terça-feira, outubro 24, 2017

NÃO VOU SAIR DAQUI NUNCA MAIS

Domingo pela manhã. Reunião na praça da Turma do Zulu. Motivo: iam jogar futebol no "Pasto das Éguas. Contra o time do Zico Pé de Chumbo, figura emblemática do lugarejo. Compadre do Athos Jove e dono da equipe.

Ser compadre do Athos era uma glória. Dava status, com direito a aprender algumas palavras em francês. Athos era cultor da língua de Racine e sempre que podia, se comunicava no idioma. Pra caboclada era a glória.

Zico Pé de Chumbo não " batia na pelota". Se intitulava "Capitão de Fora", misto de técnico e capitão reserva. O jogo tinha sido arranjado por intermédio do Jofre, nascido no lugar, sabedor de histórias e mestre em imitar o Zico e o "Dionísio Pretorias".
A turma do Zulu se aboletou na carroceria da "Jorgina", o velho caminhão Studbacker do Zé Eustáquio Paquinha. Na boléia, somente o Sérgio Lacel e um convidado ilustre. 

Cristhiano Barsante, colega de mestrado em oftalmologia do Marcos Lacel, namorado da filha do professor Ilton Rocha. Fora passar o fim de semana em Itaúna e o Sérgio o arrastou para a farra. Ele gostava de um gole.

Na carroceria iam os Zulus mais proeminentes e alguns agregados de estirpe. Entre eles Cassiano Dornas, o "Caxia", excelente figura, mecânico e bebedor como poucos. O povoado estava em festa. 

A caboclada reunida para torcer pelo time do Zico. As moças, de rouge nas bochechas, recendendo a perfume Royal Briar e a rapaziada com a cabeça emplastada de brilhantina Glostora. Um sucesso.

Um lugarzinho típico. O campo de futebol de terra batida, algumas casinhas na vizinhança uma capela e a indefectível vendinha, caiada de pouco, branca com as janelas azuis. 

Antes do jogo começar, Cassiano, de goela seca faz o convite:  "vamos na venda tomar um gole, pois assim que começar a peleja, só no intervalo". O sol de setembro arrebentava mamonas.

Foi seguido por Sérgio Lacel e Cristhiano. Na venda, bem ajeitadinha, rateleiras pequenas de madeira, com garrafas de cerveja e de cachaça. Nada de geladeira. Lacel pediu: " dá pra nós uma cerveja e três pingas."

O vendeiro de pronto respondeu: " cerveja não tem não senhor, só pinga".  Lacel retorquiu: " como não tem cerveja? E aquelas garrafas nas prateleiras?" O vendeiro: " estão cheias d'agua. É só pra enfeitar"

Em face a resposta Lacel assentiu e disse: " bota então três pingas no capricho". O vendeiro perguntou: de cinco, " de dez ou de quinze cruzeiros"?

Cassiano tomou a frente: "bota logo de quinze. Assim reforçamos o bucho". O dono da venda enfileirou três copos "lagoinha" no balcão e encheu todos até a boca.

Continuou com a garrafa na espera. Foi aí que Cassiano indagou:  " O senhor está esperando o que para guardar a garrafa"?

O comerciante solícito respondeu em seguida: " estou esperando vocês beber (sic). Pinga de quinze não cabe numa copada só. Falta ainda botar mais um bocado".  Diante de tanta fartura, Cassiano disse a Lacel e ao Cristhiano: "vocês podem ir para o jogo...  Isso é um céu!!!!!        Não vou sair daqui nunca mais!!!!      



Texto: Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 21/10/2017.
Acervo: Shorpy
Organização: Charles Aquino



OS DIAS ERAM ASSIM...

Nos anos cinquenta do século passado, em Itaúna, a molecada de minha idade era desprovida de posses. Bola de futebol, nem pensar. Era cara e difícil.

Chamada de bola de " capota”. Câmara de ar de encher com a boca, esconder o bico dentro da pelota e fecha-la com uma cordinha de couro. As de válvula, apareceram depois.

Bola grande era de bexiga de boi, que arranjávamos no matadouro, na beira do São João. Bolas para "bente altas" eram de pano, bem costuradas com linha quarenta, dobrada e encerada. Não existia um calendário de brincadeiras.

Tempos de pouca chuva eram tempos de jogar pião. Com fieira tecida na Itaunense. Barbante comum não servia.

Tempo também de bolas de gude, compradas na Loja do Teco. Lá eram vendidas também armas e munições. Nossos olhos brilhavam.

Lá comprávamos também os anzóis. Chumbadas e engate, feitos por nós mesmos. Dentifrícios (creme dental) e pomadas eram embaladas em tubos de chumbo.

Derretidos na colher de ferro no braseiro do fogão de lenha, davam ótimas chumbadas. Linha de nylon não existia. Era linha de algodão, fina e forte. O engate tinha de ser mais comprido, para deixa-la longe da boca do peixe.

Fim de julho e todo agosto era tempo de papagaios. Taquaras tiradas no mato para fazer as varetas e papel de seda comprado na Papelaria do Carmelo. 

Tudo colado com grude feito com polvilho azedo, com gotas de limão para acola caseira durar mais. Armazenada num vidro de boca larga, servia por bom tempo.

Assim que começavam as chuvas, tempo de "finquete". Um pedaço de vergalhão e mãos a obra. Esquentar no braseiro do fogão até ficar vermelho. Malhar no " olho da enxada" até ir afinando.

Depois da ponta feita, esfregar em  uma pedra para afinar  mais. Depois, bastava arranjar o parceiro, riscar as casas no chão úmido e toca a jogar.

Pegando na ponta, fazendo pirueta. Se errasse, era a vez do adversário. Quem chegasse na casa do outro primeiro ganhava a partida. Eu tinha ótimos finquetes, feitos por mim na forja e na bigorna do velho e bom " João Coisa Boa".

Era vizinho da casa de meus pais. Depois de bem preparado, amolado no " rebojo", um esmeril tocado a pedal. Coisa boa, tal qual o dono.

Os papagaios também careciam de linha quarenta, marca corrente. Empinados com manivelas de madeira, de nossa produção. Não existia o tal "cerol" que transformou uma brincadeira sadia e comum no mundo todo, em arma mortífera. Os tempos eram outros.

Pescávamos com caniços de bambu, tirados no mato e curados com sebo de virilha de boi, moqueado no fogo brando, para dar elasticidade e rigidez ao bambu.

Uma beleza para lambaris. Trairas pediam varas de ponta grossa. Peixe sem sutileza, tirado d'água com um arranco. Lambari era tinhoso e sabia correr com a isca.

Íamos a escola, sem mochila e sem pastas. Nos bastava uma capanga feita de pano de saco de açúcar. Pendurado como um embornal. 

Lá dentro, um ou dois cadernos simples e baratos, o livro de leitura, lápis e borracha "capacete", enfiada na cabeça do lápis. Canetas, nem pensar. Eram muito caras.

Brincávamos de pique quadrilha e corríamos quarteirões a noite. Em festas da igreja, ajudávamos a bater os sinos e corríamos atrás das varas dos foguetes preparados e soltos pelo Parente. Fogueteiro e coveiro. Uma excelente alma.

Trabalhávamos em casa. Guardar a lenha, rachar se preciso, buscar leite na cooperativa velha, carne no açougue e gêneros no armazém. 

Fazer o " para casa" e estudar a lição. Vida ocupada, ainda com tempo de engraxar sapatos, fazer estilingues e catar sucata na descarga dos altos-fornos. Ajuntar um dinheirinho para a matinê de domingo.

Os dias eram assim!!!!



Texto: Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 16/10/2017.
Organização: Charles Aquino
Acervo: Shorpy

ITAÚNA: NO TEMPO DAS BARATINHAS



Antigamente havia Patinete e Baratinha! São aqueles extintos carrinhos com rodas de rolamentos (rolimã), montados em uma estrutura de madeira que os meninos andavam por aí. A gente sobe em cima e sai descendo os morros.... Nas patinetes se anda de pé, segurando o guidão (tipo Walk Machine), um dos pés vai batendo no chão, para dar impulsão quando se anda em retas.
Mas eu gostava mesmo era das baratinhas, onde a gente assentava para dirigi-las. O eixo de direção ficava nos pés, o freio era um pedaço de pau, pregado do lado do corpo da baratinha (tipo alavanca), seu atrito com o chão parava o ‘veiculo’.
Teve uma época em minha infância que deu ‘crise de baratinha’! Eu lancei a mania, após meu pai cunhar uma linda baratinha a meu pedido. Ele pegou o formão, serrote e demais ferramentas e foi construindo-a no design que eu pedi: afinando, do assento para os pés. Ficou linda e diferente das tradicionais ‘quadradas’.
Eu e o Dóse meu irmão ficávamos revezando a baratinha, azucrinando os vizinhos com aquele barulho dos rolamentos em seus passeios. Minha mãe custava a deixar a gente andar, pois sabia que a gente acabava incomodando, mesmo sem haver reclamações.
Nesta época a prefeitura asfaltou as ruas do centro, com o novo asfalto nós deixamos os passeios e passamos a andar no meio das ruas, era uma maravilha! Eu me lembro que o Delmar Parreiras (que morava nas proximidades) apareceu com uma linda baratinha pintada de azul. Foram aparecendo outras baratinhas e foi virando uma festa!
Após o asfaltamento, organizamos várias corridas de baratinhas. A pista, era a rua Manoel Gonçalves, se iniciando atrás da igreja da matriz e acabando na linha férrea da avenida Dª Cota. Nos cruzamentos da Godofredo e Zezé Lima, ficava um de nós na esquina olhando para ver se vinha carro.
Nas competições eram comuns os capotamentos, raladas e trombadas naquele asfalto da rua Manoel Gonçalves. Algumas vezes, descíamos disparados, sem ninguém olhando na esquina. A adrenalina causada pelo risco de atropelamento era liberada e aquilo ficava emocionante! Para nós, passar num cruzamento ‘voando’ numa baratinha, era como brincar de roleta russa! Mas Deus protegeu!


Texto: Pepe Chaves — Desenhista, pesquisador, ufólogo, músico, documentarista e jornalista.
Digitação: Ana G. Gontijo e Ícaro N. Chaves
Organização: Charles Aquino




sexta-feira, outubro 13, 2017

BRIGAS DE GALO


Itaúna tinha " galistas" afamados. Nada a ver com o time de futebol. Naqueles tempos, o Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense tinham mais torcedores no interior. Reflexo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, de muita potência, "cast" de artistas renomados e narradores de futebol que marcaram época. Isso é outra história. Torcida do Galo não existia. Só em Belo Horizonte e cidades próximas, nas quais tinham times que disputavam o campeonato mineiro.
Galista era o criador de galos de briga, preparados para rinha, tal e qual se prepara um lutador de boxe. As aves ficavam em cativeiro, em gaiolas de madeira, colocado lado a lado no criadouro. Serviam-se das galinhas com parcimônia, somente para reproduzir. Nada de galinheiro e tampouco quintal para ciscar. Vida de galo de briga era confinamento e treino duro.
Diariamente, o treinador, muitas vezes os próprios donos, tiravam os bichos da gaiola para a ginástica e tratamento. Eram depenados nas pernas, inclusive coxas, até o tronco. Depenados também no pescoço e região do papo e no peito e bucho. Restavam penas nas somente as asas e a parte superior do corpo. Passavam óleo nos animais, faziam massagens nas coxas e eram esfregados com diversas misturas líquidas, visando enrijecer as partes depenadas e o couro.
Diariamente havia uma sessão de ginástica. O galo era jogado para cima, a certa altura. Era para dar força nos músculos das pernas e das asas. Asas e coxas fortes eram requisitos básicos para um matador. As brigas em rinha eram longas e só terminavam com a morte de um dos contendores ou o seu "afinamento". Afinar era o ato de " correr do pau" - fugir da briga, tal qual uma galinha.
As brigas eram feitas na rinha, num círculo acolchoado e estofado, de nome tambor. Brigas com árbitro, tempo marcado para os " rounds" com relógio "timer", à guisa de gongo das lutas de boxe. Os proprietários ou os tratadores, nos intervalos de descanso dos bichos, entravam no tambor e recolhiam os galos para estancar sangrias, passar iodo e vaselina, água para refresco. Aliás, refresco era o nome dado aos intervalos.
Apostava-se muito. De saída, tinha a aposta entre os donos. O público, acomodado em arquibancadas de madeira, tipo circo também apostava. No desenrolar da refrega, as apostas iam acontecendo. Uma cantilena mais ou menos assim: "aposto um conto de reis no barrado" .Se alguém topasse, gritava: " topo e boto mais um conto!"
A troca de apostas continuava até o fim. Não tinha dinheiro "casado". Tudo feito de boca. Terminada a briga, os pagamentos eram efetuados. Nunca ouvi dizer que alguém desse " o cano". Os galistas e aficcionados eram honestos.

Brigas de galo (parte 02)

Meu irmão Antônio de Pádua era apaixonado por galos de briga. Desde adolescente acostumou-se a frequentar a casa do Zé do Gode, um Gonçalves Machado que morava pelas bandas da Lagoinha e tinha dois filhos:  Nilce que não era do ramo e Suer era fanático. Não trabalhava e dedicava a vida a cuidar dos bichos e prepara-los para a rinha. Meu irmão ajudava e dele às vezes ganhava um frango para ser tratado para a rinha.
Outro criador afamado era o Adelino Pereira Quadros. Dono de uma quitanda, apelidada de Mercadinho Quadros, era vizinho do Bazar Itaúna, perto da agência dos Correios. Criava galos e também frequentava rinhas. Morava pelos lados da Estação da Estrada de Ferro. Muitas filhas, todas bonitas. Uma delas foi minha colega no ginásio. O Bismarck barbeiro, também era galista. De menor porte do que os citados acima. Gostava de galos e serenatas.
Montaram certa vez uma rinha na Praça Augusto Gonçalves, numa casa velha, ao lado da Tipografia do Carmelo. Fui lá umas duas vezes. Numa delas, brigou um galo de meu irmão. Morreu no primeiro "round", vitimado por uma esporada mortal. O galo vencedor estava calçado com "arma três" e deu-lhe um golpe fatal. A decepção não serviu para fazer meu irmão perder o gosto pelas rinhas. Depois de formado em Agronomia, foi para o Mato Grosso, ganhou dinheiro e se ligou aos galistas de lá. Certa feita, veio em Itaúna de férias, comprou galos do Inhuca e levou o Suer, filho do Zé do Gode para tratar de seus galos. Não sei quanto tempo durou a aventura.  Era galista e passarinheiro. Acho que é até hoje, malgrado estar velho e cada vez mais mal-humorado. Gostava também de apostas. Em galos, canários chapinha e corrida de cavalo. Perdeu muita grana.

NOTAS
A casa velha, a qual me referi, situava-se onde hoje tem o prédio da Prefeitura. No tocante a " arma três" significa que o galo estava portando esporas artificiais, colocadas no animal, cobrindo a verdadeira, bem amarrada na canela do bicho. Podiam ser esporas de galos já mortos e tratadas para a função, de chifre de boi, de osso e até de aço. Armas mortais. O número três refere-se ao seu tamanho.


ILEGALIDADE DAS BRIGAS DE GALO

DÉCADA 30
Briga de galo no Brasil, assunto bastante complexo e polêmico no âmbito Jurídico. No Brasil, as brigas de galo estão proibidas desde 1934, com a edição do Decreto Federal 24.645 que proíbe "realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes, touradas e simulacro de touradas, ainda mesmo em lugar privado."

DÉCADA 60
Na década de 60 o presidente Jânio Quadros anunciava no Decreto nº 50.620 de 18 de maio de 1961:
Proíbe o funcionamento das rinhas de “brigas de galos” e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o art. 87, nº I, da Constituição, CONSIDERANDO que todos os animais existentes no País são tutelados do Estado; CONSIDERANDO que a lei proíbe e pune os maus tratos infringidos a quaisquer animais, em lugar público ou privado; CONSIDERANDO que as lutas entre animais, estimuladas pelo homem, constituem maus tratos; CONSIDERANDO que os centros onde se realizam as competições denominadas “brigas de galos” converteram-se em locais públicos de apostas e jogos proibidos.
Art. 1º - Fica proibido em todo o território nacional, realizar ou promover “brigas de galo” ou quaisquer outras lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes.
Art. 2º - Fica proibido, realizar ou promover espetáculos cuja atração constitua a luta de animais de qualquer espécie.
Art. 3º - As autoridades promoverão o imediato fechamento das “rinhas de galos” e de outros quaisquer locais onde se realizam espetáculos desta natureza, e cumprirão as disposições referentes à punição dos infratores, e demais medidas legais aplicáveis.
Art. 4º - O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, D.F., 18 de maio de 1961; 140º da Independência e 73º da República.
JÂNIO QUADROS

DÉCADA 90

Na década de 90 é sancionado na Lei de nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
CAPÍTULO V:
DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE:
Dos Crimes contra a Fauna
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Obs.: O galo é considerado um animal doméstico.

DÉCADA 2000

No ano de 2004 o deputado do PFL da Bahia, Fernando de Fabinho propôs o Projeto de Lei para legalização de rinhas no Brasil:
Quem “cria galos ou canários para competição, na realidade, não causa ao animal nenhum maltrato. Pelo contrário, cria-o com todos os cuidados que um atleta merece”.
O assunto voltou à discussão depois da prisão do publicitário Duda Mendonça em um clube que organiza rinhas no Rio de Janeiro. Na ocasião, ele afirmou que não estava fazendo nada de errado.
O deputado propõe a modificação da Lei nº 9.605/98, que trata do assunto. De acordo com ele, “a lei deve andar em consonância com os hábitos do povo e não contra eles, pretendendo modificar uma realidade existente e enraizada na sociedade”. Para Fernando de Fabinho, “leis assim acabam por não serem cumpridas, sendo mais uma das leis que ‘não pegam’.

JUSTIFICAÇÃO
A proposição que ora apresento tem como objetivo descriminalizar uma conduta que faz parte da manifestação cultural de várias regiões. A lei 9.205/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, veda a prática de realização de competições entre animais. Ocorre que é tradicional, em várias partes do país, a realização de alguns tipos de competição entre animais, dentre eles a "briga de galos" e a "a briga de canários".
A lei deve andar em consonância com os hábitos do povo e não contra eles, pretendendo modificar uma realidade existente e enraizada na sociedade. Leis assim acabam por não serem cumpridas, sendo mais uma das leis que "não pegam".
Além do mais, aquele que cria galos ou canários para competição, na realidade, não causa ao animal nenhum maltrato. Pelo contrário, cria-o com todos os cuidados que um atleta merece.
Face ao exposto, conto com o apoio dos ilustres pares para a conversão deste projeto em lei. Sala das Sessões, em 27 de outubro de 2004.
Deputado FERNANDO DE FABINHO



REFERÊNCIAS:
PROJETO DE LEI Nº 4.340, DE 2004. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2004-out-29/projeto_preve_legalizacao_briga_galos_brasil
DECRETO N. 24.645 – DE 10 DE JULHO DE 1934. Disponível em:  http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567

Pesquisa: Charles Aquino
Texto: Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 13/10/2017.
Acervo: Shorpy



quinta-feira, outubro 12, 2017

MEMÓRIAS CINE REX PARTE V

MATINÊ NO CINE REX
Domingo às 10 horas. Dia de matinê no cine Rex. A missa das crianças e jovens era às 8:00. Depois do dever religioso devidamente cumprido, direto para o vetusto cinema à espera da matinê. Ingresso comprado e quando podíamos, os bolsos recheados de bala Chita, que aliás existe até hoje.
A molecada lotava o "poleiro". Um prosaico balcão de madeira, alcançável por um lance de uma escada rangedeira. Cadeiras de madeira e assoalho, idem . O melhor lugar da sala de espetáculos.
Dia de assistir Rocky Lane, Hoppalong Cassidy, Roy Rogers e Dale Evans, Búfalo Bill e outros menos cotados. Com direito a seriado do dr. Magoo e do Tarzan o homem macaco. Pendurado nos cipós, a berrar selva afora com a macaca Chita (que deu nome à bala) em busca de aventuras.
Sessão de cinema com direito a jornais. Sem cinejornal não tinha graça. Graça que por sinal estava na hora em que terminava. Hora de um gaiato gritar: " acabou o jornal!!!!!" E outro gaiato responder de pronto: " limpa com o dedo."
Tínhamos direito a trailers. De preferência, filmes da Condor. Pelos simples fatos de espantarmos a ave que mais se parecia um urubu, pousada em seu sossego. A sala inteira vinha abaixo: " shiii, shiii, shiiii, shiiii, até o bicho bater as asas e alçar voo. Era a glória.
Nos filmes, os melhores momentos eram aqueles de perseguição do bandido pelo mocinho. Batíamos os pés no assoalho e o velho "puleiro" quase vinha abaixo. Finda a perseguição, hora da luta. O mocinho tira as luvas (pretas de preferência) e esmurra o bandido. Luta limpa, sem pontapés e golpes baixos. Finda a refrega, bandido devidamente amarrado e jogado na cela, toca pra cidade entregar a encomenda para o Xerife. Serviço rápido e sem sangue. Com muita onomatopeia, simulação sonora de socos. Estrelas ao redor da cabeça de quem levava os sopapos. Uma beleza.
Domingo era um dia muito especial. Roupa de " ver Deus", matinê cine Rex e depois, picolé de groselha do Bar Azul.
Em casa já nos esperava o ajantarado. Frango assado ou lombo de porco, macarronada e arroz de forno. Nada de verduras e saladas. Dia de comida especial, com direito ainda a guaraná champagne Antártica e soda limonada Gato Preto. Bons tempos, nos quais nos contentávamos com pouco.



*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 16/09/2017.


SANTIAGO E OS CANÁRIOS


Itaúna era terra de Passarinheiros. Pássaros de rinha, tais como curiós, bicudos trinca-ferros, azulões e canários chapinha. Afrânio Santiago era entusiasta dos canários chapinha. Os canarinhos de Itaúna e redondezas eram muito bons de briga. Espécimes que viviam "escoteiros", donos de seus espaços e prontos a defendê-lo de qualquer invasor. Nas roças da cidade não apareciam canários de bando. Esses não se prestam para " arrelia". O bom canário vive só com sua fêmea. São fiéis no acasalamento e defendem com unha e bico o território onde vivem.
Presa fácil para os aficionados por brigas de rinha. Bastava levar um bom canário para o mato e deixa-lo na gaiola com alçapões armados. Assim que cantava, aparecia logo o dono do lugar. Engalfinhava com o forasteiro e logo caiam na armadilha. Da refrega, um dos dois saía lesado. Canário " afinado" na "chama" era difícil de ser recuperado. Precisava de boa fêmea e muito tempo para ser " esquentado". Alguns não se recuperavam nunca mais. Deixavam até de cantar.
Afrânio era solteirão e adorava “os chapinha”. Para quem não o conhecia, podia até ser tomado como maluco. Passava pelos conhecidos e resmungava: " botou!!!" Era sinal para os iniciados saberem que o casal de canários do viveiro tinha uma fêmea que botara ovos.
Dias depois, vinha novamente o Afrânio e dizia: " um ovo gorou, mas tirou dois filhotes. A fêmea está tratando direito. Vão vingar!!!.
Mais uma semana e lá vinha ele: " estão emplumando e não demoram a sair do ninho. Estou tratando com larvas de cupim. Estão sadios!!!!
Com um mês e novamente Afrânio Santiago: estão gurrichando. Tive sorte. Dois machos!!!
E assim ia levando a vida. Com sua linguagem peculiar de passarinheiro. Uma boa alma. Negociei muitos canários com ele. Inclusive um, corrido de briga que tinha bascuiado. Era bom cantador e cantava carretilha. Uma beleza.


Notas 

     Para quem não é daqueles tempos, um pequeno glossário: gurrichar: começar a ensaiar o canto. Típico de filhotes e fêmeas; bascuiar: diz-se do pássaro que não aguentou o canto do outro e perdeu o pique no duelo. O mesmo do que canário afinado.
A foto é meramente ilustrativa e os pássaros retratados são canários belga, roller, frisados parisienses e alguns psitacídeos, aves da família dos papagaios, araras e maritacas. Os da foto, inclusive o que está sendo acarinhado são exóticos, a maioria vindos da Austrália. Os canários retratados são de origem Europeia e aclimatados no Brasil há séculos. O chapinha, conhecido também como canário da terra ou canário cabeça de fogo são aves nativas no Brasil. Estiveram perto da extinção. Com a proibição das rinhas de briga e a vigilância do IBAMA, estão em franca recuperação. Para cria-los em cativeiro, faz-necessário a licença dos órgãos ambientais.


*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 26/09/2017.
Acervo: Shorpy