenças aos farmacêuticos formados ou práticos, conforme
os artigos 65 a 68:
Art. 65 - Nas localidades em que não houver pharmacia dirigida por
profissional habilitado, a Inspectoria Geral de hygiene poderá conceder licença
a praticos para abrirem pharmacia, dadas as seguintes condições: 1ª Ser a
abertura da pharmacia julgada necessaria pela Camara Municipal do termo; 2ª
Apresentar o pratico documentos que certifiquem as suas habilitações e
probidade.
Art. 66 - Requerida a licença de
que trata o artigo precedente, a Inspectoria Geral fará publicar, á custa do
requerente, por oito dias successivos, no Diario Official e no jornal official
da Provincia onde o pratico pretender estabelecer-se, o teor do requerimento;
declarando que, si nesse prazo nenhum pharmaceutico formado communicar á mesma
Inspectoria ou ao Inspector de hygiene provincial a resolução de estabelecer
pharmacia na localidade, será concedida ao pratico a licença requerida.
Si
algum pharmaceutico communicar que pretende estabelecer-se na referida
localidade, o Inspector Geral de hygiene ou o Inspector provincial o intimará a
comparecer na Repartição e assignar um termo, no qual se comprometta a abrir a
sua pharmacia dentro do prazo que fôr marcado.
Art. 67. Realizado o
estabelecimento do pharmaceutico, nos termos do artigo antecedente, o Inspector
Geral o fará declarar pelo Diario Official; no caso contrario, será concedida
licença ao pratico que a tiver requerido em primeiro logar.
Art. 68. Concedida a um pratico
licença para abrir pharmacia, subsistirá ella por todo o tempo, ainda mesmo que
na localidade venham a estabelecerse pharmaceuticos formados; mas só terá
effeito na mesma localidade ou em outra que se achar nas condições mencionadas
no art. 65 e para onde poderá ser transferida a pharmacia, com autorização da
Inspectoria Geral. (Texto 3)
REFERÊNCIAS:
Pesquisa e Organização: Charles Aquino
Texto 1: http://boticasefarmacias.blogspot.com.br/2011/01/historia-da-farmacia-no-brasil-parte-i.html
Texto 2: Guaracy de Castro
Nogueira (In Memoriam)
Texto 3: Coleção de Leis do
Império do Brasil - 1886, Página 57 Vol. 1 (Publicação Original). Disponível
em< http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-9554-3-fevereiro-1886-543197-publicacaooriginal-53270-pe.html
Acesso em< 15/06/2019.
Acervo 2: ICMC - Instituto
Cultural Maria de Castro Nogueira.